Ex-síndico foi expulso de condomínio em Santa Cruz após ter se negado a esconder milicianos em apartamentos


Uma investigação da Polícia Civil do Rio revelou que uma quadrilha de milicianos ligados a Wellington da Silva Braga, o Ecko, passou a dominar o condomínio Serpa, do “Minha casa, minha vida” em Santa Cruz, na Zona Oeste. Moradores foram ameaçados, agredidos e expulsos de apartamentos que foram vendidos posteriormente. Uma das vítimas da quadrilha foi o ex-síndico do condomínio, que relatou ter sido expulso em 2017 por se negar a esconder milicianos em unidades habitacionais que estavam vazias. Na segunda-feira, Wallace Luís dos Santos, um dos integrantes do grupo, foi preso por policiais da Draco.

O antigo síndico contou aos investigadores da 14ª DP (Leblon), responsável pelas investigações, que foi coagido por três acusados – Wallace, Uerlin de Oliveira Pereira e Raiana de Almeida Andrade – a permitir que os milicianos se escondessem nos apartamentos que não estivessem ocupados. O homem disse ter discordado e, por isso, foi ameaçado de morte por Uerlin em fevereiro de 2018. Segundo a testemunha, o miliciano afirmou que mataria também sua família. Com medo, ele deixou o local.

A investigação foi conduzida pela delegacia do Leblon porque as vítimas decidiram procurar uma unidade policial distante de Santa Cruz, com medo de represálias. As testemunhas contaram à polícia que Wallace e Uerlin, acusados de serem os responsáveis por darem as ordens no condomínio, costumavam andar armados no local, no intuito de intimidar os moradores. Há relatos de que os paramilitares escondiam armas nas caixas d’água do conjunto e contavam com olheiros para avisar sobre ações da polícia.

De acordo com as investigações, os apartamentos vazios após a expulsão de moradores eram vendidos por valores entre R$ 20 mil e R$ 35 mil. Anúncios chegavam a ser colocados em grupos no Facebook. Uma das testemunhas entregou para a polícia o “print” de uma postagem feita por Raiana, companheira de Uerlin, na rede social. A estimativa da polícia é de que apenas em 2020 a quadrilha tenha expulsado 10 famílias, lucrando entre R$ 200 mil e R$ 350 mil com a revenda das unidades.

Anúncio de apartamento em grupo no Facebook
Anúncio de apartamento em grupo no Facebook Foto: Reprodução

Ex-morador relata agressões

Outro ex-morador do condomínio relatou aos investigadores que foi agredido por Uerlin em dezembro de 2018, após ter sido acusado de furtar fios elétricos de um apartamento. O homem conta ter levado madeiradas com prego no peito, nas costas, nos braços e no rosto na comunidade do Rodo, também em Santa Cruz. Ele também foi ameaçado com uma arma de fogo. Ao ser liberado, ele não voltou mais ao condomínio e sua família também foi embora às pressas. A testemunha contou que naquele ano presenciou ao menos quatro famílias terem sido expulsas.

As agressões aos moradores que o grupo resolvia expulsar eram comuns. Uma ex-moradora relatou à polícia que foi agredida três vezes no período de cinco meses. Ela apontou Raiana como uma das responsáveis pelas agressões e também contou que a família sofreu ameaças. A mulher acusou Wallace de ter dito para ela que tiraria sua família do apartamento “na base da bala”.

A vitima ainda contou à polícia que Wallace estabeleceu prazo de cinco dias para que a família deixasse o condomínio, que faz parte do programa “Minha casa, minha vida”, ameaçando-as de morte caso a ordem não fosse cumprida. “Eu vou para as guerras da milícia sempre. Eu mato vocês a hora que eu quiser”, disse o miliciano, segundo relato da moradora expulsa.

Ecko, Uerlin, Raiane, Wallace e outros dois integrantes do grupo foram denunciados pelo Ministério Público estadual pelos crimes de organização criminosa e extorsão. Uerlin e Raiana foram presos em uma operação da Polícia Civil em outubro do ano passado.

Na ocasião, Wallace conseguiu escapar, mas a polícia cumpriu um mandado de busca e apreensão em um de seus endereços. No local, os investigadores encontraram um caderno com anotações de valores pagos por novos ocupantes dos apartamentos.

Procurada para se manifestar sobre as denúncias, a assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal informou que as denúncias de invasão, aluguel, venda irregular ou abandono de imóvel do programa Minha Casa, minha vida podem ser feitas pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC (0800 726 0101 ou pela Central do Programa de Olho na Qualidade (0800-721-6268 ).

“Conforme Portaria do Ministério do Desenvolvimento Regional – MDR nº 2.081/2020, nos casos de invasão, a unidade habitacional retomada deve ser destinada ao retorno da família esbulhada ou a uma outra família, selecionada pelo Ente Público. Para situações em que as famílias que sejam impedidas de residir no imóvel, de acordo com a Portaria do Ministério das Cidades (atual MDR) nº 488, de 18 de julho de 2017, há previsão de direcionamento para outro imóvel disponível. Esclarecemos ainda que, em relação às denúncias sobre segurança pública, devem ser reportadas aos órgãos competentes locais e realizadas via registro de boletim de ocorrências nos órgãos policiais”, informou a nota.

Caderno com anotações da milícia que foi encontrado pelos investigadores
Caderno com anotações da milícia que foi encontrado pelos investigadores Foto: Reprodução



Fonte: Fonte: Jornal Extra