Guerras entre as maiores facções do estado deixam 14 mortos em dez dias por diferentes pontos do Grande Rio


Paulo César Baptista de Castro, o Paulinhozinho ou Paulinho do Fogueteiro Foto: Reprodução
Léo Empada é chefe do tráfico no morro do São Carlos Foto: Reprodução

Disputas sangrentas entre quadrilhas rivais vêm deixando um rastro de violência em diferentes pontos do Grande Rio desde o início do ano. Em comum, as guerras em curso na capital e em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, trazem o selo das duas maiores facções do estado e o peso de rivalidades locais históricas, em alguns casos enfrentamentos de duas décadas, assustando e, muitas vezes, vitimando moradores inocentes. A perda mais recente é a da jovem Fabíola Rodrigues de Souza, de 22 anos, morta na última quarta-feira após ser atingida por uma bala perdida no Complexo do São Carlos, na Região Central do Rio. Ao todo, pelo menos 14 pessoas perderam a vida em menos de dez dias nessas regiões.

Fabíola foi alvejada na barriga na parte alta do Morro da Mineira, dentro do Complexo do São Carlos, durante uma tentativa de invasão protagonizada por criminosos da maior facção do Rio, que já dominou a favela no passado. O bando, reforçado por aliados da Rocinha e do Complexo do Alemão, saiu da comunidade vizinha da Fallet e Fogueteiro. A venda de drogas na favela, assim como no Morro da Coroa, é chefiada por Paulo César Baptista de Castro, o Paulinhozinho ou Paulinho do Fogueteiro, responsável por um grupo conhecido como “Tropa do Joaquim”. Ele vem fazendo sucessivas tentativas de expandir sua área de domínio para o São Carlos, controlado por Leonardo Miranda da Silva, o Léo Empada. O Disque-Denúncia (21 2253-1177) oferece R$ 1 mil de recompensa por informações que levem à captura tanto de Paulinhozinho quanto de Léo Empada.

– Essa é uma região de disputa histórica, já vem desde que o São Carlos era controlado por uma terceira facção. É uma área central, perto da Lapa, e por isso importante para o escoamento varejista de drogas – analisa o delegado Marcus Amin, titular da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme).

O confronto da última quarta matou também um menor de 17 anos, que, segundo a polícia, tinha envolvimento com o tráfico. Dois dias depois, na sexta-feira, uma operação da Polícia Civil na região para tentar refrear a guerra resultou na morte de mais três suspeitos. Em agosto do ano passado, outra tentativa de incursão no São Carlos, conduzida pela mesma quadrilha, deixou três mortos, incluindo uma moradora, e gerou momentos de pânico quando bandidos em fuga chegaram a invadir uma casa e fizeram reféns.

Walace de Brito Trindade, o Lacoste
Walace de Brito Trindade, o Lacoste Foto: Reprodução

A conjuntura em três comunidades da Zona Norte é similar. Dominados por facções rivais, as mesmas das disputas já citadas, as favelas da Serrinha e do Cajueiro, em Madureira, e do Juramento, em Vicente de Carvalho, também registraram intensos tiroteios a partir do dia 7 de janeiro. Os confrontos começaram após mais uma ofensiva capitaneada pelo chefe do tráfico no Complexo da Serrinha há quase uma década, Walace de Brito Trindade, o Lacoste, que tem obsessão por tomar para si o controle do Cajueiro. As duas comunidades são separadas somente pela Avenida Edgar Romero, a via mais importante do bairro.

Na investida, Lacoste reforçou a parceria de sua facção com a milícia e associou-se ao paramilitar Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, que enviou homens que atuam no Morro do Fubá, no bairro vizinho da Cascadura. Não foi o bastante para que o grupo conseguisse se estabelecer, e o contra-ataque veio de madrugada. Para proteger o Cajueiro, traficantes da mesma facção saíram do Juramento, que fica atrás da Serrinha, e acessaram a favela por uma mata que divide as duas comunidades, dando início a um novo tiroteio. De manhã, coube ao 9º (Rocha Miranda) tentar intervir. Durante a operação do batalhão, um confronto com criminosos em fuga deixou uma criança de 7 anos ferida, além de um suspeito morto.

