Milícia e tráfico se unem em esquema de extorsão de camelôs a shoppings em Madureira

Um esquema de extorsões e a cobrança de taxas cobradas tanto de camelôs, quanto de estacionamentos e shoppings em Madureira, na Zona Norte do Rio, é alvo de uma operação da Polícia Civil nesta terça-feira. A exploração do negócio envolve uma espécie de parceria entre milicianos e traficantes, e conta ainda com a participação de policiais, servidores públicos e três guardas municipais. Na operação desta terça, dois foram presos em flagrante e 12 toneladas de material pirata, armas e munições apreendidas.

A Justiça expediu 46 mandados de busca e apreensão; e um mandado de prisão. Um dos alvos é um guarda municipal e servidor comissionado que foi lotado no gabinete da vereadora Vera Lins (Progressitas) na Câmara dos Vereadores, no Centro do Rio. O objetivo da busca e apreensão no gabinete da parlamentar é saber qual é a função de Vargas. Ele foi seguido por quatro meses por policiais e, neste período, nunca apareceu no Palácio Pedro Ernesto para trabalhar. A defesa da vereadora, no entanto, informou que ele foi devolvido aos quadros da prefeitura há dois anos.

O guarda foi conduzido para a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) para prestar depoimento. Ele teve os celulares apreendidos.

Na Estrada do Portela, foram encontradas duas casas repletas de materiais que, segundo os investigadores, são contrabandeados. Nas residências havia roupas, óculos escuros, capa para celular, tênis, relógios e mochilas. Os artigos eram vendidos por comerciantes ligados aos milicianos. Foi preciso chamar dois caminhões para que o material fosse levado para a Cidade da Polícia.

Na operação, foram apreendidos ainda ainda 20 fardas militares, carregadores de pistola e fuzil, oito rádios comunicadores e 13 coletes balísticos.

São cumpridos ainda mandados contra uma agente de controle urbano; um guarda municipal; e um policial militar. Há também mandados de busca e apreensão para a sede da Prefeitura do Rio, na Cidade Nova.

A ação desta terça foi batizada de Operação Brutus, em referência ao chefe da quadrilha, apelidado de Popeye.

— Eles (milícia e tráfico de drogas) estão em conluio. Hoje, milícia e tráfico em Madureira são uma coisa só. Eles extorquem ambulante legal, ilegal, shopping, supermercado e fábricas. Foram para as ruas, e quem tem comércio aqui tem que pagar algum tipo de propina, seja para a milícia ou para o tráfico — disse o delegado Mauricio Demétrio Afonso Alves, titular da DRCPIM.

Demétrio relacionou nove assassinatos nos últimos dois anos à atuação do grupo:

— Se não paga, é morte. Durante essa investigação, conseguimos identificar brigas de quadrilha, gente que não pagou propina: foram nove mortes no decorrer de dois anos. Um dos mortos era a nossa testemunha.

De acordo com a investigação, o valor da propina variava de acordo com o tamanho do estabelecimento.

— Temos notícias de supermercado pagando R$ 4 mil por semana, ou seja R$ 16 mil por mês. Estacionamento R$ 2 mil. Shoppings na área de Madureira têm que pagar R$ 15 mil por semana para esses criminosos — revelou o titular da DRCPIM.

Em nota, a Guarda Municipal informou que está à disposição da Polícia Civil para colaborar com as investigações e abrirá sindicância para apurar a denúncia envolvendo os servidores. Já a vereadora Vera Lins disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que Júlio César Torres Vargas “é um servidor concursado e de carreira da prefeitura, e que foi devolvido já faz tempo ao seu setor de origem, não fazendo mais parte do quadro do gabinete”:

“Em relação a operação realizada hoje é que tem como alvo um guarda municipal, a vereadora Vera Lins informa que ele é um servidor concursado e de carreira da prefeitura, e que foi devolvido já faz um bom tempo ao seu órgão de origem, não fazendo mais parte do quadro do gabinete.

Já sobre os adesivos encontrados, vale informar que o local é uma associação devidamente regularizada sob o CNPJ/CPF 028.307.897-92, localizada na rua CD Linhares, 426 fundos, em Oswaldo Cruz, onde são realizados cursos profissionalizantes para moradores e, como estamos em uma campanha eleitoral, pessoas solicitam material para distribuição, não tendo como saber o destino que esse material irá tomar.

Vale lembrar ainda que de acordo com o delegado que está coordenando a operação, em momento algum a vereadora é alvo de investigação”.

O advogado da vereadora, James Walker Jr, também divulgou uma nota. Ele informou que a assessoria jurídica de Vera Lins “está tomando todas as providências para apurar esse abuso perpetrado, sem justificativa, em plena campanha eleitoral”:

“Na manhã desta terça-feira (06/10/20), fomos surpreendidos com um mandado de busca e apreensão, no gabinete da vereadora, cumprido pela Polícia Civil, relativo a uma investigação da qual a mesma sequer é investigada.

