Operação policial mira esquema na Zona Norte do Rio que usou cooperativa de reciclagem para lavar mais de R$ 50 milhões


Policiais da 17ª DP (São Cristóvão) fazem desde o início da manhã desta quarta-feira uma operação contra um esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas usando uma cooperativa de reciclagem de resíduos. Segundo as investigações, traficantes do Complexo do Caju, na Zona Norte do Rio, usaram a cooperativa de recicladores ambientais Transformando e seus dirigentes para movimentar, entre 2018 e 2021, mais de R$ 50 milhões. Até agora, três pessoas foram presas.

De acordo com a polícia, apenas na Transformando, que tem sede dentro da favela do Caju, os traficantes lavaram R$ 18 milhões. O restante dos valores passou pelas contas de Francisca Erica Abreu Carlos, presidente da cooperativa, Valdir Marques da Silva Filho, tesoureiro da Transformando e um dos presos na operação, e Paulo Sérgio da Silva, que não tem vínculo com a cooperativa. Apenas a conta pessoal deste último movimentou, no período investigado, mais de R$ 4 milhões.

A presidente da associação foi conduzida para a delegacia porque os agentes encontraram vários documentos suspeitos na sua residência. Os agentes querem que Erica explique a origem do material. Seu marido, Valdir, foi preso por porte ilegal de armas. Na sua casa, na Ilha do Governador, agentes encontraram um revólver calibre 38 e R$ 60 mil em espécie. Investigadores descobriram que Valdir comprou o imóvel, há cerca de três meses, por R$ 800 mil, pagos em dinheiro. Ele vai responder porte de arma adulterada. Na saída de casa, Erica disse que a polícia “estava inventando tudo aquilo” e negou que tenha envolvimento com o tráfico de drogas. Agentes apreenderam dois carros — um Sportage e um Amarok — e uma motocicleta Suzuki B-King.

Já no Caju foi preso Victor Madalena de Lima, 18, um segurança do tráfico. Com o rapaz foi encontrada uma carga de drogas. Dentro da cooperativa, foi detida e conduzida para a delegacia Gleice Kelly Pereira. Secretaria da cooperativa, ela era responsável pelos serviços bancários e movimentou milhões de reais.

Troca de lixo por comida seria ‘fachada’

Francisca Erica nasceu na comunidade da Vila do João, no Complexo da Maré. A administradora de empresas diz que começou a trabalhar aos 22 como catadora de lixo. Hoje, ela comanda 132 trabalhadores. Junto a outros catadores, Francisca Erica fundou, em 2007, a cooperativa Transformando, da qual é presidente desde 2010. O grupo tem sede em um galpão da Comlurb, no Caju. Lá o cooperativa chega a reciclar 350 toneladas mês.

Polícia na entrada da casa de Valdir Marques da Silva Filho, preso, tesoureiro da cooperativa de recicladores ambientais Transformando
Polícia na entrada da casa de Valdir Marques da Silva Filho, preso, tesoureiro da cooperativa de recicladores ambientais Transformando Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Desde 2015, a cooperativa promove, em parceria com o Movimento Lixo Zero, a ação Troque Seu Lixo por Alimentos, beneficiando moradores da comunidade do Parque Conquista, no Caju.

A cada oito quilos de materiais coletados, um quilo de alimento é fornecido. Juntando 152 quilos de resíduos, é possível retirar uma cesta básica completa. Mas, para os investigadores, tudo não passa de uma fachada.

Segundo o delegado Márcio Esteves de Jesus, titular da 17ª DP (São Cristóvão), “documentos serão analisados para a segunda fase da investigação”. No entanto, o delegadol diz que “existem elementos de envolvimento (dos envolvidos nesta ação) com o tráfico de drogas”.

— Vamos analisar (os documentos) na segunda fase e vamos provar o envolvimento dos investigados com o tráfico de drogas para a lavagem do dinheiro do bando. Nessa primeira fase pegamos elementos que dão indícios do envolvimento. Já na primeira fase ficou constatado que eles tem envolvimento com o tráfico de drogas no sentido de receber dinheiro. Um dos investigados sacava por semana R$ 50 mil em espécie — disse Esteves.

