Ministério Público ignorou indícios de que PMs mentiram sobre mortes no Fallet


Mesmo com indícios de que PMs mentiram em depoimento e omitiram terem atirado com pistolas, o Ministério Público do Rio pediu o arquivamento do inquérito que investiga as mortes de 13 pessoas no Morro do Fallet, no Centro do Rio, numa operação do Batalhão de Choque em 8 de fevereiro de 2019. Na ocasião, nove das vítimas foram mortas por policiais dentro de uma casa, e outras quatro foram baleadas pelos agentes em outros pontos da favela.

Os PMs investigados pelos homicídios afirmaram, em depoimento, que só fizeram disparos com fuzis no imóvel em que a maior parte das vítimas foi baleada. Por isso, só os fuzis usados pelos policiais militares naquele dia foram apreendidos pela Polícia Civil. No entanto, no inquérito, há indícios de que eles também podem ter usado pistolas: cartuchos de calibre .40 — usados em pistolas — marcados com lotes comprados e usados pela Polícia Militar do Rio foram apreendidos dentro da casa.

Justiça nega arquivamento e determina prosseguimento de inquérito que investiga PMs por 13 mortes no Fallet

Ao todo, 13 estojos — parte do projétil expelida no momento do disparo — adquiridos pela PM foram encontrados no imóvel. Também há, na lista de cartuchos apreendidos na casa, outros dois projéteis de lotes adquiridos pela Secretaria de Segurança, antes de ser extinta, e posteriormente remetidos à PM. A informação sobre a origem dos cartuchos está no laudo de exame de munição, que faz parte do inquérito que investiga as mortes.

Num pedido feito à Justiça para que as investigações prossigam, a Defensoria Pública, que atua como assistente de acusação no processo, alegou que a presença de estojos calibre .40 da PM na cena do crime “coloca em xeque as versões dos policiais militares, indicando fortemente que os agentes não disseram a verdade quando afirmaram que apenas empregaram os seus fuzis na ação policial”.

Na ocasião, nove das vítimas foram mortas por policiais dentro de uma casa durante a ação
Na ocasião, nove das vítimas foram mortas por policiais dentro de uma casa durante a ação Foto: Reuters

No dia da operação, PMs do Batalhão de Choque também portavam pistolas, além dos fuzis que admitiram terem usado. O livro da Reserva de Material Bélico da unidade, que faz parte da investigação, mostra que pelo menos dois dos agentes que participaram da operação portavam pistolas quando deixaram o batalhão em direção ao Fallet. No documento enviado à Justiça, a Defensoria pede que as pistolas usadas naquele dia sejam apreendidas para confronto balístico com os estojos da PM: “Imprescindível perquirir todo armamento utilizado pelos policiais, e realizar laudo de comparação balística com os estojos percutidos e deflagrados coletados no local e as pistolas portadas pelos policiais”.

No último dia 12, o juiz Carlos Gustavo Vianna Direito, da 1ª Vara Criminal, atendeu a Defensoria e negou o pedido do MP pelo arquivamento da investigação. Agora, o inquérito será encaminhado ao procurador-geral de Justiça Luciano Mattos, que pode oferecer denúncia contra os policiais ou designar outro promotor para seguir investigando o caso.

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Segundo o laudo de exame de munição, foram apreendidos na casa cartuchos dos lotes BJW14, BJW16, BJW20, BJW27, BJW48, AYB11, AYB30, AXL61, BJV67, AYE19, BCL69 e AEH55 — todos comprados pela PM. O EXTRA questionou a PM se os lotes chegaram a ser usados por policiais do Batalhão de Choque, mas não houve resposta.

Já o MP, questionado sobre a existência de estojos de pistola da PM no local do crime apesar de os policiais afirmarem não terem atirado com pistolas , alegou que “não há como imputar que os policiais não agiram amparados por excludente de ilicitude”.

‘Não houve confronto balístico’

Na decisão que negou o arquivamento da investigação, Vianna Direito cita a inexistência de um confronto balístico entre as armas dos PMs e os cartuchos apreendidos no local como um dos motivos para que o prosseguimento do inquérito. “Não há notícia de que tenha sido realizada a perícia de confronto balístico”, escreveu o magistrado.

Direito também alegou que encontrou “contradições” na investigação. Uma delas é a inclusão errada, pelo MP, dos nomes dos irmãos Maycon Vicente da Silva e David Vicente da Silva — mortos durante a mesma operação, mas num imóvel no alto da favela — entre os baleados dentro da casa onde nove homens foram mortos. O pedido de arquivamento da investigação pelos homicídios foi feito pelo promotor Alexandre Murilo Graça.

Outro inquérito que apurava a conduta dos PMs na mesma operação teve destino diferente: no último dia 10 de junho, 13 PMs do Batalhão de Choque viraram réus por removerem os cadáveres de nove das vítimas da casa onde elas foram baleadas. Os agentes respondem pelo crime de fraude processual, com pena máxima de dois anos.

Segundo a denúncia, os agentes tiraram os corpos da cena do crime com o objetivo de prejudicar a perícia: “os denunciados, deixando de preservar o local em prejuízo das investigações, removeram indevidamente todos os cadáveres”, escreveu o promotor Paulo Roberto Cunha Junior.

A denúncia chegou à Justiça dois meses depois de o promotor Alexandre Graça pedir o arquivamento do inquérito contra os mesmos PMs pelos homicídios. As duas investigações foram desmembradas com o fim do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP, no início deste ano.



Fonte: Fonte: Jornal Extra