Trata-se da apuração da suposta atividade de milicianos, a qual envolve o nome de um servidor concursado e de carreira da prefeitura, que já esteve lotado no gabinete da Vereadora, mas que já foi devolvido ao seu órgão de origem há quase dois anos, o que se comprova por ofício.

Causa muita estranheza essa busca, no gabinete da Vereadora, que sequer é investigada, não tendo, portanto, qualquer relação com a apuração policial, justamente dentro do período de campanha eleitoral.

Ao nosso sentir, trata-se de mais uma tentativa de interferência no processo eleitoral, especialmente por ser a Vereadora Vera Lins líder absoluta nas campanhas do Rio de Janeiro. A assessoria jurídica da Vereadora está tomando todas as providências para apurar esse abuso perpetrado, sem justificativa, em plena campanha eleitoral”.

‘Campo do poder’

Na manhã desta terça-feira os agentes estiveram no Campo do Falcon, em Madureira. Para a Polícia Civil, o espaço que pertence ao governo do estado é utilizado para reunião de milicianos e bandidos. Eles comemoraram crimes e planejam empreitadas criminosas no local. Foi encontrado material de campanha da vereadora Vera Lins no lugar.

— Isso aqui (o Campo do Falcon) é uma demonstração de poder que eles dão para a comunidade. Isso aqui é a bandeira deles — disse o delegado Maurício Demétrio.

Ele informou, ainda, que a vereadora Vera Lins não está entre os investigados:

— Temos servidores do estado e do município nessa organização criminosa. São pessoas que deveriam coibir a desordem urbana, mas estão em conluio com a quadrilha. Estamos na prefeitura para identificar os funcionários do controle urbano, quem deveria impor a ordem, mas que impuseram o crime. Além disso, cumprimos um mandado no gabinete da vereadora Vera Lins. Existe um membro da quadrilha que tem lotação formal no gabinete dela. Ela não é investigada. Durante quatro meses, nós o seguimos e esse servidor nunca apareceu lá.

O grupo é acusado de formação de quadrilha, organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro.

Movimentação de até R$ 90 mil por semana

De acordo com investigações da DRCPIM, o bando é suspeito de movimentar semanalmente de R$ 60 mil a R$ 90 mil com cobranças irregulares, como o aluguel de barracas padronizadas. O grupo também estaria por trás do assassinado de Daniel Rodrigues da Paz, o DN.

Principal testemunha da polícia, Daniel foi morto a tiros, no dia 1º de abril deste ano. O crime ocorreu na Zona Norte do Rio, 13 dias após DN prestar seu último depoimento na DRCPIM, quando ajudou a identificar integrantes da quadrilha. O assassinato foi flagrado por câmeras de segurança. As imagens mostram, inicialmente, um homem saindo do banco do carona de um carro logo após assassinar DN, que estava dirigindo o veículo.

Pouco depois, uma moto com dois homens se aproxima, e um deles dispara mais tiros contra Daniel. Vinte e três pessoas suspeitas de integrar o grupo tiveram as prisões temporárias solicitadas à Justiça, mas o pedido acabou sendo negado pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Entre os que chegaram a ter a prisão pedida está Genivaldo Pereira das Neves, o Popeye. Ex-ocupante de um cargo na Secretaria estadual de Transportes, de onde foi exonerado em outubro de 2019, ele foi apontado pela testemunha assassinada como suposto chefe do esquema de extorsão aos ambulantes.

Testemunha detalhou cobranças

Antes de morrer, Daniel detalhou ainda que as cobranças eram feitas por meio do aluguel de barracas. Para ter permissão de trabalhar nas ruas de Madureira, era necessário pagar à milícia entre R$ 150 a R$ 200, por semana, para alugar barracas com armação dourada e com lonas azuis e brancas. O material, segundo as investigações, é guardado diariamente em um depósito por milicianos.

Quem não concordasse com o valor era alvo de fiscalização de três guardas municipais e de uma agente de controle urbano. Eram abordados, segundo relatório dos pedidos de prisão, os ambulantes que usassem barracas diferentes das permitidas pelo grupo paramilitar. O esquema contaria ainda com a anuência de Edmílson Gomes Menezes, o Macaquinho, um dos chefes da milícia que atua na Praça Seca, Madureira e Vila Valqueire, e também com a do traficante Walace de Brito Trindade, o Lacoste, que controla o comércio de drogas no Complexo da Serrinha.

De acordo com as investigações da DRCPIM, ele teria autorizado a cobrança de milicianos nas ruas de Madureira. Em troca, teria recebido carta branca da milícia para explorar a realização de bailes em áreas onde milícia e o tráfico atuam em aliança.

Genivaldo Pereira das Neves já respondeu por porte ilegal de armas. Ele foi ouvido na DRCPIM. Disse ser presidente de uma associação de ambulantes e negou ser miliciano ou ter ligações com a milícia.

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Fonte: Portal G1
Fotos: divulgação