ex-empregada doméstica, Dona Vitória foi violentada e vagou grávida no Nordeste antes de vir para o Rio

A alegria, o vigor e a perseverança escondem um passado de sofrimento e violência. A luta fez parte da história de vida desta nordestina do interior de Alagoas, nascida no dia 15 de maio de 1925. Dona Vitória conta que, aos 13 anos, foi violentada pelo filho de um fazendeiro da cidade onde nasceu. O crime não foi cometido apenas uma vez.

– Acabei pegando uma gravidez e ele me tirou da cidade sem a minha família saber – lembra.

Foram meses vagando sozinha por casas de desconhecidos até ter o bebê, numa cidadezinha de Alagoas. Com medo de voltar para casa, ela acabou sendo encontrada por uma pessoa conhecida da família.

Voltei para casa e minha família me recebeu e cuidou de mim. Minha mãe me levou até a polícia e denunciamos o filho do fazendeiro – contou.

A mãe de Dona Vitória passou a cuidar da neta, Maria do Carmo. A menina, porém, sofria do coração, um problema causado pela gravidez traumática da mãe e morreu.

– Durante toda a gravidez eu comi mal e andei muito de uma cidade para outra, tentando arrumar um lugar para trabalhar. O problema que ela teve no coração foi causado por isso. Minha filha era linda – disse Vitória, emocionada.

A janela indiscreta de Dona Vitória: veja a reportagem com flagrantes feitos pela idosa

Ainda adolescente, ela resolveu ganhar a vida sozinha. Foi para Recife, em Pernambuco, onde trabalhou durante anos como empregada doméstica. Com pouco mais de 25 anos, era semi-analfabeta : não conseguiu fazer o antigo primário. Foi nessa época que teve a oportunidade de trabalhar na casa de uma família tradicional de Laranjeiras, no Rio.

– Voltei a estudar e cheguei até a antiga 7ª série. Depois, fiz um curso de massoterapia na Policlínica Geral do Rio de Janeiro – contou.

Com sacrifício, Dona Vitória juntou dinheiro e teve a oportunidade de financiar um apartamento em Copacabana pela Caixa Econômica Federal, em 1967. Foi neste imóvel que morou durante 38 anos. Neste período, em vez de ter a merecida paz, ela acabou testemunhando cenas que só lhe deram mais tristeza e indignação.

A indignação de Vitória aumenta de acordo com as cenas que via diariamente da janela de seu apartamento. Veja, abaixo, trechos de seus relatos durante as gravações:

“Vagabundo desse tamanho com arma na mão é um absurdo! É uma falta de responsabilidade das autoridades, muita falta de responsabilidade. Esses traficantes imundos puxando maconha essa hora do dia. Ninguém tem paz, estão todos armados, até aqueles bandidos sem vergonha na cara. Todos se exibindo”.

“Não vou dizer que não tenho medo deles, mas deixar de filmar esses bandidos, isso não vou mesmo. Estão enganados, estão enganados…”

“Os caras drogados estão deitados lá no chão, infernizaram a noite inteira e agora estão cansados. Olha só que desgraça. Estão todos armados”.

“Essa sem-vergonha aí está sempre comprando drogas pra cheirar. Recebe muitos traficantes, uma estúpida”.

“Quando a polícia aparece lá do outro lado, eles botam criança, botam mulher para vigiar… Quando está numa boa, tudo tranqüilo, aí descem eles.”

“Um traficante com uma criança no colo! Bandidos, vagabundos, ordinários!”

“Coitadas das crianças passando ali e esses bandidos imundos com sacos de drogas.”

“Eles agora estão de binóculos. Estão olhando para cá de binóculos, vou ficar bem afastada para não ser enxergada. Binóculos potente…”

“Olha só tantas metralhadoras, as metralhadoras estão vindo aí. Maldição dessa bandidagem…”

“Os caras andam pela rua, durante o dia, com as armas na cintura, com as armas aparecendo. Assim não dá!”

“Já está escurecendo e é mais uma noite sem dormir. Amanhã eu tenho que trabalhar, acordar cedo, cinco da manhã…”

“Deram asas para essas pestes aí, deram muita asa para elas. Eu não estou nem conseguindo mais dormir. E pintar que é bom nunca mais eu pintei. Pintar perto da janela com um cara armado apontando a arma pra mim?”

“Eu tô mostrando a cara de todo mundo, mas ninguém vê. E a polícia, meu Deus? Quando é que a gente vai poder confiar?”

“Essa maldição do tráfico não pára, estou morrendo de cansaço, precisando descansar”

* Esta reportagem foi publicada pelo Extra em 24 de agosto de 2005

Fonte: Fonte: Jornal Extra