A lista de crianças mortas por armas de fogo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro cresce ano após ano. Segundo um levantamento feito pelo Instituto Rio de Paz, no período de janeiro de 2022 a janeiro de 2023, seis crianças foram baleadas e tiveram suas vidas interrompidas: Kevin, Karina, Esther Vitória, Lorenzo, Juan Davi e Rafaelly.
O que todos têm em comum é a morte repentina enquanto viviam momentos rotineiros. Com idades entre 5 e 14 anos, todas elas moravam em áreas periféricas.
— A morte das crianças são endereçadas. E esse endereço é o dos mais pobres, sempre nas áreas de favelas, também no subúrbio e na Baixada. Assim como essas mortes têm cor — denuncia Lucas Louback, coordenador da ONG Rio de Paz, que presta assistência psicológica e jurídica aos pais das vítimas.
O pesquisador, que estuda segurança pública, violência e religião no Rio de Janeiro, também aponta para a falta de políticas públicas no estado do Rio voltadas para prevenir ou cuidar diretamente desse tipo de crime. Desde 2007, já foram contabilizadas 92 vítimas. Em homenagem a elas, a organização criou um memorial para relembrar esses nomes e também os de policiais mortos, mas Lucas enfatiza a importância de mudanças efetivas.
— Não há um amplo debate público, e os casos vão aumentando ano a ano. A sociedade lamenta, chora, fica comovida, mas não faz nada para mudar isso — afirma.
Relembre a história das seis crianças:
Kevin Lucas dos Santos, 6 anos
Kevin ajudava seus vizinhos durante uma mudança, em Queimados, na Baixada Fluminense, quando foi atingido por um tiro no tórax no dia 6 de janeiro de 2022. Moradores relataram que os disparos foram feitos durante um confronto entre policiais e criminosos que estavam próximos ao local. O menino, de 6 anos, foi encaminhado a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, mas não resistiu.
— Ele tinha todo o direito de viver. Não teve confronto. Meu neto era muito querido. Ali tem gente trabalhadora. Muita gente pensa que morro só tem bandido. Não é. Tem trabalhador, inocente, criança inocente —afirmou Vanderleia Aparecida de Oliveira, avó de Kevin Lucas.
Karina Sobral de Souza, 9 anos
Acompanhada dos pais e cercada de conhecidos, Karina foi baleada no pescoço enquanto brincava no bairro de Volta Fria, em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio, no dia 1º de maio de 2022. Após um desentendimento, Mattheus dos Santos Machado, conhecido como “Coroa”, de 20 anos, efetuou os disparos, que acertaram a menina de 9 anos.
Três dias depois, Mattheus foi preso. Ele também era investigado por envolvimento com o tráfico de drogas no Morro da Glória l, parte de Angra. Felype Ribeiro, que transportava o traficante em sua moto quando Karina foi atingida, também foi preso.
Esther Vitória de Melo Pires, 5 anos
Esther estava com parentes, voltando para casa, na comunidade do Carvão, em Itaguaí, no momento em que um disparo foi feito em sua direção e acertou sua cabeça. Aquela manhã de 20 de julho de 2022 mudou a vida de sua família para sempre.
Ela foi internada Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, na Zona Oeste, mas não resistiu. Segundo a polícia, o autor do crime, Caio Cezar Barbosa, de 23 anos, confessou ter efetuado os disparos para tentar atingir um traficante rival, porém, errou a mira e acertou a menina.
Lorenzo Dias Palinhas, de 14 anos
Lorenzo realizava uma entrega da hamburgueria em que trabalhava no Complexo do Chapadão, na Zona Norte do Rio, quando foi baleado na cabeça. Segundo relatos de parentes, o jovem teria sido abordado, revistado e, após a liberação, foi morto por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que estavam no local durante uma operação.
— Policial mandou ele voltar, abordou ele e revistou. Aí, quando ele saiu, foi alvejado. Levou um tiro na cabeça. Minha filha trabalha ali perto, viu meu neto no chão. Na mão, ele ainda tinha uma nota de R$ 10, o troco da entrega — relatou o avô do menino, Fernando Palhinhas, durante o reconhecimento do corpo no Instituto Médico Legal (IML).
A mãe de Lorenzo, Celline Palhinhas, disse que diversas testemunhas viram o acontecido. À época, ela enfatizou que seu filho nunca teve envolvimento com o tráfico de drogas da região.
— Ele fazia entrega já tinha alguns meses. Trabalhava para ajudar a mãe, ajudar em casa. E ele tinha um sonho de ter uma moto, queria guardar dinheiro para um dia comprar. Interromperam o sonho do meu neto. Acabaram com o sonho dele, porque quem é de comunidade não pode sonhar. Quem mora em comunidade não pode sonhar por quê? — questionou.
Juan Davi de Souza Faria, 11 anos
Era Réveillon, a família de Juan comemorava a entrada de 2023 em uma festa com música e alegria, em Mesquita, na Baixada Fluminense. O menino, de 11 anos, assistia, segundo seus parentes, a queima de fogos no quintal de casa quando foi atingido por um disparo na cabeça.
Ele foi levado até o UPA de Edson Passos, porém, não resistiu aos ferimentos e morreu.
— Foi tudo muito rápido. Às 23h59 estávamos na sala, foi o tempo de ligarmos a televisão e virou o ano. Então, fomos para a varanda ver os fogos. O barulho alto foi lá pela 0h05. Juan caiu da cadeira logo em seguida, já com sangue. Não entendemos nada, não imaginávamos que pudesse ser tiro. Pensamos, no começo, que ele tinha só caído e batido a cabeça — disse um primo do menino.
Rafaelly da Rocha Vieira, 10 anos
Na noite desta quarta-feira, Rafaelly da Rocha Vieira, de 10 anos, brincava com outras crianças na porta de sua casa, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Após homens encapuzados passarem atirando na esquina próxima à Rua Doutor Monteiro de Barros com Avenida Getúlio de Moura, a menina foi atingida por um dos disparos.
— Ela estava no portão da casa dela brincando com uma amiguinha. Uma sobrinha minha disse que ela correu assustada com os tiros. Se tivesse ficado atrás do carro, teria sobrevivido — lamentou a madrinha de Rafaelly, Elza Alaíde, ao GLOBO.
Rafaelly chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Segundo a família, ela completou dez anos no último dia 20 e, neste sábado, iria comemorar com uma festa de aniversário.
Fonte: Fonte: Jornal Extra