Desvio de munição da PM deu mais poder à milícia de Ecko


Munição da Polícia Militar do Rio abastece a milícia de Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto pela polícia anteontem. Levantamento feito pelo EXTRA em processos judiciais contra integrantes de grupo do paramilitar identificou cartuchos de 15 lotes diferentes que foram adquiridos pela corporação e acabaram nas mãos de integrantes da quadrilha do criminoso. As apreensões dos projéteis da PM aconteceram de 2015 a 2019 em três bairros da Zona Oeste da capital e em Nova Iguaçu — para onde a quadrilha expandiu seus domínios em 2019.

A maior apreensão ocorreu em 3 de março de 2018. Na ocasião, a Polícia Civil prendeu, em Sepetiba, um dos bairros sob domínio do Bonde do Ecko, Leandro de Oliveira Silva, o Teco, apontado como “soldado” do grupo. Em sua casa, os agentes encontraram dois fuzis, uma pistola, fardas da PM e 119 projéteis adquiridos por forças de segurança. Foi possível rastrear a origem de 37 cartuchos: todos eles faziam parte de 10 lotes diferentes adquiridos pela PM.

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Os cartuchos usados para impor o terror da quadrilha nas áreas dominadas eram de calibres 9mm, .40 — para pistolas —, e 5,56mm, usado em fuzis. Ao todo, 24 dos projéteis apreendidos com o soldado de Ecko compunham quatro lotes comprados exclusivamente para treinamentos da PM: eles têm uma quantidade de pólvora menor do que aqueles usados em serviço, porém, mesmo assim, são letais.

Um dos lotes achados com o miliciano, o BQJ03, já foi apreendido pela polícia com outros criminosos em outras regiões do estado. Na casa de Teco, a polícia encontrou três projéteis do lote, dois de calibre 5,56mm e um 9mm. Anotações feitas pelo criminoso, também recolhidas pela polícia, revelam quanto a milícia, que lucra milhões com seus negócios ilegais, paga pelos cartuchos: cada projétil de calibre .40 custa R$ 10, já os calibre 5,56 saem por R$ 17 a unidade.

No sábado, após a operação em que Ecko acabou morto, a Polícia Civil já havia afirmado que investiga se o miliciano contava com uma rede de proteção de policiais militares. Com relação às apreensões de munição do grupo paramilitar, em maio de 2015 a polícia identificou cartuchos de outros quatro lotes da PM com um homem que transportava um arsenal do bando, nas proximidades da favela Três Pontes, em Paciência — onde o chefe da quadrilha acabaria sendo localizado.

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Naquela ocasião, o homem dirigia um carro roubado, quando foi abordado por PMs perto da comunidade. No arsenal havia três pistolas, um fuzil, oito granadas, coletes balísticos e munição para fuzil e pistola.

Peritos da Delegacia de Homicídios (DH), ao analisarem os projéteis, descobriram que 10 deles faziam parte de lotes comprados pela PM. O homem afirmou que foi obrigado pelos milicianos a transportar as armas e a munição. A explicação, no entanto, não convenceu: ele acabou condenado a oito anos de prisão. Na sentença, o juiz Altino José Beirão também determinou que a Corregedoria da PM investigasse como os cartuchos foram parar nas mãos da milícia, e um Inquérito Policial Militar (IPM) foi aberto.

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Apesar de não ter chegado aos responsáveis pelo desvio, a investigação mostra como a gestão de munição da corporação é falha. Ao questionarem os batalhões para onde partes do lote haviam sido enviadas, os investigadores descobriram que 4 mil projéteis do AKA39 que constam no sistema da PM como remetidos ao 15º BPM (Duque de Caxias), jamais chegaram ao batalhão. Não se sabe o que aconteceu com esses cartuchos.

A PM divulgou a seguinte nota sobre o caso:

A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar esclarece que há inquéritos instaurados na Corregedoria da Corporação para apurar possíveis desvios de munição, entre os quais alguns abrangem os lotes citados na relação encaminhada. Vale ressaltar que todos esses procedimentos tramitam sob sigilo.



Fonte: Fonte: Jornal Extra