Quando acordou nesta quinta-feira, dia 4, por volta das 5h30, a cuidadora de idosos Cláudia Regina dos Santos, de 50 anos, não imaginou que fosse viver, segundo ela, a manhã mais difícil de sua vida. Logo após embarcar no trem no ramal Saracuruna em direção à estação Central do Brasil, a passageira viveu horas de terror em meio a um confronto entre criminosos e a Polícia Civil na altura de Vigário Geral, Zona Norte do Rio. Os tiros foram disparados durante uma operação na região, que terminou com a morte de uma moradora. Para se proteger, Cláudia Regina passou cerca de 40 minutos deitada no chão.
— Eu me desesperei, só tinha visto algo parecido na televisão. Essa foi a manhã mais triste e difícil que já enfrentei. Sou hipertensa, tive falta de ar, também machuquei as mãos e os joelhos quando tentei me proteger. Estou muito abalada. Foi o pior dia da minha vida. Graças a Deus estou viva. Estamos jogados às traças nesta cidade.
Durante os momentos de tensão, Cláudia Regina manteve contato pelo telefone com o ex-marido, o representante comercial Vantuir Soares da Silva, de 47 anos, que tentou acalmá-la. Chorando muito, ela chegou a gravar áudios com os sons dos tiros. A cuidadora é mãe de três filhos, de 32, 26 e 25 anos, e avó de duas crianças, de 7 e 4 anos.
Passado o susto, já do lado de fora da estação de trem, foi uma ligação para a neta Maria Eduarda que finalmente a acalmou.
— Foi difícil manter a calma ouvindo tantos tiros como eu ouvi. Eu estava no primeiro vagão, muito perto de tudo. Mas quando saí do trem conversei com a minha neta, o que me acalmou bastante. Ouvir ela pedindo a bênção me trouxe paz de novo. Eu só pensava em rever meus netos. Foi desesperador — conta ela, ainda muito emocionada.
Por volta das 7h40, ela embarcou na estação Gramacho, na Baixada Fluminense. É de trem que Cláudia Regina segue, todos os dias, até o Centro do Rio, onde continua a viagem de ônibus até Laranjeiras, Zona Sul. No entanto, nesta quinta-feira, o trajeto foi interrompido por criminosos armados e com granadas que invadiram a composição onde estavam a cuidadora e outras centenas de passageiros.
Os bandidos impediram que o trem seguisse. Apenas por volta das 13h, Cláudia Regina e outros passageiros seguiram até outra estação, onde receberam um bilhete de ressarcimento no valor de uma passagem. Para ela, faltou cuidado no apoio prestado pela SuperVia.
— Achei um descaso, nem as portas eles fecharam para nos resguardar. O maquinista saiu e mandou a gente descer, ir andando. É inviável mandar a gente descer. Ressarcir R$ 5 não paga uma vida. Só agora, às 13h, eles determinaram que o trem levasse a gente de volta para Caxias e entregaram esse papel de ressarcimento. Com certeza eu e outros passageiros vamos entrar na justiça. Hoje eu poderia ter virado estatística da violência — desabafa.
Enquanto dezenas de passageiros aguardaram dentro do trem, muitos outros optaram por sair e caminhar pela linha férrea. Assustada, a cuidadora diz que se sente refém da violência urbana.
— Estou tremendo até agora. Não sei como será daqui para frente, estou com medo de pegar o trem de novo. Nos ônibus, assaltos. Nos trens, confrontos constantes. Estamos sitiados por essa bandidagem.
Em nota, a SuperVia esclarece que, durante toda a ocorrência, o trem estava parado na estação Vigário Geral. A concessionária destaca ainda que a composição não seguiu viagem “por ordem de bandidos armados com fuzis e granadas”. Em determinado momento, houve tiroteio e o trem não podia se locomover. O texto ressalta ainda a preocupação com os funcionários: “Os colaboradores da SuperVia, que também estavam expostos a esses riscos, tentaram orientar os passageiros para que se abrigassem. O trem não é blindado”.
Circulação de trens ficou suspensa durante quatro horas
Segundo a SuperVia, a operação em todo o ramal Saracuruna, além das extensões Vila Inhomirim e Guapimirim, ficou suspensa entre 10h e 14h20. Também houve invasão à linha férrea. A concessionária destaca que acionou a Polícia Militar e o Grupamento de Policiamento Ferroviário (GPFer) para providências necessárias. Por meio do sistema de áudio, orientou que os clientes deixassem a estação. A operação só foi retomada após a liberação do local pela PM e uma inspeção técnica para verificar possíveis danos causados ao sistema.
“A concessionária lamenta que episódios de insegurança pública como esse coloquem mais uma vez em risco seus clientes, colaboradores e a operação dos trens. Neste ano, a SuperVia já registrou cinco casos de tiroteios nas proximidades da linha férrea que afetaram a circulação dos trens. Em 2020, foram 36 casos que afetaram a operação por 40 horas e 24 minutos”, diz a nota da concessionária.
Fonte: Fonte: Jornal Extra