Estado vai investir R$ 500 milhões em câmeras nas fardas, viaturas para reconhecimento facial e prédios

Depois do uso de câmeras em uniformes de policiais militares, o governo do estado pretende investir na instalação do equipamento em viaturas, helicópteros e até em prédios e repartições públicas de 13 órgãos. Essa é a meta prevista no Programa Estadual de Transparência em Ações de Segurança Pública, Defesa Civil, Licenciamento e Fiscalização, cujos detalhes constam em decreto assinado pelo governador Cláudio Castro, que será publicado nesta segunda-feira. A estimativa de gastos da Secretaria de Estado da Casa Civil, ao longo dos quatro anos de governo para o projeto, é de cerca R$ 500 milhões.

O que o governo pretende fazer nos quatro anos de gestão?

  • Instalar câmeras corporais nos uniformes de servidores, incluindo policiais e agentes de outros órgãos de fiscalização e licenciamento
  • Instalar câmeras em cima de viaturas com programas de reconhecimento facial, de leitura de placas de veículos e de análise corporal
  • Instalar equipamentos de filmagem em prédios e repartições públicas, num Circuito Fechado de Televisão
  • Filmar depoimentos em delegacias e corregedorias das polícias

Carros da PM terão câmeras para identificar suspeitos na rua
Carros da PM terão câmeras para identificar suspeitos na rua Foto: Ana Branco

Quantas câmeras serão adquiridas e qual o número atual em funcionamento?

  • Há a previsão de até 21.571 equipamentos especificamente para o fardamento dos agentes. No momento, foram contratadas 13 mil, sendo que 9 mil estão em uso nos batalhões da Polícia Militar
  • Serão adquiridas um total de 5.849 câmeras para as viaturas, que serão distribuídas para as polícias Militar (2.839), Civil (300) e Penal (255); Defesa Civil (1.500); Secretaria de Governo (869); Casa Civil (19); e Instituto de Pesos e Medidas (67)
  • Sobre as câmeras em repartições públicas de 13 órgãos do estado, o Comitê Gestor do Programa Estadual de Transparência em Ações de Segurança Pública, Defesa Civil, Licenciamento e Fiscalização, presidido pela Controladoria Geral do Estado, definirá em 90 dias, a partir da publicação do decreto, a quantidade e a logística necessária para a implantação do sistema

Câmeras de vigilância
Câmeras de vigilância Foto: Editoria de Arte

Câmeras de vigilância
Câmeras de vigilância Foto: Editoria de Arte

Foto: Câmeras de vigilância

Qual o objetivo de dar transparência às ações de segurança pública?

  • Reduzir a letalidade policial e o controlar o uso da força, dentro dos preceitos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, que tramita no STF
  • Garantir a eficiência e a eficácia da atividade policial, tanto no planejamento de operações policiais quanto na aplicação do uso da força
  • Atender às determinações do Plano Estadual de Redução de Letalidade em Decorrência de Intervenção Policial
  • Aferir a qualidade do atendimento do servidor público. Não é para vigiá-los

Quais são os 13 órgãos estaduais que participam do programa e como cada equipamento irá auxiliar no dia a dia da repartição pública?

  • Polícia Militar – O objetivo principal é reduzir a letalidade de operações e auxiliar investigações em casos de violência. Inibir a reação das pessoas em conflito com a lei, pelo fato de elas estarem sendo filmadas. As câmeras começaram a ser implantadas na corporação em dezembro de 2022, com previsão de término em julho de 2023. Batalhões de elite não foram incluídos no cronograma
  • Polícia Civil – Também tem como meta a redução do uso da força policial em operações. aumentar a transparência na fiscalização. Até o momento, o cronograma de implantação da câmeras corporais está em análise. Nenhum agente usa câmera.
  • Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) – aumentar a transparência na fiscalização no transporte de presos e custódia dos internos
  • Secretaria de Fazenda – aumentar a transparência na fiscalização
  • Autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) – aumentar a transparência na fiscalização
  • Departamento de Transporte Rodoviário (Detro) – aumentar a transparência na fiscalização
  • Instituto de Pesos e Medidas (IPEM) – aumentar a transparência na fiscalização
  • Departamento de Trânsito (Detran) – aumentar a transparência na fiscalização veicular, vistoria de veículos e de realização de exames teórico e direção para a emissão da carteira de habilitação
  • Corpo de Bombeiros – aumentar a transparência na fiscalização
  • Casa Civil- aumentar a transparência na fiscalização
  • Secretaria de Governo (programas Segurança Presente e Lei Seca) – aumentar a transparência na fiscalização
  • Instituto Estadual do Ambiente (INEA) – aumentar a transparência na fiscalização
  • Departamento de Recursos Minerais – aumentar a transparência na fiscalização

Quais são os órgãos prioritários?

