Baixada Fluminense é a região com mais mortes em confronto no Rio durante operações nos últimos meses; veja estudo


O aumento de mortes em ações da polícia no Rio durante a pandemia acendeu o alerta do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da ação que questiona a política de segurança pública do estado. Nesta quinta-feira, um dia após o Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgar um aumento de 179% do número de pessoas mortas em confronto em outubro em relação ao mês anterior, o magistrado deu um prazo de cinco dias para que o governo fluminense apresente as justificativas para as operações policiais realizadas de agosto a outubro.

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Desde maio, os homicídios decorrentes de ações da polícia vinham caindo seguidamente. Em junho, mês com menor número de casos no ano, foram 34 ocorrências. Em outubro, entretanto, houve uma alta, retornando assim ao patamar registrado no mesmo mês de 2019. Foram mortas 145 pessoas — quase o triplo do número de setembro.

O salto no número de mortes em outubro é resultado do aumento das operações feitas pela Polícia Militar em favelas. A avaliação foi feita por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), que divulgaram nesta quarta-feira um relatório sobre o assunto. O estudo mostra que o número de ações policiais dobrou em relação a setembro: passou de 19 para 38. Já as incursões com apenas a participação da PM subiram de 15 para 33. Na Polícia Civil, o número se manteve estável: quatro nos dois meses. No entanto, a corporação é responsável pela ação com o maior número de vítimas. Foram mortos, em 16 de outubro, 12 suspeitos de integrar a maior milícia do Rio. O confronto ocorreu em Itaguaí e teve o apoio de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

A Baixada Fluminense foi a região do estado onde as mortes em confronto mais cresceram. Na área do 24º BPM (Queimados), os casos aumentaram mais de dez vezes: passaram de apenas dois em setembro para 25 em outubro. Já na região sob responsabilidade do 20º BPM (Mesquita), subiram de três para 17.

De acordo com o relatório, assinado pelos pesquisadores Daniel Veloso Hirata, Carolina Christoph Grillo e Renato Dirk, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), o número de ações que visavam ao cumprimento de mandados de busca e apreensão diminuíram: passaram de 30% do total em setembro para 20% em outubro. O impacto dessa redução reflete no número de mortos porque, segundo os especialistas, “operações que seguem procedimentos judiciais e investigativos tendem ser menos violentas”.

O levantamento também analisa o número de operações em que aconteceram mortes e prisões. Em outubro, em 30 ações, pelo menos uma pessoa foi morta. O número tinha sido muito menor em setembro: apenas cinco. A relação entre os dois números representa uma alta de 500%. Já aquelas que resultaram em prisões não tiveram o mesmo crescimento: passaram de 30 para 45 — 50% a mais. “Tanto os dados sobre operações policiais como aqueles de letalidade policial apontam um aumento da violência policial e, simultaneamente, uma baixa produtividade policial, constatada no crescimento modesto de prisões”, concluem os pesquisadores.

Após Fachin determinar o controle das operações, o STF também formou maioria pela imposição de outras restrições à política de segurança do Rio. Os ministros votaram por impedir o uso de helicópteros nas operações em locais próximos a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde. O Supremo também não permite mais que policiais civis e militares montem bases de apoio em escolas e unidades de saúde.

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Metas são cobradas

No despacho, o ministro também determinou o envio de informações, pelo governo, sobre a criação de “metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial”. Fachin quer saber quem são os responsáveis por essas diretrizes e como está o andamento delas. As medidas são uma imposição da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou, em 2017, o Estado brasileiro por duas chacinas em operações policiais que aconteceram na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, em 1994 e 1995. Desde a sentença, entretanto, os números de mortes pela polícia no Rio vêm crescendo.

O Ministério Público do Rio, responsável pelo controle da atividade policial, também foi alvo da decisão do ministro. Fachin cobrou do órgão informações sobre as investigações abertas para apurar as mortes decorrentes da atuação de forças de segurança desde agosto. O plenário do STF determinou que, em caso de suspeita de envolvimento de policiais em crimes, cabe ao MP fazer uma apuração independente. A promotoria também deve receber todas as justificativas das polícias sobre operações e garantir o cumprimento da ordem do STF.

A determinação do ministro para que o governo e o MP prestem informações foi uma resposta de Fachin a uma petição enviada ao STF no último dia 6 pelos órgãos que entraram com a ação que questiona a política de segurança do Rio. Assinam o pedido a Defensoria Pública, movimentos sociais de favelas, mães de vítimas da violência policial e o PSB. No documento, eles solicitaram a intimação do governador em exercício Cláudio Castro, além dos secretários das polícias Militar e Civil, para que explicassem as ações na pandemia. Mas isso não foi atendido pelo relator.

Procurado, o governo do estado disse, em nota, que “as secretarias de Polícia Civil e Polícia Militar estão respeitando integralmente a decisão do Supremo e vêm comunicando as excepcionalidades diretamente ao promotor responsável pela ação no Ministério Público”. Acrescentou que “as operações realizadas são planejadas com base em informações da área de inteligência e seguem, rigorosamente, as determinações legais, priorizando sempre a preservação de vidas”. Já o MP, questionado sobre o número de investigações independentes sobre mortes cometidas por policiais instauradas desde a decisão do STF, não respondeu.



Fonte: Fonte: Jornal Extra