As investigações apontam que o grupo não tinha patrimônio compatível para movimentar milhões nos últimos anos. Segundo a polícia, os valores — antes de chegar nas mãos dos criminosos — passavam por contas de outras empresas.

— O dinheiro passou na conta de várias empresas, ativas e inativas, e depois passavam para a conta da Erica. Em seguida eles sacavam esse dinheiro. Toda semana eles retiraram esses valores. Queremos entender agora para quem iria esse dinheiro. Dentro da casa (na Ilha) foi apreendido dinheiro — explicou o delegado. — A Erica movimentou R$ 50 milhões. O Valdir R$ 25 milhões. A Erica declara R$ 2 mil por mês. Isso é impressionante — acrescentou.

— Queremos entender como essas pessoas, que não têm condições financeiras (eles teriam um patrimônio incompatível com o que recebem), movimentaram tanto dinheiro. Pedimos a quebra do sigilo bancário de todos os envolvidos. Além disso, o juiz da 14ª Vara Criminal bloqueou todas as contas e ainda vamos receber os valores que estão nessa conta para saber a origem do dinheiro. Inclusive, de empresas que são de fachada. Constamos que uma empresa, que não existe, movimentou R$ 25 milhões de Francisca Erica para a conta dela e vice e versa — destacou o delegado.

Indagado se todas as empresas dentro da comunidade estão envolvidas com a lavagem de dinheiro e qual é a participação de funcionários da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) no esquema, o delegado disse que apenas a Transformar participava da lavagem.

— (Nem) Todas as empresas que estão lá fazem parte do esquema de lavagem que a gente está apurando. Na verdade, elas são vítimas por estarem em um local conflagrado, dominado pelo tráfico de drogas. Então, eles são vítimas e não há participação da Comlurb ou de outra empresa da comunidade.

Beneficiário do auxílio emergencial

Valdir, que além de tesoureiro da cooperativa é companheiro de Francisca Erica, foi beneficiário do auxílio emergencial do governo federal, o que ele negou na delegacia. Apesar disso, movimentou em sua conta pessoal, no período de 2019 a 2021, R$ 4.579.401. Segundo a polícia, Valdir foi preso em 2017 por receptação dentro da própria cooperativa.

Francisca Erica, segundo os investigadores da 17ª DP, tem rendimentos declarados no Imposto de Renda de R$ 2.826.No entanto, sua conta no Banco Brasil movimentou R$ 18.463.370 entre 15 de agosto de 2018 a 15 de maio de 2020. Entre maio e outubro de 2020, mais R$ 5.987.299 circularam por sua conta corrente, totalizando uma movimentação no período de 2018 a 2020 de R$ 24.450.669.

Paulo Sérgio, conhecido como Baixinho, realizou 20 saques na conta da cooperativa apenas entrre junho de 2020 e fevereiro de 2021, totalizando R$ 1.488.000. Além disso, de acordo com a polícia, ele movimentou em sua conta pessoal, entre agosto de 2019 e setembro de 2020, R$ 3.695.693. Paulo Sérgio, que não tem anotação criminal e trabalha como motoboy, é responsável por transportar os valores sacados em espécie.

Durante as investigações, foram identificados vários repasses de dinheiro a parentes de chefes da facção que atua tanto no Complexo do Caju como no Complexo da Maré. Uma das filhas de Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá ou Coroa — um dos maiores traficantes de drogas do estado do Rio de Janeiro, ele atualmente cumpre pena na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Outro repasse foi para a companheira de Cicero Fernandes Bezerra da Silva, o Lobo, foragido do sistema prisional. Ele estaria escondido no Complexo do Caju.

As transferências bancárias de Francisca Erica beneficiaram, segundo a polícia, o traficante Paulo Cesar de Andrade Lima, o Motoca, condenado em 2020 por traficar drogas no Complexo do Caju. Ele recebeu R$ 100.000.

O tráfico de drogas do Complexo do Caju é chefiado por Luis Alberto Santos de Moura, o Bob do Caju. De acordo com a polícia, mesmo preso em Bangu IV, no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, ele continua comandando o tráfico de drogas na comunidade. Na cadeia, onde Bob foi alvo de busca e apreensão, agentes encontraram celulares e anotações de contabilidade.



Fonte: Fonte: Jornal Extra