Conselho comenta prisão de arquiteto acusado de integrar ‘núcleo imobiliário’ da milícia da Muzema


Quando esteve no Condomínio Figueiras, na Muzema, após o desabamento de dois prédios construídos por milicianos — uma tragédia que matou 24 pessoas no ano passado — , o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (Caurj), Jeferson Salazar, logo de cara suspeitou que, pela estética das obras e pelos materiais utilizados no acabamento, haveria algum profissional especializado envolvido nas construções. O palpite foi confirmado na manhã desta terça-feira, quando a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) deflagraram a Operação Sturm para cumprir nove mandados de prisão expedidos pela justiça contra integrantes do grupo paramilitar que atua na região.

— Eu estive na Muzema quando caíram aqueles prédios e vi que a qualidade técnica das edificações, pelo menos esteticamente, já indicava que ali tinha uma coisa para além de um mero construtor. Caso tudo seja confirmado, é preciso abrir um processo ético no âmbito do Conselho que poderá resultar em punições previstas pelo novo código de ética: uma repressão privada, uma repressão pública, multas, suspensão temporária do registro profissional e até a cassação do registro — comentou.

Até a tarde desta terça, sete pessoas foram presas, entre elas o arquiteto Clayton Luiz Vieira, acusado de participar da organização criminosa dando suporte técnico nas construções. Em sua decisão do dia 11 de novembro deste ano, quando decretou a prisão dos acusados, a juíza Juliana Benevides de Barros Araújo, da 1ª Vara Criminal Especializada da Capital, acusou Clayton pelo crime de organização criminosa.

A denúncia mostra que Clayton Luiz Vieira, com sua expertise como arquiteto, orientava os construtores de imóveis Ivonaldo Teixeira Costa, vulgo Pepe, e Clodoaldo Dias Godinho, vulgo Gaúcho, também presos nesta terça-feira. Segundo o MP, somados a Antonio Nunes Lopes, vulgo Tonho, também preso, eles integravam o chamado “núcleo imobiliário”, atuando na ocupação do solo, execução das obras, locação, entre outras atividades. Um dos prédios citados pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), que contou com a experiência de Clayton, fica na Rua Araticum 812, na Muzema.

As investigações concluem ainda que, mesmo com a morte de 24 pessoas, a milícia continua atuante na região, e conta com a colaboração de policiais civis e militares além de políticos nos negócios ilegais.

Também foi preso, nesta terça-feira, o cabo da Polícia Militar Ronny Pessanha de Oliveira, o Caveira, que já foi do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e hoje está lotado no 41º BPM (Irajá). Ele foi preso no dia do seu aniversário. Em rede sociais, o cabo da PM aparentava ter uma vida de luxo, com carro importado de moto cara.

— Por ele ter uma expertise em ações táticas, orientava todos os demais membros da milícia sobre como se portar no manuseio de uma arma de fogo, na conduta do dia-a-dia, nas cobranças armadas aos moradores daquela região — contou o delegado William Pena, titular da Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), unidade responsável pelas investigações.

PM Ronny Pessanha de Oliveira, o Caveira: preso no dia do aniversário
PM Ronny Pessanha de Oliveira, o Caveira: preso no dia do aniversário Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

Interceptações feitas por policiais e promotores com autorização da Justiça mostram como os paramilitares contavam com o pagamento de propina para manter funcionando seus negócios ilícitos.

Miliciano não identificado: “Chegou a civil e umas duas viaturas, chegou tirou foto. Tirou foto para ver se a obra tá andando… Aí ele parou, peguei o telefone dele e falou: olha dá para desenrolar lá dentro. Tu chega em mim me dá um agrado, me passa um zap que a gente conversa. Toda vez que tiver operação eu falo contigo”.

Clodoaldo: “Ué, mas a civil (Polícia Civil) já está desenrolada. Já devia estar seguro, pô! A PM deve ter ido aí porque a Civil chamou. E foi obrigada a ir, entendeu?

Em outro áudio, Ivonaldo de Souza Costa, que assim como Clodoaldo, também faz parte do núcleo imobiliário da milícia, se mostra preocupado com a possível prisão de Renato Siqueire Ribeiro, apontado como corretor responsável por intermediar a venda de apartamentos nos prédios que desabaram na Muzema. Ele temia que Renato denunciasse o resto da quadrilha.

Ivonaldo: “Olha, o Renato. Tem que pegar ele antes e matar ele.

Miliciano não identificado: “Isso não é coisa para se falar no telefone não, ô louco”.

Sete presos

  • Taillon de Alcantra Pereira Barbosa
  • Carlos Magalhães Antunes
  • Clodoaldo Dias Godinho
  • Clayton Luiz Vieira
  • Ronny Pessanha de Oliveira
  • Gilbert Loback
  • Antonio Nunes Lopes, vulgo Tonho

Fiscalização continua com a Seop, diz prefeito eleito

Nesta terça-feira, questionado durante coletiva de imprensa sobre as situações de construções irregulares em áreas de milícia, o prefeito eleito Eduardo Paes disse que a responsabilidade continuará com a Secretaria de Ordem Pública, cujo titular da pasta ainda não foi revelado.

— Desenvolvimento Econômico cuidará mais do mercado formal. A sua boa ação vai permitir que a gente tenha menos construção irregular. Tem muita obra irregular também porque as pessoas tentam legalizar, mas não conseguem.

Durante a campanha, Paes disse que combater as construções irregulares seria uma de suas prioridades.

“Combater o tráfico e a milícia são funções que dizem respeito à polícia, mas de fato uma cidade bem estruturada urbanisticamente pode ajudar a combater as práticas criminosas, tais como: proteger os corredores viários expressos; criar setores especiais de planejamento urbano para os grandes complexos de favelas, com prioridade para os de pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), planejando a criação e ampliação de espaços livres e equipamentos públicos, regularização fundiária por terra comunitária, e estabelecendo incentivos para conversão em construções regulares; buscar maior integração com o planejamento metropolitano, especialmente integração urbanística com os municípios da Baixada; baixar os Índices de Aproveitamento de Terrenos (IAT) na Zona Oeste, nas Vargens, e aumentar na AP-3 (Zona Norte), para promover um adensamento com qualidade junto à oferta de solo urbano com infraestrutura, especialmente de transporte de alta capacidade”, disse Paes.

Perguntado sobre o aperfeiçoamento da fiscalização construções irregulares, na ocasião Paes respondeu.

“É preciso fazer uma mudança de postura e a cidade conhece a minha história como subprefeito e prefeito e meu trabalho para coibir as construções irregulares, articulando os órgãos da prefeitura, estado, em especial a polícia. Vamos utilizar tecnologia a nosso favor com qualidade junto à oferta de solo urbano com infraestrutura, especialmente de transporte de alta capacidade. Vamos utilizar tecnologia a nosso favor usando drones, ortofotos, para conter não só o crescimento horizontal como vertical, além de voltar a ter uma meta de redução do crescimento desordenado, em especial sobre nossas florestas”, disse.



Fonte: Fonte: Jornal Extra