Três meses depois, segurança e gerente de supermercado são indiciados por crime de racismo contra cliente negro


Um gerente e um segurança do hipermercado Extra de Alcântara, São Gonçalo, foram indiciados nesta sexta-feira pela Polícia Civil por crime de racismo contra o confeiteiro Bernardo Valdir Marins. O crime aconteceu em agosto deste ano, e, de acordo com a loja, a dupla foi demitida após os relatos. De acordo com a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no inquérito, os dois são acusados de seguir e ofender de forma racista o cliente do mercado.

Na ocasião, o confeiteiro, um homem negro, foi seguido pelo segurança, Antonio Carlos Tavares de Souza, dentro do mercado e xingado em seguida. Ao reclamar do fato com o gerente, Nivaldo Dias de Oliveira, ele não obteve atenção e ainda foi informado que o segurança havia “marcado a sua cara”. Bernardo ainda foi chamado de “ladrãozinho” pelo segurança ao deixar o mercado.

Procurado, o Grupo Pão de Açúcar afirmou que tomou conhecimento sobre o ocorrido no dia 19 de agosto, acionando imediatamente a loja de Alcantara e iniciando, assim, um processo interno de apuração. A empresa acrescenta que conseguiu contato com o cliente Bernardo no dia seguinte para se desculpar pela situação vivenciada por ele na loja e incluí-lo no processo de averiguação dos fatos. A rede diz que não orienta os funcionários para qualquer tipo de atitude discriminatório ou desrespeitosa, e que inclusive as condena como está explícito em seu Código de Ética e na política de diversidade e direitos humanos da empresa.

“A partir das informações passadas por todos os envolvidos e baseado em suas políticas e nos padrões de procedimentos da companhia, o Extra decidiu na ocasião pelo desligamento dos envolvidos no episódio e vem reforçando continuamente com essa e todas as demais lojas da rede a conduta esperada no relacionamento com os clientes”, disse em nota.

“A rede aplica continuamente um calendário de treinamentos, atualizações de procedimentos e formações para o combate à discriminação e o preconceito para todos os funcionários e prestadores de serviço. Todos assumem o compromisso, por meio do contrato de trabalho, ao respeito integral ao Código de Ética da companhia. Em casos de denúncias sobre condutas ilegais ou antiéticas, o Extra possui um canal de ouvidoria, responsável por realizar a apuração completa do tema. Em 2018 implantou um grupo interno de Afinidade de Equidade Racial, formado por colaboradores(as) negros(as) e não negros(as) comprometidos em construir com a empresa um ambiente de trabalho cada vez mais inclusivo e de promoção da equidade racial”, concluiu.

O caso

Morador do bairro Galo Branco, em São Gonçalo, o confeiteiro e cake designer Bernardo Marins, de 20 anos, tinha resolvido passar seu aniversário do jeito que aprendeu no curso de gastronomia: fazendo um bolo. Decidiu ir até o Extra Hipermercado, do bairro Alcântara, na mesma cidade, para comprar os ingredientes. Mas, segundo ele, um segurança do estabelecimento passou a segui-lo e o acusou de “ladrãozinho”.

— Ele falava no rádio, de uma forma nada discreta, para que a câmera me seguisse para ver se eu estava colocando alguma coisa na minha sacola. Ele fazia questão de que eu ouvisse que ele estava falando de mim. Eu fui para outro corredor e o mesmo se repetiu. Ele ficava vindo atrás de mim e ficava falando das minhas características pelo rádio — disse o rapaz ao EXTRA na ocasião.

Bernardo Marins, de 20 anos, denunciou racismo em supermercado
Bernardo Marins, de 20 anos, denunciou racismo em supermercado Foto: Arquivo pessoal

Depois de passar pelo caixa, Bernardo foi até o SAC do hipermercado e pediu para falar com o gerente sobre o ocorrido. Neste momento, o segurança retornou, aos berros, falando que os bolsos dele “estariam cheios”. Depois de o gerente falar que nada ocorreu, Bernardo, ao sair da loja, foi chamado de “ladrãozinho” pelo mesmo segurança.

— Eu questionei ele, perguntei se ele tinha algum problema comigo e ele disse: “você acha que eu sou cego, algum babaca?”. Então eu voltei no gerente, informei isso e ele me disse que o segurança já tinha marcado a minha cara, insinuando que eu já tinha roubado no mercado. Sai de lá aos prantos e pedi ajuda para a minha mãe. Ali acabou o meu aniversário — relata o jovem que ainda está assimilando tudo o que aconteceu:

— Eu tinha uma tradição de passar todo aniversário de cabelo descolorido. Neste dia, eu cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi pintar o cabelo de preto para não ser mais confundido com ladrão.



Fonte: Fonte: Jornal Extra