  • batalhões de polícia
  • quartéis do Corpo de Bombeiros
  • delegacias
  • postos de vistoria e locais de exame do Detran
  • unidades prisionais

Há prazos para o armazenamento das imagens?

  • O material registrado nos Circuitos Fechados de Televisão deverão ser guardados por um período de 90 dias
  • Os depoimentos gravados ficarão armazenados por, pelo menos, 180 dias
  • As imagens provenientes de ocorrências policiais com letalidade violenta deverão ser arquivadas e conservadas por 12 meses . Ações de fiscalização em que o agente considerar de relevância também serão armazenadas pelo mesmo tempo

POLÊMICA PORQUE TROPA DE ELITE FLUMINENSE NÃO USA CÂMERAS CORPORAIS

A necessidade de adquirir as câmeras surgiu como solução para reduzir a letalidade nas favelas e para o controle do uso da força pelos agentes. Desde 2019, a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como a “ADPF das Favelas”, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), a segurança pública fluminense virou alvo de discussão. O recurso foi impetrado pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em decorrência das ações violentas da polícia em favelas, resultando em mortes de moradores.

Ao longo do processo, sob a relatoria do ministro do STF Edson Fachin, surgiu a proposta do uso de câmeras corporais no fardamento dos policiais. Com as ações das polícias sendo gravadas pelas câmeras acopladas à farda, existe um consenso de que há mais transparência no trabalho dos agentes, respaldados pelas imagens.

No entanto, o fato de o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM e a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil não usarem o equipamento de gravação provocou um impasse entre o estado e o relator da “ADPF das Favelas”. No início deste ano, Fachin determinou que o governo do estado apresente um plano incluindo as tropas de elite das polícias.

O estado apresenta como justificativa que a gravação das ações das unidades de operação especial podem “colocar em risco a vida de policiais e de terceiros, bem como o necessário sigilo das estratégias, táticas e, até mesmo, protocolos de atuação”.

Câmeras instaladas em cima de viaturas

Além das câmeras corporais, o decreto do governador publicado hoje institui o uso do equipamento nos carros da polícia e alguns órgãos de fiscalização. Ao invés do uso de câmeras dentro das viaturas, para gravar as conversas e imagens dos policiais, o Comitê Gestor do Programa Estadual de Transparência em Ações de Segurança — criado para estudar e implantar as metas de transparência — optou pela instalação delas em cima dos carros. No entendimento do grupo de estudos, o equipamento no fardamento já cumpre a função de gravar vídeos e áudios dos agentes. As 5.849 câmeras irão captar imagens para reconhecimento facial, análise comportamental e leitura de placas.

O HD instalado em cada carro da polícia terá capacidade de armazenar 100 mil fotos de procurados pela Justiça. Durante o patrulhamento, se algum foragido for identificado, a equipe irá abordá-lo. No caso da leitura das placas de veículos, os alvos são ladrões de carros.

— O software de reconhecimento facial vai auxiliar a identificar foragidos da Justiça, otimizando o trabalho feito pelo policial. E nesse conjunto de equipamentos que estão sendo adquiridos também temos câmeras que alertam sobre comportamentos considerados fora do padrão, como uma bolsa largada num determinado lugar por muito tempo ou alguém pulando um muro. Tudo isso colabora para termos uma prestação de serviço cada vez melhor para a população — explicou o governador Cláudio Castro.

A partir da publicação do decreto, haverá um prazo de 30 dias para sair o edital das câmeras nos veículos, para a prestação de serviço de fornecimento de imagens. Em oito dias ocorrerá o pregão. Todo o processo será acompanhado pelo comitê presidido pela Controladoria Geral do Estado (CGE) .

Repartições Públicas Vigiadas

No caso das câmeras do Circuito Fechado de Televisão (CFTV) em prédios e repartições estaduais, o grupo de estudos terá o prazo de 90 dias para preparar um relatório com o número de equipamentos necessários, assim como a logística.

