Polícia Civil quis transferir para fora do Rio traficante suspeito de ser alvo de resgate por helicóptero, mas desistiu


Há pouco mais de um ano, a Polícia Civil do Rio sinalizou à Vara de Execuções Penais (VEP) o desejo de transferir para uma penitenciária federal o traficante Márcio Gomes de Medeiros Roque, o Marcinho do Turano. Preso no Complexo de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, ele é apontado como o alvo de uma tentativa de resgate realizada por comparsas que sequestraram um helicóptero no último domingo. Cerca de dois meses após a solicitação, contudo, a corporação desistiu da medida. Entre o primeiro pedido e o recuo, a chefia da Polícia Civil trocou de mãos: saiu o delegado Flávio Brito, entrou o delegado Allan Turnowski, que permanece no posto até hoje.

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No dia 5 de setembro de 2020, o juiz Rafael Estrela Nóbrega, titular da VEP, respondeu ao despacho da Polícia Civil sobre a transferência de Marcinho cobrando mais embasamento para que a medida fosse autorizada. “O requerimento da Secretaria de Estado de Polícia Civil solicitando a inclusão do apenado em unidade federal está alicerçado exclusivamente em ‘conhecimentos de inteligência'”, pontuou o juiz na ocasião, antes de acrescentar que o pedido deveria “vir instruído com um mínimo de elementos que indiquem ao magistrado de que forma se chegou aos ‘conhecimentos de inteligência’, tendo em vista a excepcionalidade da medida de inclusão de preso em unidade federal”.

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Estrela continua: “É preciso demonstrar que o requerimento não está baseado apenas em matérias jornalísticas e dados arquivados relativos a vida pregressa do preso, mas também num mínimo de possibilidade de participação em atos atuais que ponham em risco a segurança pública”. Em seguida, o magistrado cita que, embora a Polícia Civil afirmasse que Márcio e outros presos que também tiveram a transferência solicitada influenciaram uma tentativa de invasão ao Morro do São Carlos, na região central do Rio, “não há informação acerca de instauração de inquérito policial, juntada de declarações de indivíduos presos na tentativa de invasão, conexão com datas de visitação de familiares ou advogados nas unidades prisionais”.

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Ao fim da decisão, o juiz titular da VEP dá um prazo de dez dias para que a Polícia Civil apresente “elementos mínimos que possam fundamentar eventual decisão de transferência deste juízo”. Em 16 de outubro, já com a mudança na chefia da corporação sacramentada — Turnowski substituiu Flávio Brito em 14 de setembro, depois de apenas três meses do antecessor no cargo —, Estrela volta a cobrar um posicionamento: “Renove-se a vista ao senhor secretário de Estado de Polícia Civil para que no prazo de dez dias, caso seja do seu entendimento, se manifeste sobre eventual ratificação do que foi anteriormente requerido pelo antigo senhor secretário”. Três semanas mais tarde, em 9 de novembro, após recuo por parte de Turnowski, o magistrado torna “sem efeito o pleito” a respeito da ida de Marcinho para uma unidade federal.

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Nesta terça-feira, passados dois dias da tentativa frustrada de fuga de helicóptero, o traficante foi enfim transferido, mas dentro do próprio Complexo Penitenciário de Gericinó. Por decisão da Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap), ele deixou o Instituto Penal Vicente Piragibe e foi levado para Bangu 1, uma unidade de segurança máxima.

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Por nota, a Seap informou que identificou o bandido como alvo da tentativa de resgate a partir do trabalho da Superintendência de Inteligência e da Corregedoria. Segundo a pasta, as câmeras de monitoramento “perceberam uma movimentação atípica do interno no momento da ocorrência” — na segunda-feira, porém, a secretaria havia afirmado que não houve qualquer movimentação suspeita na cadeia. Márcio permanecerá em Bangu 1 “até a conclusão das investigações”.

O piloto e policial civil Adonis Lopes chega à Draco para prestr depoimento
O piloto e policial civil Adonis Lopes chega à Draco para prestr depoimento Foto: Fabiano Rocha

Classificado como um detento de altíssima periculosidade, com perfil violento, Marcinho cumpre uma pena total de 64 anos, 2 meses e dez dias de reclusão pela prática, entre outros crimes, de roubos, extorsão e tráfico de drogas. Responsável pela venda de drogas em várias comunidades do Rio, como o Morro do Turano, o Morro da Mineira e o Morro da Paula Ramos, ele é apontado como um dos cabeças da maior facção criminosa do estado, ocupando uma comissão de 13 homens à frente da organização. Uma de suas funções é a de cuidar do dinheiro destinado às despesas dos presos.

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Detido pela primeira vez em 1993, o traficante acumula condenações desde 1994. Entre 2010 e 2015, ele teve uma passagem pelo sistema penitenciário federal, em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Em 2016, a Justiça afastou novamente Marcinho do Turano do Rio, o enviando de volta para uma unidade federal junto a outros 14 detentos. A decisão foi tomada após o traficante e mais outros homens da cúpula da facção fazerem uma festa dentro do Complexo de Gericinó ao serem avisados, por mensagem de WhatsApp, do resgate do bandido Nicolas Labre Pereira de Jesus, mais conhecido como Fat Family, de dentro do Hospital Souza Aguiar.

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No último domingo, o piloto particular de helicóptero e policial civil Adônis Lopes foi a vítima do sequestro. Dois homens teriam contratado um passeio para sobrevoar a Praia dos Ossos, em Angra dos Reis, na Costa Verde do estado. Na volta, os passageiros ameaçaram o piloto com uma arma e pediram que ele se dirigisse ao ”complexo”, numa referência ao Complexo Penitenciário de Bangu. Por um código, o piloto conseguiu avisar autoridades da aviação de que estava ocorrendo uma “interferência indevida” a bordo.

O piloto ainda tentou argumentar com os bandidos que se ele pousasse no complexo penitenciário a aeronave poderia ser abatida. Seguiu-se uma discussão, quando o comandante da aeronave simulou uma pane e tentou aterrissar no 14º BPM (Bangu). Todos entraram em luta corporal. Imagens do helicóptero aparentemente descontrolado circularam nas redes sociais. No meio da briga, eles chegaram a um acordo. Os bandidos pediram para serem deixados em Niterói, de onde se jogaram em um matagal com a aeronave ainda em movimento. O caso está sendo registrado pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco).



Fonte: Fonte: Jornal Extra