– Existem fatores externos que, apesar de não impedirem, restrigem a atuação das polícias nas comunidades. Nesse cenário de restrições, a polícia acaba atuando após a crise, ou quando ela está prestes a ocorrer, depois de situações como morte de inocentes, crianças atingidas por bala perdida, assassinatos de desafetos… A atuação das polícias nas comunidades não pode ser pautada por esses eventos. Ela deve ser constante, com uma rotina de operações, justamente para enfraquecer esses grupos criminosos – afirma o delegado Felipe Curi, responsável pelo Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), referindo-se a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de agosto do ano passado, que impõe regras para as ações policiais em favelas do Rio.

Cinturão do tráfico

No caso dos confrontos em Madureira, de acordo com investigadores, o que está em jogo não é somente o controle da venda de drogas em bairros da Zona Norte. Dominar as favelas próximas nas mãos do grupo rival, em menor número, permitiria a Lacoste formar uma espécie de cinturão em toda a região, facilitando a proteção do território de ofensivas dos adversários. Assim como com Paulinhozinho e Léo Empada, a prisão do bandido da Serrinha também vale uma recompensa de R$ 1 mil. Já informações sobre Macaquinho podem render R$ 5 mil, de acordo com o Portal dos Procurados.

O paramilitar Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho
O paramilitar Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho Foto: Reprodução

Embora configure uma rivalidade um pouco mais recente, a disputa entre as duas maiores facções do Rio pelo Complexo do Roseiral, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, guarda semelhanças com o cenário na região central da capital e em Madureira. Ali, existe um embate quase pessoal entre Geonário Fernandes Pereira Moreno, o Genaro, chefe do tráfico no Guaxa, também em Belford Roxo, e Cremilson Almida de Souza, o Coroa, que comandava o Roseiral até ser preso, em março do ano passado.

Meses depois, em outubro, também foi preso Elisamar Miranda Joaquim, então candidato a vereador na cidade, apontado pela polícia como sucessor de Cremilson no controle da venda de drogas no Complexo do Roseiral. Elisamar é irmão de Eliezer Miranda Joaquim, o Criam, um dos principais nomes da maior facção do estado na Baixada Fluminense, ele próprio também atrás das grades. As sucessivas prisões enfraqueceram o comando no Roseiral, abrindo uma brecha para que Genaro agisse.

A “Tropa do Genaro” partiu no dia 11 de janeiro da favela da Caixa D’água, que também já pertenceu à quadrilha rival, mas acabou tomada. O resultado dos intensos confrontos no Complexo do Roseiral, que não chegou a trocar de mãos, foram constatados na manhã seguinte, quando oito corpos com ferimentos à bala e sinais de tortura foram abandonados em dois pontos diferentes da cidade. Mais uma vez, passado o confronto, foi a vez de a PM agir, apreendendo, ao longo de várias operações do 39º BPM (Belford Roxo), nove fuzis, sete pistolas, dois revólveres e seis granadas. Além disso, o Roseiral vai receber em breve a primeira Companhia Destacada do município.

O interesse de Genaro – cuja recompensa no Disque-Denúncia é de R$ 1 mil – pelo complexo não se dá somente pelo controle de venda de drogas. Na região, boa parte do lucro vem de outras atividades criminosas, como o monopólio na comercialização de gás e água ou a imposição de taxas a motoristas de vans.

– Essas guerras nunca são só uma questão de vaidade. Existe o interesse de expandir, a vantagem econômica, e é isso que garante o apoio estrutural das facções, que enviam pessoal e recursos de outras áreas – explica o delegado Marcus Amin.

Geonário Fernandes Pereira Moreno, o Genaro
Geonário Fernandes Pereira Moreno, o Genaro Foto: Reprodução



Fonte: Fonte: Jornal Extra