Corpo de policial civil morto por militares da Marinha é enterrado na Zona Oeste; Prefeitura fecha ferro-velho


O corpo do perito papiloscopista da Polícia Civil Renato Couto, de 41 anos, que foi agredido, sequestrado e morto por militares da Marinha, na última sexta-feira, foi velado e sepultado na manhã desta terça-feira (17), no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na Zona Oeste do Rio. Os envolvidos no crime jogaram o agente ainda vivo no Rio Guandu, em Japeri, na Baixada Fluminense, onde o cadáver foi encontrado durante buscas na manhã de segunda-feira. Cerca de 19 viaturas da Polícia Civil e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), com sirene ligadas, foram ao cemitério.

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Além disso, é feita nesta manhã a retirada de todo o material armazenado no ferro-velho que fica na Praça da Bandeira, na Zona Norte. Agentes da Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) fazem a remoção dos materiais após a prefeitura fechar o local.

Ao acompanhar o velório, o papiloscopista Márcio Carvalho, diretor do Instituto de Identificação Félix Pacheco (IIFP) afirmou que o colega era “era um policial dedicado, sempre participativo” e que se tivesse contado o que aconteceu, “certamente isso teria sido evitado”.

— Foi uma demonstração de banalidade. Foi uma coisa que nos chocou. Estamos todos consternados, porque é uma perda muito grande. Ele era um policial dedicado, sempre participativo. Está doendo muito na gente, porque ele era uma pessoa alegre e feliz. Ficamos muito chocados. Não era do temperamento dele isso. Se ele tivesse nos dito o problema, iríamos apoiá-lo. As minhas portas estão sempre abertas. Certamente, se ele tivesse nos dito, essa fatalidade seria evitada — destacou o diretor do instituto.

Na foto, o perito Renato Couto de Mendonça, morto após discussão
Na foto, o perito Renato Couto de Mendonça, morto após discussão Foto: Reprodução

Alessandra Siffert, papiloscopista e chefe do Serviço de Perícia Papiloscópica onde Renato trabalhava, disse que o policial era esperado no plantão e, quando deu o horário do início do turno, às 10h, ele não apareceu. O agente vinha relatando os furtos de materiais que estavam acontecendo na obra em andamento que ele realizava na região.

— Ele falou só que estava tendo um furto. Como ele é muito reservado, não ficou contando. Ele falou “teve um furto, teve outro”, e a gente falou “vamos fazer o registro, fazer a perícia”. A gente fez. Eu nem sabia dos últimos furtos. Ele não tinha falado isso comigo. Ele não falou. Ele estava sem dinheiro, ele vendeu o carro para colocar na obra — contou Alessandra.

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Segundo a policial, com as suspeitas de que o material furtado estivesse indo para o ferro-velho, Renato fez registros e uma investigação chegou a ser aberta, a cargo da 18ª DP (Praça da Bandeira).

— Ele falou com a gente o que estava acontecendo. A gente fez perícia no local. Ele falou comigo, eu falei “vamos fazer o registro na delegacia”. Foram feitos os registros, foi feita perícia papiloscópica no local no material que foi levado lá. A gente fez todo o trâmite legal. A gente não estava sem saber o que estava acontecendo. Só que a gente estava esperando. Tinha uma investigação na 18ª DP, do ferro-velho, a gente estava tentando levar a investigação de forma porque todo mundo ali é muito correto, inclusive o Renato. Eu vi gente falando de vídeo, que a gente nem sabe se é ele, e se for, foi um momento… Mas é a pessoa mais correta que eu já vi — contou.

Durante fechamento de ferro-velho onde o perito Renato Couto foi baleado e agredido, equipes encontraram uma roupa camuflada
Durante fechamento de ferro-velho onde o perito Renato Couto foi baleado e agredido, equipes encontraram uma roupa camuflada Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Uma equipe da Polícia Civil esteve ontem no ferro-velho e interditou o local. Nesta manhã, a prefeitura está no local com agentes da Seop e da Comlurb para derrubar o galpão e remover todo o material, limpando a área.

