Dois anos depois, inquérito sobre operação da PM com 13 mortes no Fallet está parado no MP


Já são dois anos aguardando respostas. As famílias de 13 jovens mortos durante uma operação da Polícia Militar na comunidade do Fallet, na Zona Norte do Rio, ainda cobram explicações sobre o que aconteceu em 8 de fevereiro de 2019, quando agentes do Batalhão de Choque abriram fogo contra as vítimas, num suposto revide a um ataque — nenhum PM ficou foi ferido na ação.

Foi a operação da Polícia Militar com maior número de mortes em 12 anos, e nove das vítimas estavam dentro de uma casa quando levaram tiros. Cada uma delas foi baleada pelo menos duas vezes. O caso chamou a atenção de organismos internacionais, que pediram uma investigação rigorosa — laudos periciais incompletos levantaram suspeitas de execução. O inquérito, no entanto, continua parado no Ministério Público estadual.

Em outubro do ano passado, o Grupo de Ação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público, que investiga abusos policiais, informou que estava fazendo uma reprodução virtual do crime. Em dezembro, a Defensoria Pública pediu vistas do inquérito, mas não obteve resposta. Na última semana, foi feita uma nova solicitação, ainda não atendida.

De acordo com o defensor público Daniel Lozoya, a Defensoria não foi notificada de que o MP tenha acatado algum dos pedidos feitos no relatório nem que tenha avançado nas investigações.

Casa na comunidade do Fallet, onde a polícia matou nove homens em 8 de fevereiro de 2019
Casa na comunidade do Fallet, onde a polícia matou nove homens em 8 de fevereiro de 2019 Foto: Thatiana Gurgel, Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro

Polícia pediu arquivamento

A Polícia Civil pediu ao Ministério Público o arquivamento do inquérito. No entanto, a Defensoria foi ao órgão e solicitou novas diligências, como a busca e a apreensão de celulares dos PMs envolvidos na ação.

Segundo o Ministério Público, o caso não se encontra mais no Gaesp: está sendo distribuído para a 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada.

Para que o caso se torne um processo criminal na Justiça é preciso que o Ministério Público apresente uma denúncia. Segundo Lozoya, pelas provas apresentadas até agora, os policiais podem responder por homicídio e/ou fraude processual.

De acordo com a PM, policiais levaram as vítimas ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, para que fossem atendidas. Elas, no entanto, já estavam mortas quando chegaram à emergência. Laudos periciais encomendados pela ONG Human Rights Watch apontaram que as lesões sofridas pelas vítimas podem levar à morte rapidamente e, em pelo menos um dos jovens, os ferimentos foram tão graves que provavelmente ele morreu instantaneamente.

Os corpos das vítimas também tinham indícios de que foram arrastados pelos andares da casa em que foram mortos, o que é incompatível com mínimos protocolos de socorro médico, conforme apontou a Defensoria Pública. Além disso, todos mortos tiveram suas roupas descartadas depois que chegaram ao hospital.

“Mostra-se, pois, inarredável ao Ministério Público a análise da possível responsabilidade criminal seja pela não preservação da cena do crime, pela remoção dos baleados mediante arraste pelos andares do imóvel, pelo transportarem de forma incompatível com mínimos protocolos de socorro médico ou ainda pelo modo degradante com que os mortos foram tratados (amontoados nas caçambas das viaturas e depois filmados em nus nas macas do HMSA)”, diz o relatório da Defensoria Pública.

Além disso, familiares das vítimas afirmaram que os jovens já estavam rendidos quando foram mortos pela polícia. Segundo as autópsias, os nove mortos dentro da casa durante a ação foram atingidos por 30 tiros no total. A perícia apontou ainda ferimentos causados por disparos à curta distância e nas costas das vítimas, o que, segundo a Defensoria, apontam uso excessivo da força pelos policiais. Para completar, enquanto eram mortos, as mães de algumas das vítimas estavam do lado de fora da casa em que foram assassinadas sem poder impedir o que acontecia dentro do imóvel.

Moradora segura camisa com foto de irmãos em frente à casa onde foram mortos
Moradora segura camisa com foto de irmãos em frente à casa onde foram mortos Foto: Fábio Guimarães / Fábio Guimarães

Famílias cobram respostas

Se o Ministério Público não apresentar uma denúncia após a conclusão do inquérito, o órgão irá arquivar o caso. E é isso que as famílias das vítimas temem que ocorra.

— O que eles (policiais) fizeram foi uma covardia. Não tinham o direito de entrar na casa e fazer o que fizeram — diz a mãe de uma das vítimas. — Nós estávamos na frente da casa quando eles foram mortos, deu para ouvir o grito deles. A gente pediu para socorrê-los, mas eles não deixaram, nos agrediram com palavras. Não é possível que a lei deixe que eles fiquem impunes.

Desde a morte do filho, ela precisou sair da casa que morava e deixou de ir aos lugares que frequentava. Hoje, mãe de outras três crianças, a mulher se vê impossibilitada de seguir sua vida com medo de sofrer represália de algum dos agentes envolvidos no caso.

— A minha vida mudou por completo desde aquele dia, eu não posso mais sair de casa porque tenho medo que façam algo comigo ou com os meus filhos. Um dos policiais olhou para o meu filho e disse: “espera você crescer e eu vou te matar igual o seu irmão”. Como eles podem ficar em liberdade enquanto eu estou presa aqui? — questiona a mãe.

De acordo com o advogado criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira, da Comissão Arns, a falta de conclusão do inquérito sobre as mortes no Fallet são um reflexo do que vem acontecendo com os direitos humanos no Brasil. A Comissão foi um dos organismos que acompanhou o desenrolar do caso.

— Esse caso do Fallet foi uma carnificina, foi um massacre. E nós estamos aqui, com as mãos atadas, sem poder fazer nada. Isso é reflexo do que está acontecendo no Brasil em relação aos direitos humanos, aos direitos individuais, a própria liberdade e à ameaça à democracia. Há um desinteresse exemplar em se defender os direitos humanos. Exemplar no sentido que ele parte das altas cúpulas governamentais e dá exemplo às esferas menos graduadas, às esferas de poder menor. Eu diria que direitos humanos, da personalidade e do brasileiro não fazem parte da pauta governamental — afirma Mariz.

Os 15 policiais envolvidos nas mortes durante a operação no Fallet nunca foram afastados de seus cargos devido ao caso. No mesmo mês da operação, o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) propôs que os militares fossem homenageados na Assembleia Legislativa do Rio com uma moção de congratulações e aplausos. O governo do Rio, Wilson Witzel, hoje afastado, também disse na época que a ação da PM tinha sido “legítima”.

Não há divergência entre depoimento de PMs e o que foi periciado pela Polícia Civil, de acordo com delegado
Não há divergência entre depoimento de PMs e o que foi periciado pela Polícia Civil, de acordo com delegado Foto: Pilar Olivares / Reuters



Fonte: Fonte: Jornal Extra