Funcionário de quiosque onde congolês foi morto alegou não ter chamado a polícia por estar sem celular


As câmeras de segurança que flagraram as agressões contra Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, morto no último dia 24 em um quiosque na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, mostram que o ataque teve início às 22h25. Durante as imagens, o primeiro homem que surge no local, em uma aparente discussão com o congolês, é um funcionário do estabelecimento, que veste camisa listrada. Embora não seja tratado como suspeito pela Delegacia de Homicídios da Capital (DH), responsável pelo caso, o empregado do Quiosque Tropicália não faz, segundo a gravação, nenhuma menção no sentido de chamar a polícia ou tentar interromper o espancamento. Advogados que acompanharam o homem no depoimento prestado nesta terça-feira afirmam que o motivo para que ele não tenha acionado nenhum tipo de socorro foi o de, na noite em questão, não estar em posse do telefone celular.

No início do vídeo que registrou a sessão de violência, o funcionário do espaço chega a pegar um pedaço de madeira, enquanto o congolês parece tentar mexer em um freezer localizado dentro do quiosque. Em seguida, o próprio Moïse pega uma cadeira e a aponta para o empregado do estabelecimento, como em uma discussão. Pouco depois, outros homens se aproximam, já violentamente, e dão início ao espancamento. Nesta terça-feira, a DH identificou três dos agressores que aparecem nas imagens, que foram detidos. Contudo, por não aparecer, de fato, desferindo golpes na vítima, o funcionário em questão foi ouvido e liberado, sem ter a identidade revelada.

— O quiosque tinha naquela noite apenas um funcionário, que é o que aparece sendo perseguido pela vítima. Ele faz o plantão da noite, é um senhor de idade. A vítima, que estava próximo dali bebendo com outras pessoas, tentou pegar algumas cervejas do freezer, e o funcionário não deixa — afirmou o advogado Darlan Almeida, que também representa o dono do quiosque, explicando na sequência a aparente passividade do funcionário do local diante das agressões: — Ele estava sem o celular naquela noite. Tanto que a ligação que o proprietário recebe informando o ocorrido vem de um terceiro, e não desse empregado.

Moïse Mugenyi Kabagambe tinha 24 anos
Moïse Mugenyi Kabagambe tinha 24 anos Foto: Gabriel de Paiva sobre imagem de álbum de família / Agência O Globo

Após dez minutos de espancamento, Moïse chegou a ter pés e mãos amarrados por pelo menos três homens. Só depois de mais 20 minutos, aproximadamente, o grupo parece se dar conta da gravidade dos ferimentos, e duas pessoas aparecem no vídeo das câmeras de segurança fazendo massagem cardíaca no congolês, enquanto outras surgem ao telefone, supostamente tentando acionar o socorro. Passada cerca de uma hora do início da sessão de violência, por volta de 23h20, policiais militares passaram pelo local e encontraram socorristas do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), recém-chegados, tentando sem sucesso reanimar o rapaz.

Moïse trabalhava eventualmente prestando serviços para o Quiosque Tropicália, na altura do posto 8 da Praia da Barra, há pelo menos três anos. A relação empregatícia é baseada na informalidade: a pessoa se apresenta ao estabelecimento e passa a abordar frequentadores da praia na areia, oferecendo os produtos do espaço. A remuneração pode ser em forma de diária ou, o mais comum, de um percentual fixo sobre as vendas intermediadas. A prática é conhecida por funcionários e comerciantes como “cardapear”.

Os agressores usaram pedaços de pau para bater no congolês
Os agressores usaram pedaços de pau para bater no congolês Foto: Reprodução

Desde que o caso ganhou repercussão, a família do congolês vem assegurando que o dono do Quiosque Tropicália lhe devia dinheiro, referente a duas diárias de trabalho, no valor de R$ 200, que não teriam sido devidamente acertadas. Na noite em que foi morto, Moïse teria ido até o local para tentar resolver a situação, informação que chegou a ser confirmada ao GLOBO por outras testemunhas, mas foi negada pelos advogados do comerciante, que asseguram que não havia qualquer dívida.

Testemunhas ouvidas pelo GLOBO contam que o início do vídeo, que mostra Moïse abrindo o refrigerador do quiosque, se deu justamente em meio às cobranças do congolês relativas aos valores supostamente devidos pelo local. “Ele disse que, já que não recebeu, iria pegar o dinheiro em bebida”, relatou uma mulher, ainda não ouvida pelos investigadores, que diz ter presenciado o episódio.

Já os três suspeitos idenfiticados pela DH afirmam, de acordo com a especializada, que a briga foi causada por uma desavença, sobre a qual ainda não foram fornecidos maiores detalhes pela polícia. Embora tenham confessado o crime, eles negam tanto uma ligação com a cobrança que era feita pelo congolês quanto qualquer motivação relacionada à nacionalidade da vítima.



Fonte: Fonte: Jornal Extra