— Quem tiver qualquer participação, será responsabilizado. Mas, por ora, só quatro pessoas estão no caso. Hoje estamos lá com a Seop para acabar com aquele ferro-velho. Queremos estabelecer e elucidar esse crime que destruiu a família do Renato — disse o delegado Antenor Lopes.

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Com uma bandeira da polícia e com pétalas de rosas jogadas sobre o caixão, o agente foi sepultado às 11h14. A mãe e a mulher do policial chegaram a passar mal. Ao lado do caixão, a mãe de Renato dizia: “eu te amo meu bebê. Eu te amo meu príncipe”.

Nesta terça, após o Corpo de Bombeiros encontrar o corpo de Renato, a Justiça do Rio converteu a prisão em flagrante para preventiva do empresário Lourival Ferreira de Lima, de seu filho, o militar Bruno Santos de Lima, e os também militares do 1º Distrito Naval Manoel Vitor Silva Soares e Daris Fidelis Motta. A decisão foi tomada pelo juiz Rafael de Almeida Rezende, da Central de Custódias do Rio, durante audiência de custódia, a qual os suspeitos foram submetidos.

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A Marinha do Brasil mandou um coroa de flores para o velório do policial. Na frase estava escrito:

“Com os sentimentos e as condolências da Marinha do Brasil à família de Renato Couto de Mendonça”.

Marinha do Brasil enviou uma coroa de flores para o velório de perito Renato Couto, morto por militares
Marinha do Brasil enviou uma coroa de flores para o velório de perito Renato Couto, morto por militares Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo

Prisão mantida

No veredito, Almeida Rezende destacou a violência do crime e os sinais de premeditação na hora de praticá-lo. “Diante de todos os elementos informativos colhidos até o presente momento, em que pese o evidente protagonismo de Lourival e Bruno, há indícios da participação efetiva de todos os custodiados na prática do delito. Destaque-se ainda o motivo fútil e a aparente premeditação do crime, cometido de forma brutal e covarde”, destacou em trecho de sua decisão.

Equipes da Comlurb e da Seop estão removendo os materiais do ferro-velho onde o perito Renato Couto foi agredido e baleado
Equipes da Comlurb e da Seop estão removendo os materiais do ferro-velho onde o perito Renato Couto foi agredido e baleado Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

E o magistrado seguiu: “Segundo o relato da testemunha presencial, mesmo após a vítima já se encontrar ferida por PAF e quase desfalecida, Lourival ainda lhe desferiu diversos golpes e, diante de um último esforço para evitar ser levado, o policial foi atingido por outro disparo realizado por Bruno e, em seguida, colocado no interior do veículo com o auxílio dos demais custodiados”.

Imagens obtidas pelo EXTRA mostram o momento em que o policial civil Renato Couto é imobilizado e colocado em uma van por militares da Marinha em um ponto próximo à Praça da Bandeira, na Região Central do Rio. O vídeo teria sido gravado na sexta-feira da semana passada, na última ocasião em que o perito papiloscopista foi visto com vida. Na manhã desta segunda, o corpo de Renato foi encontrado em uma das margens do Rio Guandu, na altura de Japeri, na Baixada Fluminense. O primeiro-sargento Bruno Santos de Lima — preso com o pai, o empresário Lourival Ferreira de Lima — e os também militares do 1º Distrito Naval Manoel Vitor Silva Soares e Daris Fidelis Motta estão presos pelo homicídio triplamente qualificado do agente, bem como por ocultação de cadáver.

Na gravação, registrada à distância e com resolução baixa, pelo menos três homens aparecem imobilizando uma quarta pessoa que, em dado momento, parece estar sendo agredida. Em outro trecho, a vítima recebe uma espécie de chave de braço, o que condiz com o conteúdo dos depoimentos prestado à Polícia Civil. Mais à frente, o vídeo, de pouco menos de dois minutos, mostra todo o grupo entrando no carro e deixando o local rapidamente.