As câmeras ficarão na parte externa e interna da repartição pública, com a capacidade de registrar tudo o que o servidor público vê, ouve e fala. Segundo o decreto, os locais prioritários são: batalhões de polícia; quartéis do Corpo de Bombeiros; delegacias; postos de vistoria e locais de exame do Detran; e unidades prisionais. As imagens registradas nos CFTVs deverão ficar armazenadas por, no mínimo, de 90 dias.

Depoimentos em delegacias e corregedorias gravados

No caso das delegacias e corregedorias das polícias, será obrigatório ainda gravar os depoimentos de investigados. O armazenamento do material será por, pelo menos, 180 dias. Já as imagens capturadas do fardamento, relacionadas a casos de letalidade violenta e registro de ocorrência, têm que ficar guardadas pelo mínimo de 12 meses.

— Todo esse investimento que estamos fazendo em tecnologia é parte de um grande programa de transparência do estado do Rio. A tecnologia é uma aliada do policial e de toda a sociedade. Estamos dando um salto tecnológico na segurança pública do nosso estado, mudando uma cultura nas polícias, e tenho muito orgulho desse avanço. Esse é o caminho: o futuro é tecnológico, não tenho dúvida disso — garantiu Castro.

Governador diz que objetivo de câmeras é a prestação de serviços Segundo o governador, a ideia não é de punição do servidor público, mas de melhorar os serviços prestados pelo estado:

— O objetivo principal é melhorar a qualidade de prestação do serviço. Eu acredito que a grande integração que podemos fazer nas polícias é pela tecnologia. Outra questão que merece destaque é a nossa forma de contratação: sempre teremos a tecnologia mais atualizada.

Além das polícias Militar, Civil e Penal, estão na lista do decreto: Detran, Defesa Civil, Secretaria de Governo (programas Segurança Presente e Lei Seca), Casa Civil, Departamento de Transportes Rodoviários (Detro), Instituto Estadual do Ambiente (INEA), Instituto de Pesos e Medidas (IPEM), Autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), Secretaria de Estado de Fazenda e Departamento de Recursos Minerais. Caberá as corregedorias, segundo o decreto, analisar em tempo real as imagens geradas. Haverá o sorteio de servidores que terão seus serviços avaliados.

Especialistas na área de segurança opinam

Na opinião da professora da FGV/EBAPE, Joana Monteiro, o mais importante é que o material gravado seja realmente analisado por uma comissão para reduzir a letalidade:

— Em que momento o policial, efetivamente, liga a câmera? Não tem que discutir se o Bope vai usá-la nesse momento, mas sim se há uma análise das filmagens feitas por agentes do 41º BPM (Irajá), por exemplo (unidade com muito casos de autos de resistência).

O diretor-executivo do Instituto Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Alberto Kopittke, diz não ser otimista com relação à instalação de câmeras nos uniformes dos policiais fluminenses:

— Não há transparência no acesso e no acompanhamento dessas imagens. Há muito pouco controle e transparência nesses registros. Ao invés do confronto, não se vê uma política de segurança para evitar que as armas cheguem às favelas ou um plano estruturado com medidas sociais.

A diretora-executiva do Sou da Paz, Carolina Ricardo, concorda que não existe uma disposição efetiva do governo para o controle do uso da força:

— Não à toa, o STF tem atuado com suas decisões, por não ser algo espontâneo por parte do governo do Rio. É importante que todo o efetivo tenha (câmeras), inclusive as tropas especiais. De nada adianta implantá-las sem o monitoramento e análise das imagens. Em São Paulo, há essa avaliação e os resultados são de redução.

Uma comparação de junho de 2022 — mês de implantação das câmeras em algumas unidades da PM do Rio — a dezembro do mesmo ano com o mesmo período de 2021, houve um aumento de 17% nos homicídios por intervenção policial, os chamados autos de resistência. Houve 757 casos no ano passado contra 647 do ano anterior. Isso evidencia que, apesar da implantação do uso de câmeras nos uniformes da PM, as mortes em confronto aumentaram, em lugar de diminuírem.

Em análise geral, especialistas acreditam que o aumento se deve a dos fatores importantes: não haver avaliação das imagens gravadas por uma comissão, o que faz com que o policial não cumpra protocolos durante as ações, assim como tropas de elite e forças de atuação tática de batalhões não estarem usando o equipamento.

Fonte: Fonte: Jornal Extra