Família de mototaxista quer exumação do corpo para tentar identificar quem o baleou


Por três anos, o mototaxista Gabriel Freires Rodrigues viveu com uma bala alojada no cérebro. Em 30 de julho de 2017, ele foi baleado durante uma ação da PM quando saía de uma festa em Santa Teresa, no Centro do Rio. A partir de então, o jovem passava os dias numa cama hospitalar, não falava, mal conseguia se mover e se alimentava por sonda. Em agosto do ano passado, Gabriel morreu, aos 29 anos, em decorrência dos ferimentos causados pela bala. Um ano depois, o luto da família pela perda do jovem deu lugar à busca por justiça: a dona de casa Raimunda Freires, de 55 anos, e o barman Egberto Rodrigues, de 57, pais de Gabriel, querem que a exumação do cadáver do filho, para que que o projétil seja retirado do corpo e, assim, possa ser comparado com as armas usadas pelos policiais.

Egberto e Raimunda visitam túmulo do filho
Egberto e Raimunda visitam túmulo do filho Foto: Domingos Peixoto / Extra

— Nada vai trazer meu filho de volta. Mas eu quero saber quem matou. Eu quero que quem destroçou minha família pague. Essa pessoa não pode continuar trabalhando armado normalmente. Se ainda existe alguma chance de saber quem foi, eu quero saber — afirma Raimunda.

O desejo da família de Gabriel esbarra em falhas na investigação do crime, que até hoje não foi capaz de chegar ao autor do disparo. As armas entregues pelos PMs no dia do crime nunca foram periciadas. Segundo o inquérito, obtido pelo EXTRA, três pistolas e quatro fuzis foram apreendidas na 5ª DP (Mem de Sá), onde foi feito o registro da ocorrência. Os números de série dos armamentos estão na investigação.

Mas o material nunca foi encaminhado aos peritos. Não há laudo algum anexado ao inquérito. Após o crime, as armas voltaram a ser usadas pela PM. Para o perito Nelson Massini, professor de Medicina Legal da Uerj, o fato de as armas terem voltado a ser utilizadas após o crime pode prejudicar o confronto balístico.

— O que se procura, na comparação balística, são alterações que pequenos defeitos de fundição no interior do cano fazem no projétil. Se a arma não permanecer apreendida e for muito usada, os defeitos podem ser alterados. Apesar disso, é recomendável que se faça o confronto, pois algumas ranhuras permanecem como identidade da arma — explica o especialista.

Procurada, a Polícia Civil afirmou que, “como as armas dos policiais militares foram apreendidas, o confronto ainda poderá ser feito”.

Contradições dos PMs

No dia em que foi baleado, Gabriel estava saindo de uma festa que acontecia numa casa na Rua Miguel Rezende. Os agentes afirmaram, ao apresentar a ocorrência, que houve um tiroteio no local. Ao todo, sete PMs alegam que atiraram 45 vezes — 20 de fuzil e 25 de pistola — na ocasião. Em seus depoimentos, eles também disseram que encontraram uma pistola perto do corpo do jovem.

Os relatos dos PMs, no entanto, têm contradições. O cabo Wesley Nascimento alegou que desconhecia “realização de festa” no imóvel. Seis testemunhas que estavam no local afirmaram que havia uma festa acontecendo ali. Outro policial, o cabo Wederson Lima, confirmou que “acontecia um evento” no imóvel.

Também há inconsistências sobre a arma que os agentes alegam terem encontrado junto ao corpo de Gabriel. Enquanto o cabo Filippe Saiminton, que participou do socorro a Gabriel, afirmou que não conseguiu ver uma arma próximo ao jovem, o cabo Bruno Santos alegou que encontrou uma pistola junto a ele.

A cem metros da festa

Por conta da acusação dos PMs, Gabriel ficou quase duas semanas internado sob custódia, sem direito a receber visitas de parentes. Testemunhas, entretanto, refutaram a versão dos policiais e afirmaram, em depoimento, que a pistola 9mm apresentada na delegacia foi “plantada”: Gabriel não estava armado e saía da festa quando foi baleado por PMs que perseguiam um homem que havia fugido de uma abordagem minutos antes.

Quando foi baleado, Gabriel estava a 100m da casa, na rua, e, segundo testemunhas, se rendeu quando ouviu o barulho dos tiros. Um delas afirmou, em depoimento que ouviu o grito de “Sou trabalhador, sou trabalhador” pouco antes do disparo.

Por conta dos relatos das testemunhas, o processo contra Gabriel pelo porte da arma foi arquivado e sua custódia no hospital foi encerrada pela Justiça. Já o inquérito aberto para investigar os PMs foi remetido para o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp). Como o grupo foi extinto este ano pelo Procurador Geral de Justiça Luciano Mattos, o inquérito está, atualmente, na 7ª DP (Santa Teresa). Nesta semana, parentes de Gabriel vão à distrital solicitar formalmente a exumação do cadáver.

Os sete agentes investigados pelo crime seguem na PM e foram transferidos para outras unidades com a desativação da UPP Coroa/Fallet/Fogueteiro, em 2018. O policial com mais tempo de corporação, um sargento, foi agraciado, no ano passado, com o distintivo “Lealdade e Constância” pelo comando da PM



Fonte: Fonte: Jornal Extra