A van utilizada no crime pertence à Marinha. Inicialmente, não se sabia se Renato estava vivo quando foi colocado no veículo, nem mesmo se já havia morrido devido aos ferimentos à bala no momento em que foi deixado no Rio Guandu. Profissionais do Instituto Médico-Legal (IML), contudo, concluíram que ele ainda não estava em óbito ao ser jogado nas águas. De acordo com a perícia feita no cadáver, o policial civil foi morto por hemorragia decorrente dos disparos de arma de fogo e ainda por asfixia mecânica provocada pelo afogamento.

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A desavença que resultou no assassinato do policial civil começou por conta dos constantes furtos de materiais metálicos na região. Renato, que estava fazendo uma obra em casa e sofria com os prejuízos frequentes, fez vários registros de ocorrência contra Lourival, proprietário de um ferro-velho acusado pelo agente de protagonizar a receptação ilegal de itens frutos de crime.

— A gente quer justiça e que eles sejam punidos severamente. Nada justifica o que fizeram. Está tudo em vídeo. Meu irmão já tinha ido lá várias vezes. Eles armaram para o matar. Ele foi morto com a nota fiscal no bolso. O meu irmão só procurou o que era dele. Ele só foi rever o que estava lá. Meu irmão foi agredido. Eles eram de um ferro-velho ilegal — disse a fisioterapeuta Débora Couto de Mendonça, de 38 anos, uma das irmãs de Renato.

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Em depoimento, o primeiro-sargento Bruno Santos de Lima, filho de Lourival, afirmou que , na última quarta-feira, dia 11, foi informado pelo pai de que um homem havia lhe procurado para lhe ameaçar e o acusar de receptar os materiais furtados de sua obra. De acordo com o relato do pai para o militar, ele disse ter respondido que só trabalhava com doações de órgãos públicos, mas Renato teria exigido dinheiro e prometido retornar.

Bruno alega que, na sexta-feira, dia 13, o pai ligou comunicando que o mesmo indivíduo havia retornado ao ferro-velho e o ameaçado caso não pagasse R$ 10 mil. O militar conta que, neste momento, acionou um de seus subordinados, o terceiro sargento Manoel Vitor Silva Soares, e o cabo Daris Fidelis Motta, para irem, com uma viatura do 1º Distrito Naval, em “defesa” de Lourival.

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Bruno disse que, na ocasião, portava sua pistola particular, uma Taurus calibre nove milímetros, e vestia um colete balístico. Ao chegar no estabelecimento, na Rua Oswaldo Aranha, na Praça da Bandeira, avistou seu pai “com um semblante cabisbaixo, ao lado de um indivíduo”. Por esse motivo, o sargento contou ter saído da viatura já com a arma em punho, se identificando como militar e ordenando que Renato Couto colocasse as mãos para cima.

No depoimento, o primeiro-sargento relatou que, ao revistar o perito papiloscopista, notou que ele estava com uma pistola na cintura e, nessa ocasião, o policial civil sacou a pistola e ambos entraram em luta corporal. Lourival, Daris e Manoel também teriam se envolvido na briga, tentando separá-los. Bruno disse se recordar que, “em determinado momento, conseguiu desferir um tiro na perna” de Renato, mas, mesmo assim, ele teria conseguido tomar sua arma.

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O terceiro sargento alegou que, durante toda a ação, Renato Couto gritava “Polícia! Polícia”, sem precisar se queria se identificar ou pedir ajuda. Por esse motivo, Bruno Santos de Lima relatou ter efetuado mais um disparo na altura da barriga do perito, tendo sua resistência então diminuído. “Em transtorno em razão dos acontecimentos e da comoção que se formava em volta”, o militar disse ter tentado começar a colocar a vítima na viatura, tendo sido auxiliado por Daris, e deixado o local.

Bruno informou não se recordar se ele e os demais militares cogitaram levar Renato a um hospital. Perguntado sobre a arma do perito papiloscopista, informa que a colocou em seu bolso e, sem notar se havia o brasão da Polícia Civil no ferrolho, a arremessou no Rio Guandu junto com o corpo da vítima. Em seguida, eles retornaram para a base do 1º Distrito Naval, na Praça Mauá, e o terceiro sargento relatou ter terminado seu serviço “em horário normal”.



Fonte: Fonte: Jornal Extra