Polícia faz ação e investiga ‘fura-fila’ na vacinação contra Covid de filhos de diretora de OS que gere o Hospital Azevedo Lima


A Polícia Civil do Rio investiga se dois diretores da Organização Social (OS) Instituto Sócrates Guanaes, que são casados, e hoje dizem estar separados, estão envolvidos num esquema de “fura-fila” na vacinação contra Covid-19 envolvendo seus dois filhos — e enteados, do coordenador —, de 16 e 20 anos, no Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói, que é gerido pela associação. Nesta segunda-feira, agentes da Delegacia de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (DCC-LD) estiveram num endereço ligado à mulher e apreenderam as carteiras de vacinação dos jovens, que comprovaram que ambos tomaram a primeira dose do imunizante. Os policiais também foram até a unidade de saúde, onde apreenderam listas com nomes de vacinados e já agendados para a vacinação.

A investigação se baseia em denúncias feitas pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio (Coren/RJ). De acordo com o delegado Thales Nogueira Braga, titular da DDC-LD, que acompanhou a ação nesta manhã, muitas inconsistências foram encontradas nestas anotações apreendidas no Azevedo Lima.

— Chegando no local, junto com o pessoal da Coren, percebemos que as listas dos vacinados estavam muito inconsistentes. Vários espaços em branco, rasuras, pessoas com idade incompatível, como o rapaz de 16 anos, colocados como acadêmicos de medicina. Então, solicitamos no Plantão Judiciário a busca e apreensão dessas listas, exatamente no estado em que se encontravam, para não ter qualquer tipo de alteração ou ocultação. E também fizemos busca e apreensão na casa desses dois jovens, de 16 e 20 anos — afirmou.

Os dois jovens vivem juntos, na casa da mãe, diretora de um setor na OS. Foi nesta casa, no bairro de Icaraí, que as carteirinhas foram encontradas. O padrastro dos dois também é diretor, e ocupa um cargo de coordenação técnica, responsável justamente pela elaboração das listas dos vacinados. De acordo com os investigadores, os dois funcionários da Organização Social, hoje, afirmam estar separados. O rapaz, de 16 anos, sequer terminou a escola. A jovem, cursa os primeiros períodos de medicina. Os dois entraram no radar do Coren/RJ após terem aparecido numa foto, nas redes sociais, na fila de vacinação do próprio Hospital Estadual Azevedo Lima.

— Essa busca e apreensão (na casa da diretora, onde os jovens vivem) irá mostrar se há envolvimento ou não do outro diretor, padastro dessas duas pessoas, em alguma parte da lista. Por enquanto, só a investigação mais minuciosa, olhando nome por nome, para saber se há algum envolvimento dele — disse o delegado, que disse que os jovens ainda não se manifestaram — Eles não alegaram nada nesse momento. Foram intimados a comparecer ao longo dessa semana, para que prestem declarações e expliquem o motivo pelo qual tomaram essas doses.

Polícia faz ação e investiga ‘fura-fila’ na vacinação contra Covid de filhos de diretora de OS que gere o Hospital Azevedo Lima
Momento em que policiais civis foram à residência de diretora da OS, em Icaraí: carteira de vacinação comprovou que filhos foram imunizados Foto: Reprodução

Neste primeiro momento, a OS não é alvo das investigações, e sim os dois funcionários. De acordo com a polícia, no Hospital Estadual Azevedo Lima, as buscas foram feitas nesta manhã na sala da diretoria da unidade, no setor de Recursos Humanos, arquivo e administração de enfermagem, onde foram coletadas as listas que serão confrontadas com o quadro de funcionários e estagiários.

— Há diversas outras inconsistências na lista, inclusive uma quantidade muito grande de acadêmicos de medicina, que será confrontada com a lista de efetivos acadêmicos daquela unidade. Se for encontrada alguma irregularidade, as investigações serão desmembradas para essas demais pessoas. Com a apreensão dessas listas, com certeza outras denúncias vão surgir e agora fica mais fácil encontrar inconsistências, pessoas infiltradas ali, como acadêmicos ou outras áreas.

