promotora rebate alegação que estado vive guerra


Durante o julgamento dos 12 militares acusados da morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, a promotora Najila Nassif rebateu a afirmação de que o Estado do Rio vive uma guerra e que as mortes do artista e do catador de material reciclável Luciano Macedo poderiam ser um “dano colateral” pelo enfrentamento a criminosos que estavam roubando o primeiro veículo.

Morte de músico: viúva diz que militares reagiram a pedido de socorro com deboche

— Há a alegação de que estamos numa guerra no Rio. Mas há parâmetros para isso, e não é o caso do Rio. Vivemos uma doença tão grave, mas tem outro nome, e o remédio não é militar. Não vivemos em uma guerra com mocinho de um lado, bandido no outro, e há danos colaterais. Não é militar a resposta para o problema de segurança pública do Rio. Quem busca para o debate que estamos em uma guerra quer trazer para tentar justificar eventuais usos abusivos da força, com dano colateral e mortes de civil. Não temos o grau de intensidade e organização dos números criminosos, como definem as leis internacionais. Até na guerra isso aqui seria criminoso — afirmou Najila.

A promotora Najila Nassif também afirmou que a versão de que Luciano era um assaltante e que sua esposa escondeu as armas é fantasiosa:

— Uma arma imaginária. Uma versão que afronta a dignidade dos dois indivíduos mortos. É como matá-los moralmente uma segunda vez — criticou.

Na pausa para almoço, a viúva de Evaldo, Luciana Nogueira, comentou o pedido de absolvição de quatro dos acusados e diz esperar que a Justiça seja feita:

— Só posso falar que estou aliviada com o martelo batido. Mas não podemos culpar uns pelo erro de outros — disse ela.

Nos três pedidos de condenação, o MP pediu uma pena maior ao tenente que comandava o grupamento.

Defesa diz que acusações não se sustentam

A defesa segue duas principais linhas: a primeira é que faz parte do julgamento não apenas os réus, mas a instituição do Exército Brasileiro. A outra estratégia é tentar provar que os militares agiram em legítima defesa. Para isso, afirmam que os militares possuem um histórico ilibado de ação, tendo eles participado de mais de 100 operações durante a Intervenção Federal no Rio. O advogado Paulo Henrique Pinto Mello chegou a dizer que a acusação utilizar a frase “Calma amor, é o quartel”, dita por Luciana a seu marido, era uma cortina de fumaça.

— As acusações não se sustentam porque omitem fatos. Ao contrário do que eles disseram, se condenarem esses militares, os senhores vão estar chancelando a condenação da própria Força. Não buscamos um simples absolvição, mas vamos mostrar que esses militares agiram dentro dos limites da legalidade. Quando muito, se entenderem que houve excesso, de forma culposa.

O advogado ainda comparou o caso do jovem preso injustamente após ser confundido com o filho de um traficante com alguns dos réus, que ficaram 47 dias presos:

— Estamos aqui em busca de Justiça. O que vimos pela imprensa é uma execração pública. Hoje pela manhã, falava-se em execução e omissão de socorro. E ao longo do processo é importante a crítica de como se encaram os fatos. O que aconteceu aqui foi uma denúncia afobada. Denunciaram 12 pessoas por cinco crimes, quatro passaram 47 dias na cadeira. Hoje está acontecendo uma comoção e vão soltar um rapaz em Macaé preso injustamente. Quem vai devolver esses dias para eles? — indagou Paulo Henrique Pinto Mello.

Outra estratégia da defesa é lembrar outros episódios de violência contra militares na região e que pela manhã, homens do Exército também foram atacados na mesma região, onde horas depois ocorreu o episódio. Após a exibição de um depoimento em que um cabo relata ter sido rendido na região com sua equipe por 20 traficantes armados, o advogado de defesa voltou a citar os problemas de segurança daquela região de Guadalupe.
— O que esse cabo mostrou foi a audácia daquela favela, de que lá se transita com pistolas, fuzis e que tem exatamente o mesmo poder e fogo e as mesmas armas que o EB. Não há o que se falar aqui que os militares estariam transitando, exibindo e utilizando armamento de grande poder destrutivo. Como é triste ouvir de um militar que para chegar na área que tira serviço, só pode fazer embarcado dentro de uma viatura blindada. O dia 7 de abril de 2019 foi um dia perfeito para o tráfico. Até o dia 7 houve uma baixa muito grande no tráfico, e após o ocorrido e a prisão desses militares, a operação acabou e o tráfico venceu. Venceu até aqui e essas pessoas que estão aqui não são vítimas dos militares e sim do tráfico de drogas. — disse.

A defesa mostrou um trecho de poucos segundos do depoimento da viúva de Evaldo, onde ela diz que não checou os sinais vitais de Evaldo. A exibição causou revolta de Luciana e sua família e a juíza responsável pela sessão teve que pedir para que a palavra do advogado fosse mantida. A linha que segue a defesa é que a bala que atingiu o músico é fruto de um tiroteio entre a guarnição e criminosos no assalto um pouco antes do episódio dos 82 tiros.

— Ela sendo enfermeira não checou os sinais vitais. Um dos tiros do primeiro momento atinge Evaldo e ele cai sem os sentidos. Se Evaldo falece fruto do tiro “bala perdida” não se pode falar em intenção já que os militares estavam a 250 metros e antes de uma curva. O MP não trouxe uma prova de que o tiro que pega no carro tem origem dos militares — disse o advogado.

