Braço direito de Adriano, PM ficou solto por dez anos mesmo após ser identificado como assassino de bicheiro


Apontado em depoimento por uma testemunha como um dos assassinos de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, genro do bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, há dez anos, o sargento Luiz Carlos Felipe Martins, o Orelha, foi executado a tiros em Realengo, na Zona Oeste do Rio, no último dia 20. O homicídio do PM aconteceu apenas dois dias antes da Operação Gárgula, que o prenderia sob a acusação de tentar se desfazer dos bens deixados por seu chefe, o miliciano e ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega. Enquanto estava vivo, entretanto, Martins nunca respondeu pelo assassinato do bicheiro. Ao longo dos dez anos em que o inquérito que o incriminava vagava pelas gavetas de pelo menos dez delegados e promotores, Martins seguiu solto, trabalhando normalmente na PM e como braço direito de Adriano.

O depoimento que incriminou Martins foi prestado apenas 11 dias após a execução de Zé Personal dentro de um terreiro de umbanda em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, em setembro de 2011. Na ocasião, uma testemunha ocular — um parente que acompanhava a vítima — revelou, na Delegacia de Homicídios (DH) que reconheceu a voz de um dos criminosos que entraram encapuzados no local: era o PM Luiz Martins. Perguntado se tinha certeza, a testemunha falou que sim, porque “conversou com Luiz várias vezes, até porque o conhecia há anos”.

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A testemunha ainda disse que Martins “havia sido segurança de Zé Personal por vários anos” e que, até pouco antes do crime, “atuava como gerentes das máquinas caça-níquel”. Segundo o depoimento, Zé Personal “havia mandado Luiz embora porque as contas nunca batiam”, e o PM “não gostou” de ser demitido. O relato não levou a polícia a pedir a prisão ou sequer indiciar Martins.

O depoimento da testemunha ocular, entretanto, não foi o único tomado na época do crime que incriminava Martins. Outro relato esclarecia a motivação do crime e incluía o próprio Adriano como personagem-chave para o esclarecimento do homicídio. Na semana seguinte ao assassinato, Shanna Harrouche Garcia, viúva de Zé Personal e filha de Maninho, contou à DH que, cinco meses antes, seu marido havia demitido Adriano — que, na época, conciliava seu trabalho como capitão da PM com seu cargo na contravenção. De acordo com a viúva, ele trabalhava como auxiliar de seu marido na administração dos caça-níqueis e era administrador do Haras Modelo, propriedade da família em Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio.

Zé Personal foi executado dentro de um centro de umbanda
Zé Personal foi executado dentro de um centro de umbanda Foto: Gustavo Azeredo

Shanna contou que o rompimento aconteceu porque Zé Personal “percebeu que estavam ocorrendo desvios na fazenda, como gados e medicamento” e, como Adriano era o administrador, seu marido resolveu demiti-lo. Uma suposta aproximação de Adriano com Bernardo Bello, marido da irmã de Shanna, rival do casal na disputa pelo espólio de Maninho, também teria desagradado Zé Personal. No depoimento, a filha do contraventor também contou que, após a demissão, Adriano voltou à fazenda acompanhado de homens armados para retirar gados do local. Na ocasião, o então capitão teria dito à mulher que ela “não deveria se meter, se quisesse ver seus filhos crescerem”. Ela completou o depoimento afirmando que o PM Luiz Martins era ligado à Adriano e que ele foi um dos homens que invadiu a fazenda.

Após os depoimentos, nenhuma diligência foi realizada pela Polícia Civil para confirmar ou negar o relato das testemunhas. Nos sete anos seguintes, o inquérito foi encaminhado ao MP e voltou à DH sete vezes. Passou pelas mãos de diferentes delegados e até teve suas páginas danificadas por goteiras dentro da delegacia.

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Até novembro de 2018, a Polícia Civil não sabia sequer se o sargento Martins tinha algum álibi: seu depoimento só foi tomado quando a DH, por conta da repercussão da execução de Marielle Franco, desencavou inquéritos antigos em que Adriano e seu grupo eram suspeitos. Na época, Adriano era investigado pelo assassinato da vereadora e de seu motorista Anderson Gomes.

Quando foi ouvido, Martins negou que trabalhasse para Zé Personal e disse que conheceu o contraventor numa academia na Barra da Tijuca onde ele trabalhava como personal trainer e o PM fazia aulas de luta. Alegou que “nunca foi demitido porque nunca trabalhou” para o contraventor e disse que conhecia Adriano da PM. Ao final do relato, não apresentou nenhum álibi que o inocentasse do assassinato.

Martins e Adriano se conheciam há mais de 20 anos e já passaram dois períodos na cadeia juntos. Em 2004, ambos integravam a mesma patrulha do 16º BPM (Olaria) e foram presos pelo assassinato do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos. A vítima havia denunciado os agentes no dia anterior pela prática de extorsão e ameaça. Ambos foram absolvidos do crime em 2007.

Adriano e sua mulher, Julia Lotufo
Adriano e sua mulher, Julia Lotufo Foto: Reprodução

No ano seguinte, foram presos de novo pelo antentado contra o pecuarista Rogério Mesquita, amigo e beneficiário do espólio de Maninho. Segundo a investigação, Adriano e Martins integravam uma gangue de PMs encapuzados que preparam uma tocaia para Mesquita. Na ocasião, a vítima conseguiu sobreviver porque estava com seguranças. No ano seguinte, Mesquita foi assassinado à luz do dia em Ipanema, na Zona Sul do Rio. Em 2014, Adriano e Martins foram absolvidos do atentado.

Ao longo da investigação que culminaria com a deflagração da Operação Gárgula, na semana passada, Martins foi flagrado em diversas escutas tratando de pagamentos dos seguranças da família de Adriano. Logo após a morte do chefe, durante operação policial na Bahia em fevereiro do ano passado, foi o PM que ficou responsável por providenciar a cremação do corpo. Dias depois, foi flagrado tentando se desfazer dos bens de Adriano, como novilhos e bois do Haras Modelo, que passou para as mãos de seu chefe.

Foto: Fabiano Rocha

O sargento só não foi preso na semana passada porque, dois dias antes, foi alvo de uma emboscada próximo à sua casa. Ele estava acompanhado de outro PM, o sargento Charles Romero Ribeiro, quando uma HB20 branca passou, e seus ocupantes fizeram diversos disparos. Martins morreu no local. Como seu chefe Adriano, Martins também foi homenageado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Em 2003, o PM foi condecorado com uma Moção de Louvor e Congratulações pelo hoje senador, filho do presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, Flávio afirmou que Martins “presta serviços à sociedade desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades”.

Após a morte de Martins, o perfil do 16º BPM (Olaria), unidade em que o sargento era lotado, postou, em seu perfil no Facebook, um aviso de luto: “Amante de esportes, o policial gostava de estar em contato com a natureza, surfar, mergulhar e praticar jiu jitsu. O comando do 16° BPM está prestando apoio à família”, informava o texto.



Fonte: Fonte: Jornal Extra