Ex-presidente do STF, Ayres Britto diz ser normal 'instabilidade inicial' após importação de delação



Carlos Ayres Britto, então presidente do STF, durante julgamento do Mensalão

Nelson Jr./SCO/STF

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o constitucionalista Carlos Ayres Britto afirma ser normal uma “instabilidade inicial” relacionada à importação de conceitos jurídicos de outros países, como a delação premiada.

Ao blog, o ex-ministro afirmou que não lhe causa estranheza a maioria formada no Supremo nesta quinta-feira (26) por um novo balizamento para o uso da colaboração nos processos judiciais.

A nova tese estabelecida pelo STF pode levar à anulação de sentenças impostas em casos nascidos de operações como a Lava Jato. O julgamento ainda não foi concluído e será retomado na semana que vem.

“Quando você importa um modelo a pergunta que cabe é: você já combinou com a Constituição? Então é natural esse ‘frisson’, essa instabilidade inicial que resulta da importação desses modelos e da apropriação cognitiva deles nesses primeiros anos”, afirmou o ex-ministro.

“Como sou da área jurídica, constitucionalista, eu não estranho nada disso, penso apenas nas consequências dessas decisões, na fundamentação, na consistência das decisões e nas consequências, e estou estudando, estou refletindo”, explicou.

Processualmente, Ayres Britto explica que – ao entender que réus delatores devem apresentar suas alegações finais antes dos delatados – a maioria dos ministros do Supremo está dizendo que “o colaborador no processo penal é um assistente do Ministério Público”.

“Mesmo a Constituição não dizendo isso, mesmo não havendo lei dizendo isso, o Supremo diz que é da lógica da ampla defesa que preside a relação acusador–acusado, é da lógica da ampla defesa do contraditório, esse escalonamento: primeiro um, depois o outro. Primeiro o colaborador, depois o co-réu que não colaborou, mas que foi destinatário da colaboração do outro negativamente em situação desfavorável, desvantajosa”, explica o ex-presidente da corte.

Novo conceito

O instituto da delação premiada, utilizado como ele é hoje no país, foi inspirado no sistema jurídico anglo-saxão, explica Ayres Britto. Países como Inglaterra e Estados Unidos primam por esse tipo de medida, como a delação premiada, o compliance e o acordo de leniência.

“Nós estamos importando deles esses modelos jurídicos. Então é natural que o conteúdo desses institutos jurídicos ainda esteja meio impreciso no Brasil. Então cabe ao Supremo mesmo definir as coisas, conceituar as coisas com mais precisão”, afirmou.

O ordenamento jurídico ao qual a colaboração premiada faz parte está no artigo 3º da Lei 12.850, de 2013.

Segundo o ex-ministro, o país está revisitando a Constituição para definir qual é a melhor forma de utilizar esses novos conceitos. “São coisas naturais. É mesmo um novo olhar sobre o texto”, diz.

Interlocução

Na autoridade de quem presidiu o STF no início da década, Ayres Britto afirma que, agora, o atual presidente da corte, ministro Dias Toffoli, vai buscar uma interlocução com outros magistrados para definir os limites do novo entendimento.

“Quais as consequências disso? Anular tudo? Toffoli deve ter alguns contatos. Uma interlocução. Vai liderar um procedimento interlocutório para sentir o pulso dos outros ministros quanto à consequência dessa decisão”, avalia Ayres Britto.

O ex-presidente do STF destaca que o ponto principal da tese em análise pelo STF é se o novo entendimento será retroativo – e só nos casos em que houve prejuízo ao delatado, ou se só poderá ser aplicado daqui para frente.

A Suprema Corte vai definir esse balizamento na semana que vem, quando serão conhecidos os posicionamentos do ministro Marco Aurélio Mello e do próprio Toffoli. O julgamento foi suspenso nesta quinta-feira (26) após seis votos favoráveis à nova tese e três contrários.