Também foi apresentado o depoimento de uma testemunha de que ouviu tiros vindos da favela em direção ao militares. Identificada apenas como Jéssica, a testemunha ainda comenta que Evaldo era conhecido na comunidade por organizar eventos musicais.

— É muito comum que pessoas da comunidade dizerem que “aquela é minha área e não acontece nada”. E pelo excesso de segurança não perceber a barreira de contenção do tráfico e esse tráfico ter tirado a vida de seu Evaldo.

Outro vídeo de uma testemunha que relata ter escutado um tiro isolado antes da chegada do Exercito, próximo ao carro de Evaldo, foi mostrado pela defesa para sustentar a tese de que o catador Luciano atirou contra a guarnição que se aproximava.

— Mais uma testemunha de acusação diz que o carro do seu Evaldo parando ouve um tiro isolado — argumentou Mello.

A defesa também exibiu o depoimento de Sérgio, sogro de Edvaldo, e que estava no carro junto com a família. No trecho ele conta o momento que parou o carro, pois estava no banco do carona e o músico, já baleado, caiu em seu ombro “desacordado ou morto”. Sergio também foi alvo de tiros, mas as balas pegaram de raspão. Os trechos, para a defesa, reforçam a tese que Evaldo morre já no primeiro tiro.

— Essa informação é deveras importante. O tiro que mata Evaldo se adveio do primeiro fato, é acidental. E acidental não pode sofrer consequências criminais. Na esfera civil sim — defende Mello.

Também foi mostrado um vídeo da viúva de Luciano afirmando que ela e o marido já tiveram passagens pela polícia por tráfico. O envolvimento pregresso de ambos, sustenta a defesa, é uma das provas que apontam que o catador estava armado e disparou contra os militares.

— O crime em relação a Evaldo é impossível, porque a ninguém nessa vida é dado o direito de morrer pela segunda vez. Não importa se foi um, oito ou nove. Esse crime, pelo segundo fato em relação a seu Evaldo é impossível — diz Mello.

Viúva passa mal

Luciana Nogueira, viúva do músico, passou mal com a entrada dos militares acusados da morte de seu marido na sala do julgamento, que ocorre nesta quarta-feira. Durante a leitura da denúncia, Luciana foi socorrida pela equipe médica. Ela, parentes e amigos do artista ficaram muito emocionados em outros momentos da sessão. Um deles foi na exibição de um vídeo da hora em que foram efetuados os 82 disparos contra a família e o catador de material reciclável Luciano Macedo.

Em depoimento gravado em outra sessão do julgamento e exibido nesta quarta-feira, Luciana lembrou que, ao ouvir os tiros, chegou a pedir calma a Evaldo, pois estavam próximos ao quartel.

“Calma, amor, é o quartel. Saí pedindo socorro, as pessoas vieram ajudar, mas eles vieram atrás e os tiram continuaram. Meu filho estava atrás do pai e a Michele atrás do carona. No momento dos tiros, nós três saímos pedindo ajuda para salvar meu marido. Meu filho gritava pelo nome do pai. Eles continuavam atirando”, disse, no depoimento gravado.

MP divide denúncia

O Ministério Público dividiu a denúncia em dois momentos. O primeiro é quando os militares trocaram tiros com criminosos que roubavam um carro a 250 metros de onde Evaldo foi atingido pela primeira vez. Por não conseguir provar a quantidade de disparos efetuados neste primeiro momento, o MP pediu a absolvição dos réus por excesso de legítima defesa.

O segundo momento da denúncia narra o momento em que o veículo do Exército foi em direção ao carro da família de Evaldo, que já estava baleado, e efetuou mais 82 disparos. Destes, 62 atingiram o veículo e outros 20 foram na direção de do catador Luciano Macedo, que tentava socorrer Evaldo e seu sogro Sérgio, que permaneciam no veículo. Evaldo morreu no local após ser alvejado com nove tiros de fuzil. Já Luciano morreu no hospital 11 dias depois da ação.

‘Espero uma justiça digna’

Dois anos e meio depois da morte de seu marido, Luciana ainda tem vivos na memória os acontecimentos daquele 6 de abril de 2019. Nesta quarta-feira, após três adiamentos, começa o julgamento dos 12 militares envolvidos na ação que resultou também na morte do catador de latinhas Luciano Macedo na Estrada do Camboatá, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio.

— É uma mistura de sentimentos. Não tenho conseguido dormir e terei até que me controlar para não passar mal. A minha família e todo o Brasil esperam uma Justiça digna e que meu esposo não seja mais um nessa estatística. Espero que paguem pelo que fizeram. Eles destruíram uma família e deixaram um filho sem pai — desabafa Luciana antes do julgamento.

Luciana Nogueira, viúva de músico morto por militares:
Luciana Nogueira, viúva de músico morto por militares: “Eles destruíram uma família e deixaram um filho sem pai” Foto: Felipe Grinberg / Agência O Globo

A viúva fala com emoção de como o filho do casal fala do pai. O pequeno Davi até iria acompanhar o julgamento, mas ontem começou a passar mal:

— Quase todos os dias ele diz pra mim: “Mamãe, eles me tiraram a chance de ter um pai velhinho”. São dois anos de muita tristezas e lembranças — conta Luciana.

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Ela lembra que, em nenhum momento os militares, que também respondem por omissão de socorro, tentaram ajudar:

— Um deles tinha um ar de deboche, dizia que era autoridade e que a gente tinha atirado. É muito dificil estar de frente com eles novamente. É um medo da impunidade,



Fonte: Fonte: Jornal Extra