Em escuta, traficantes de Cabo Frio dizem que policiais exigiram R$ 20 mil para soltar comparsa


Escutas telefônicas feitas com autorização judicial mostram traficantes de Cabo Frio, na Região dos Lagos, falando sobre uma suposta cobrança feita por policiais civis de R$ 20 mil para soltar um traficante. A conversa foi gravada em dezembro de 2017 e aparece em uma denúncia feita pelo Ministério Público Estadual fluminense contra traficantes do Complexo da Boca do Mato disponibilizada nesta sexta-feira (16/08). Nas interceptações, os traficantes diziam que não tinham como levantar o dinheiro exigido porque o movimento da boca de fumo estava fraco.

“Escuta aqui, os cana pegou o Vinicius tá pedindo um dinheiro aqui ó”

“Aí os caras falou assim, aí o delegado falou “pá” isso, isso e isso, nos quer vinte mil, mas pode cair para dezoito, mano, dezoito mil tá maluco, dezoito mil”

“Fala pra eles que não tem condição de seguir vinte mil não mano, que nós não tem vinte mil não mano, entendeu?, bagulho tá fracão, bagulho não tá vendendo, pode falar pra eles ó parceiro lá mandou falar que o bagulho não tá vendendo, bagulho tá fraco aí, entendeu mano? Tem vinte mil não parceiro, entendeu?”

Uma outra gravação na mesma época mostra traficantes falando sobre uma nova cobrança de supostos policiais, desta vez de R$ 10 mil para soltar um comparsa, que teria baixado para R$ 5 mil porque a mulher do preso, que estava grávida, começou a passar mal.

“Os policia estão muito mandado cara, eles queriam 10, eles foram e falaram assim, por causa dela a gente vai baixar para 5, 5 mil sem conversa. Para vocês trazerem o dinheiro, não manda ninguém junto contigo. Não tem não 5?”.

“Eles não vão querer não, esses polícia tá querendo dinheiro, esses capeta”.

Como não houve citação a nomes, nenhum policial suspeito foi denunciado.

Procurada, a Polícia Civil não respondeu aos questionamentos da reportagem.

LÍDER MORTO

As investigações revelaram os traficantes detinham o domínio no Complexo da Boca do Mato (Porto do Carro, Estradinha, Vinhateiro, Vila do Ar,Pontilhão, Chaparral e Morro do Limão). Eles são vinculados à facção criminosa Comando Vermelho (CV). A liderança da quadrilha era de Macaive Gomes dos Santos, o Mica, que morreu recentemente em um confronto com policiais. Ele costumava se esconder no Complexo da Penha, na Zona Norte da Capital. Antes de morrer, Mica procurou saber quantas pessoas da comunidade seriam assinantes de TV a Cabo e Internet, objetivando dominar os sinais da região.

A manutenção e expansão da estrutura criminosa dependiam do uso da força e da violência para dissuadir eventuais obstáculos, de sorte que a quadrilha apostava na aquisição de armas e munições para alcançar seus objetivos. Para tanto, valia-se dos “seguranças” ou “contenção”, elementos que muitas vezes acumulavam a função de venda de entorpecentes, mas precipuamente se colocavam à disposição para eliminação de desafetos ou policiais que eventualmente atrapalhassem o desenvolvimento dos negócios ilícitos. Moradores sofriam intimidação constante e podiam sofrer represálias se insurgissem contra o domínio. Os traficantes quando botavam cargas de cocaína para vender exigiam que o lucro fosse de R$ 2.000 Parte das drogas vendidas vinham do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo.

LIGAÇÃO COM FERNANDINHO GUARABU

O MP também divulgou hoje uma denúncia contra traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP) que agem em Cabo Frio, principalmente em Unamar. O fato mais relevante era a ligação dos criminosos com a quadrilha do falecido traficante Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, do Morro do Dendê, na Ilha do Governador, na Zona Norte da capital. A favela carioca era distribuidora de drogas para as comunidades cabofrienses e local de refúgio dos traficantes da cidade da Região dos Lagos. O principal líder do TCP na região, José Francisco da Silva, o Chico TCP, foi morto em um confronto com a polícia no ano passado. Ele era responsável por diversos homicídios na localidade.

OPERAÇÃO

Nesta sexta-feira (16), a Polícia Militar prestou auxílio direto ao Ministério Público, em cumprimento de 31 mandados de prisão e de busca e apreensão relacionados ao tráfico de drogas no município. As comunidades Porto do Carro, Boca do Mato, Rainha da Sucata, Tangará, Jacaré e Jardim Peró foram ocupadas por 100 PMs do Batalhão de Choque para que os 80 agentes da Subsecretaria de de Inteligência cumprissem os mandados judiciais. Ao todo, 12 suspeitos foram presos e dois foram mortos. Foram apreendidos duas pistolas e dois revólveres, um simulacro, uma faca e grande quantidade de drogas (45 tabletes pequenos de maconha, 79 cápsulas de cocaína e nove tabletes de skank).