Uma a cada quatro cidades do Rio está acima da média nacional em mortes violentas, indica Anuário Brasileiro de Segurança Pública


O 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última quinta-feira, comprovou em estatísticas o que o cidadão fluminense sente na prática, cotidianamente. O estudo mostrou que um em cada quatro municípios do estado registrou, no ano passado, mais mortes violentas intencionais do que a média nacional. São 24 cidades em que a taxa de ocorrências do gênero ficou acima de 23,6 para cada cem mil habitantes, o que coloca o Rio, com folgas, no topo do ranking por estados. A segunda posição é da Bahia, com 17 municípios nessa condição — o território baiano, porém, é dividido entre 417 cidades, número mais de quatro vezes maior do que as 92 do Rio de Janeiro.

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O índice de mortes violentas é alavancado pelo de letalidade policial, no qual o estado, embora tenha registrado queda de 31,4% na comparação com 2019, se manteve como primeiro colocado nacional, com 1.245 casos — o equivalente a um óbito durante operações das forças de segurança a cada sete horas, em média. E a polícia que mais mata no país também está entre as que mais morrem: 44 agentes da lei perderam a vida no Rio em 2020, três a mais do que no ano anterior. Apenas São Paulo, com 49 óbitos, aparece à frente na lista.

— Se a política de confronto desse certo, o Rio seria o estado mais seguro do país, mas não é o que se vê. Os números mostram tudo aquilo que passa o ano inteiro na televisão: há, no estado, uma segurança pública desarticulada, com um deserto de ideias e de ações efetivas — analisa Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública na FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, órgão responsável pelo anuário.

Crime avança em Angra

O número elevado de mortes durante intervenções policiais também coloca o Rio em posição desfavorável no recorte por municípios. No topo, está a capital fluminense, com 415 autos de resistência no ano. O estado é ainda o único a aparecer com cidades que não são capitais, costumeiramente mais violentas, entre os dez primeiros postos no ranking nacional: São Gonçalo, na Região Metropolitana, e Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

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Considerando os 20 municípios na parte de cima da lista, o predomínio do Rio fica ainda maior, com oito — ou 40% do total — representantes. Nesta análise, além de Niterói e outras três cidades da Baixada (Belford Roxo, São João de Meriti e Nova Iguaçu), surge até mesmo Angra dos Reis, no interior do estado, um dos destinos turísticos mais procurados da Costa Verde.

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Angra, aliás, serve bem como exemplo ilustrativo dos problemas de segurança que assolam o estado. Antes pacata e paradisíaca, a cidade passou a presenciar, nos últimos anos, uma expansão do tráfico de drogas, que passou a portar armamento pesado, em especial fuzis. No fim do ano passado, uma investigação apontou que a milícia de Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto pela polícia há um mês, também tentava expandir tentáculos no município. O resultado vem na forma de tiroteios e confrontos cada vez mais presentes em meio ao verde e às belas praias locais.

— Hoje, o Rio não tem sequer uma secretaria de Segurança Pública para coordenar as ações entre as polícias, o que favorece a expansão do crime organizado. O tráfico aumenta, as milícias crescem… E esse enfrentamento constante é, além de tudo, caro. Gasta-se muito sem efetividade — pontua o pesquisador Alcadini.

João Pedro: jovem morreu após ser baleado dentro de casa durante operação policial no Complexo do Salgueiro
João Pedro: jovem morreu após ser baleado dentro de casa durante operação policial no Complexo do Salgueiro Foto: Reprodução

Pai de João Pedro lamenta

O capítulo do anuário que trata da letalidade policial traz, na primeira página, uma foto de João Pedro de Matos Pinto, de 14 anos, morto durante uma operação em São Gonçalo em maio de 2020. Mais de um ano depois, a violência voltou a bater à porta da família ontem. Enquanto acontecia uma nova incursão, levando pânico a moradores do Complexo do Salgueiro, um policial perguntou ao passar pela casa: “É aqui que morava o menino João Pedro, né?”

— Além de perder nossos parentes, somos intimidados. Aí todo dia você liga a televisão e vê que morreu um e outro. Isso não para. E a dor só aumenta — desabafa o comerciante Neilton Matos, pai de João.

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Procurada, a Polícia Militar afirmou que “as forças de segurança do estado atuam em um cenário complexo, no qual há décadas facções criminosas rivais disputam território de forma extremamente violenta”. A corporação citou ainda que “indicadores criminais estratégicos” vêm demonstrando “reduções expressivas”.

Veja, abaixo, a íntegra da nota enviada pela PM:

“A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar esclarece que as ações da Corporação são baseadas em informações transmitidas mensalmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).

As forças de segurança do estado atuam num cenário complexo, no qual há décadas facções criminosas rivais disputam território de forma extremamente violenta. Apesar de todas as dificuldades, os indicadores criminais divulgados pelo ISP demonstram reduções expressivas e contínuas dos indicadores criminais estratégicos, ou seja, aqueles que mais impactam na vida dos cidadãos.

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No ano de 2020, período do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a letalidade violenta (soma de homicídio doloso, morte por intervenção de agente do Estado, latrocínio e lesão corporal seguida de morte) registrou uma taxa de 28 por 100 mil habitantes, a menor desde o início da série histórica, em 1991. No mesmo ano, a taxa de homicídio doloso analisado isoladamente também foi a menor dos últimos 30 anos: 20 por 100 mil habitantes. Já a taxa de morte por intervenção de agente do estado foi de 7 por 100 mil habitantes, a menor desde 2016.”

Colaborou: Rafael Nascimento de Souza



Fonte: Fonte: Jornal Extra