Caderneta de vacinação provou que jovens de 16 e 20 anos tomaram primeira dose da CoronaVac contra Covid-19 no dia 28 de janeiro
Caderneta de vacinação provou que jovens de 16 e 20 anos tomaram primeira dose da CoronaVac contra Covid-19 no dia 28 de janeiro Foto: Reprodução

De acordo com a polícia, caso seja comprovada a fraude, os investigados podem ser enquadrados no crime de infração de medida sanitária, que prevê pena de um ano. Se comprovado o envolvimento de agente públcio, tendo ele desviado a vacina, esse profissional pode ser enquadrado no crime de peculato, que prevê pena bem maior, de até 12 anos. Se for comprovado caso de pagamento de propina no esquema, os envolvidos podem responder por corrupção ativa e passiva, que também preveem penas de até 12 anos.

Por fim, o delegado revelou ainda que há outras investigações em curso em outras unidades de saúde do Rio, também baseadas em denúncias feitas pelo Coren. Todas em início de apuração.

Ao GLOBO, a procuradora-geral do Coren/RJ, contou que o órgão tem recebido uma série de denúncias sobre irregularidades na vacinação. Ela ressalta que não há indícios da participação de enfermeiros neste suposto esquema do Azevedo Lima, e revela que, nos documentos analisados, eram muitas as inconsistências.

— Nós recebemos a denúncia, um relato bem claro, de uma possível irregularidade, de que esses jovens tinham tomado a CoronaVac no dia 28 (de janeiro). Um deles, inclusive, de 16 anos, idade que nem é adequada neste momento para a vacinação — contou. — Nós solicitamos a listagem dos vacinados ao hospital e, inicialmente encontramos resistência, restrição a esses dados. Eles alegavam que não tinham a chave da sala, que não tinham acesso etc. Quando conseguimos acessar esses documentos, notamos que existiam nomes em duplicidade, registros sem assinatura, os números de doses aplicadas e registradas não batiam.

Diretores afastados

Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informou que está colaborando com as investigações da Polícia Civil para que todos os fatos sejam apurados de forma rigorosa e transparente. A SES acrescentou que não compactua com atitudes como esta e, embora seja uma ação isolada, está reforçando entre suas equipes o irrestrito cumprimento de Notas Técnicas já publicadas pela Subsecretaria de Vigilância em Saúde (SVS).

A SES afirmou ainda que o diretor técnico e a coordenadora de desospitalização do Hospital Estadual Azevedo Lima são funcionários da Organização Social Instituto Sócrates Guanaes (ISG). Eles foram afastados de suas atividades para ampla investigação interna da denúncia. “A Secretaria reforça que preza pela transparência e correção nas ações de saúde pública. Todas as irregularidades apuradas serão encaminhadas à Polícia Civil e aos órgãos de controle”, concluiu.

Já a OS disse, também em nota, que se surpreendeu com as denúncias referentes aos diretores da unidade:

“O Instituto Sócrates Guanaes (ISG) atualmente é gestor de nove unidades assistenciais no Brasil, nos estados de Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro. Todas as unidades receberam doses da vacina para imunização dos colaboradores, seguindo à risca as determinações do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais. Fomos surpreendidos pelas denúncias referentes ao Hospital Estadual Azevedo Lima relativas à iniciativa isolada dos diretores desta unidade. O diretor e a coordenadora de desospitalização envolvidos no caso foram afastados para ampla investigação interna da denúncia nos termos do Código de Conduta Ética e Política de conformidade do ISG. A entidade não compactua e não admite nenhum desvio de conduta de seus colaboradores e todas as medidas serão tomadas para apuração dos fatos e punição dos envolvidos. O Instituto está à disposição de todos os órgãos competentes para qualquer esclarecimento necessário”.



Fonte: Fonte: Jornal Extra