A Quarta Onda


O cancelamento da liberdade de expressãoReprodução/Free Speech Fear Free

Os primeiros sinais do desenvolvimento do princípio da liberdade de expressão começam na Grécia antiga, onde, em algumas cidades como Atenas, no século V a.C, cidadãos podiam participar de assembleias e expressar suas opiniões sobre decisões públicas.

Mais adiante, durante o Império Romano, embora não houvesse formalmente a liberdade de se expressar, a arte da retórica praticada por advogados, políticos e filósofos exerciam certo grau de liberdade para manifestar suas ideias, especialmente no contexto do senado romano. 

No iluminismo Europeu, o conceito de liberdade de expressão, como conhecemos hoje, começou a tomar forma durante o século XVIII. Filósofos como John Locke, Voltaire e Jean-Jacques Rousseau debateram intensamente sobre liberdade individual, governo e direitos humanos. 

Já na Declaração Americana de Direitos (Bill of Rights 1791), a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos proíbe o Congresso de fazer leis que restrinjam a liberdade de expressão ou de imprensa. Essa emenda se tornou um dos pilares da liberdade de expressão no mundo ocidental e influenciou várias outras legislações internacionais.

Por fim, o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reforça a importância da liberdade de expressão. 

Porém, uma composição de reagentes explosivos como a ascensão dos populistas, a epidemia de ações covardes dos liberais, a viralização de desinformação através de redes sociais e aplicativos,  a ideologia woke e seu poder bélico de cancelamento – ameaça pôr um fim em uma das maiores conquistas da humanidade.

Sou o fundador do “Minerva Thinking,” uma nova publicação em Inglês hospedada na plataforma Medium, onde exploro diversos tópicos intelectuais. Há duas semanas, um dos meus artigos, “Os riscos da ressignificação das palavras” foi removido. Você pode ler o texto na íntegra aqui.

Entre as determinações escritas na carta que recebi do Medium de que a minha postagem viola suas regras estão considerações como: “não permitimos conteúdo que possa comprometer a dignidade e os direitos de indivíduos transgêneros e/ou não binários. Isso pode incluir a utilização incorreta de pronomes, a menção de nomes antigos que a pessoa não utiliza mais, afirmações de que pessoas transgêneras não são de sua identidade de gênero (como “mulheres trans são homens”), ou afirmações errôneas baseadas em desinformação ou pseudociência.”

Ainda, no mesmo comunicado, fui informado de que: “violações repetidas de nossas regras podem resultar em suspensões adicionais, diminuição da distribuição de suas postagens e potencial suspensão de sua conta.”

Veja, a base moral da liberdade de expressão é fundamentada em diversos princípios éticos e filosóficos que fazem dos países democráticos os locais preferidos para imigração. ‘Autonomia individual’ é um princípio que valoriza a capacidade das pessoas de tomar decisões por si mesmas, incluindo dizer o que pensam. 

John Stuart Mill, em sua obra “Sobre a Liberdade”, argumenta que a liberdade de expressão é essencial para a busca pela verdade. Segundo Mill, apenas através do confronto de ideias opostas é possível chegar à verdade. 

É crucial para o funcionamento sadio do sistema democrático eficaz a liberdade de expressão, pois permite que os cidadãos critiquem o governo, debatam políticas públicas e expressem suas necessidades e desejos políticos.

Tolerância e diversidade são alcançadas por meio da liberdade de expressão ao permitir que diferentes culturas, opiniões e crenças sejam manifestadas e discutidas abertamente. Não através de ameaças de cancelamento, conformidade e ideologias há tempo fracassadas.

Desenvolvimento e inovação, tanto cultural quanto tecnológica, dependem da capacidade de questionar o status quo e de explorar novas ideias. A liberdade de expressão permite que cientistas, artistas e inovadores desafiem conceitos estabelecidos e proponham novas teorias, obras de arte e invenções que impulsionam o desenvolvimento da sociedade. 

O medo de questionar, dizer e escrever limita a capacidade criativa dos indivíduos, pois como na União Soviética, sua fala e escrita podem se voltar contra você. Poderiam Einstein, e outros renomados gênios, atingir todo seu potencial com ameaças sob suas ideias?    

O paradoxo que nos encontramos é que os supostos defensores do preconceito das minorias, que se rebelam contra o discurso de ódio, usam este mesmo sentimento para cancelar qualquer um que tenha visão diferente, inclusive super minorias como a da religião judaica. 

No filme “The Wave”, é possível entender a dimensão do problema. Inspirado no experimento real “A Terceira Onda”, realizado em 1967 por Ron Jones, um professor de história do ensino médio em Palo Alto, Califórnia, para explicar a conformidade do povo alemão ao nazismo, o filme demonstra como um experimento que começou com regras simples que promoviam disciplina e comunidade, rapidamente ganhou adesão dos alunos que até adotaram um símbolo e saudação próprios. No entanto, surpreendentemente, a iniciativa desviou-se para um movimento autoritário, com os alunos adotando comportamentos extremistas.

Reconhecendo que a situação havia escalado além do esperado, Jones encerrou o experimento, revelando aos alunos a natureza do estudo e demonstrando como eles haviam sido levados a aceitar ideologias autoritárias. O nome “A Terceira Onda” serviu para simbolizar a ideia de uma nova onda de mudança que os alunos acreditavam estar participando, sugerindo que eles poderiam ser a força transformadora na sociedade, assim como as ondas anteriores de mudança histórica. 

Hoje, vivemos a quarta onda, que leva multidões a acreditarem que estão fazendo o certo, que estão do lado da superioridade moral, da verdade absoluta e inquestionável e para tanto estão dispostos a destruir o que foi conquistado ao longo do tempo com muito sangue. Precisamos, cada um de nós, lutar para encerrar este louco experimento. Antes que ele se torne um tsunami e leve a humanidade de volta a tempos sombrios.



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