‘Tiraram o abraço dele de mim covardemente’, lamenta mãe


Um mês após a operação policial no Jacarezinho que resultou na morte de 28 pessoas, sendo a mais letal da história do Rio, parentes das vítimas lembraram suas perdas. Neste domingo, 6, na entrada da comunidade, um evento reuniu líderes comunitários, ativistas, entidades e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Defensoria Pública e da Comissão de Direitos Humanos da Alerj no local em que será erguido um monumento em homenagem aos mortos naquele dia.

— Ninguém pode imaginar como dói. Marlon era o dono do meu abraço. Tiraram esse abraço de mim covardemente, com um tiro nas costas — lamentou, entre lágrimas, Adriana Santana de Araújo, de 46 anos, mãe de Marlon Santana, de 23.

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Adriana foi ao evento deste domingo, na quadra da Unidos do Jacarezinho, com as unhas e as sobrancelhas feitas. Ela contou que sempre gostou de se cuidar, mas, após a morte do filho, ficou oito dias sem nem conseguir tomar banho. Medicada com quatro remédios diferentes necessários para seguir em frente depois da tragédia, ela levou um banner com fotos e cobranças de respostas do Estado sobre o ocorrido. Entre as imagens, um retrato do Dia das Mães de 2020, o último que passou com Marlon:

— Neste ano, no Dia das Mães, eu estava enterrando o meu filho. Não quero mais comemorar a data. No ano que vem, eu vou ficar no quarto, com o casaco dele, sentindo o cheiro dele.

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Adriana Santana, de 46 anos, perdeu um dos filhos na operação do Jacarezinho que deixou 28 mortos
Adriana Santana, de 46 anos, perdeu um dos filhos na operação do Jacarezinho que deixou 28 mortos Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Satisfeita com a perícia independente solicitada pelo Ministério Público do Rio para investigar as mortes no Jacarezinho, Adriana falou que acredita que o filho — que tinha uma anotação por posse de drogas para uso pessoal, em 2016, mas o processo já havia sido arquivado — tenha morrido às 9h, quando ele parou de responder suas mensagens, trocadas durante o tiroteio:

— Chamar isso que aconteceu de operação policial ofende quem é mãe.

Mãe de Isaac Pinheiro de Oliveira, de 23 anos, também morto da operação, Tatiane Teixeira reclamou do tratamento desrespeitoso que sempre recebe durante ações policiais:

— Minha casa parece doce. Sempre vão lá.

Ela não esconde que Isaac tinha um mandado de prisão em aberto — ele tinha sete anotações por crimes como furto, corrupção de menores e associação para o tráfico. No entanto, ela fez questão de ressaltar que, no Brasil, não há pena de morte:

— Meu filho tinha que ser preso, não morto. Isso não é normal. Ele deixou uma namorada grávida de cinco meses.

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Evento no Jacarezinho lembrou um mês de operação que deixou 28 mortos
Evento no Jacarezinho lembrou um mês de operação que deixou 28 mortos Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Monumento em homenagem às vítimas

O monumento que será erguido na entrada do Jacarezinho será uma homenagem também a André Leonardo de Mello, policial civil que morreu na operação do início de maio. O memorial ainda não tem data para ser erguido, mas os organizadores já buscam artistas plásticos para realizar o projeto.

O ativista Rumba Gabriel, compositor da Mangueira e fundador do Portal Favelas, espera que a tragédia lance luz sobre o que acontece rotineiramente nas comunidades cariocas:

— A favela não produz droga nem arma. Os traficantes estão nas fronteiras, nos bairros chiques. Por que a inteligência da polícia não vai nessa direção? — questiona ele: — Nós gritamos para não sermos fuzilados, mas nosso grito é criminalizado.

Representando a ouvidoria da Defensoria Pública, Guilherme Pimenta ofereceu apoio e acolhimento às famílias das vítimas. A instituição vem cobrando independência nas investigações. Em seu discurso, ontem, ele classificou o ocorrido como “inaceitável”:

— Esse não foi um fato isolado, e sim parte de uma história sendo escrita de forma errada muitos anos.

Para Margarida Prado, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB e representante da ordem no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, o argumento usado para a operação — proteger crianças contra o aliciamento pelo tráfico — não se sustenta:

— Há décadas esses espaços de comunidade são excluídos de políticas públicas de cidadania. O único momento em que os jovens são vistos é quando são acusados de crimes.

A deputada Dani Monteiro (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, ressaltou a diferença entre a favela e o asfalto no trato por parte do Estado:

— Aqui não existe a lógica do respeito, só a do controle social.



Fonte: Fonte: Jornal Extra