Deputados bolsonaristas são cúmplices da falta de oxigênio em Manaus

THOMAS TRAUMANN
Jornalista e consultor de comunicação, é autor de “O Pior Emprego do Mundo”, sobre o trabalho dos ministros da Fazenda. Escreve sobre política e economia

A falta oxigênio nos hospitais de Manaus é resultado direto aumento do número de casos por Covid-19 depois que as associações comerciais, apoiadas pelo bolsonarismo, impediram a paralisação dos serviços não essenciais na cidade. Pressionado, o governo estadual recuou e permitiu a reabertura do comércio depois do Natal. O preço está sendo pago em número de vidas.

Na quarta-feira, 13, foram 198 enterros, a grande maioria de vítimas de Covid-19. Foi o quarto dia seguido de recorde de enterros na cidade. A Prefeitura vai instalar câmaras frigoríficas no cemitério Nossa Senhora Aparecida para preservar os corpos à espera de um funeral. De acordo com os registros, Manaus teve 91 mil casos confirmados de Covid e 3.856 mortes até quarta-feira. Epicentro da primeira onda de Covid-19 no Brasil em abril, Manaus está revivendo o drama dos enterros coletivos, com retroescavadeiras soterrando os corpos sem a presença de parentes para chorar suas perdas.

Depois que o governo recuou das interdições, no dia 26 de dezembro, o deputado Eduardo Bolsonaro comemorou as manifestações na Avenida Eduardo Ribeiro contra o governador Wilson Lima. “1º Búzios e agora Manaus. Todo poder emana do povo”, escreveu o filho do presidente Jair Bolsonaro, se referindo à cidade do litoral fluminense, onde os bolsonaristas também se insurgiram contra medidas de interdição.

“A pressão do povo funcionou. Parabéns povo amazonense vcs fizeram valer seu poder!”, postou a deputada Bia Kicis, uma das sabujas do presidente na Câmara. Outra bajuladora do presidente, Carla Zambeli, foi na mesma linha: “O despertar de um gigante! Como búzios, Manaus não aceitou o lockdown”. Investigado no inquérito do STF das fake news, o deputado Daniel Silveira provocou: “e aí, @wilsonlimaAM, viu quem manda no estado? Para com essa palhaçada de lockdown senão vai ser arrancado do palácio pelas mãos do povo”.

No dia 4 de janeiro, quando as mortes em Manaus avançaram em ritmo assustador o deputado Osmar Terra, líder da bancada negacionista no Congresso, escreveu “embora o noticiário alarmista, Manaus tem queda importante de óbitos desde julho, mostrando uma imunidade coletiva de rebanho”. Os dados mostrados no gráfico postado por Terra eram distorcidos.

Com os hospitais colapsados, a reação do ministro general Eduardo Pazuello foi insistir que os médicos receitassem cloroquina, um remédio que tem o mesmo efeito para Covid-19 que água com açúcar. Em ofício encaminhado à Prefeitura de Manaus na sexta-feira passada (7), quando já não havia lugar nos hospitais, o Ministério qualificava de “inadmissível” a não adoção da medicação.

Há semanas todos hospitais da cidade estão esgotados. Hoje seis estados ofereceram leitos para a transferência de pacientes. Aviões da Força Aérea estão trazendo mais oxigênio, mas a situação é de calamidade. “Acabou o oxigênio e os hospitais viraram câmaras de asfixia”, disse o pesquisador Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, à repórter Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. “Os pacientes que conseguirem sobreviver, além de tudo, devem ficar com sequelas cerebrais permanentes”.

Cientistas estudam se existe correlação entre esta onda de Covid-19 e a descoberta de uma nova variante do vírus, batizada de P.1. É absolutamente normal que durante uma pandemia, o vírus sofra mutações conforme é transmitido de pessoa para pessoa. O que chama a atenção no caso da variante encontrada em Manaus é que as mudanças ocorreram nos genes que codificam a estrutura que fica na superfície do vírus. Há indicações de que essa variação pode deixar o vírus mais infeccioso, embora esta ainda é uma possibilidade ainda em estudo. Uma das prioridades científicas mundiais hoje é descobrir se as vacinas já disponíveis são capazes de combater a cepa do vírus de Manaus.

A descoberta de uma nova variante do Covid em Manaus ocorreu depois que turistas japoneses que estiveram na cidade voltaram contaminados ao seu país. Logo depois, um estudo coordenado pelo Imperial College confirmou as singularidades da cepa do vírus de Manaus. Cientistas já haviam descoberto variantes do vírus no Reino Unido e na África do Sul, ambas mais potentes que a cepa padrão da Covid19. Na quarta-feira, o Reino Unido anunciou a proibição de aviões vindos do Brasil e de outros países da América do Sul, temendo contágio com a cepa de Manaus. Outros países da Europa devem fazer o mesmo nos próximos dias.

Se houvesse um Ministério da Saúde sério, os esforços hospitalares do país estariam concentrados em levar suprimentos e medicamentes aos manauaras. Ao invés disso, o general Eduardo Pazuello passou as últimas semanas insistindo que acidade tratasse seus pacientes com cloroquina, o que é mesmo que condená-los a própria sorte.

Na semana que vem o Ministério começa a vacinação contra a Covid-19, mas são apenas 2 milhões de doses. A perspectiva mais otimista é que exista vacina para apenas 60 milhões de brasileiros, o que significa que a maioria da sociedade seguirá desprotegida. Se não houver vacinação para todos, a tragédia de Manaus pode se repetir no resto do país. Manaus é o retrato do Brasil asfixiado por um governo que não se importa.

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