Aumento de 100%: Número de queimadas no Brasil dobra em um ano

A alta de queimadas no Brasil nos últimos meses resultou em um aumento de 100% de focos de calor na comparação com os dados de 2023. Segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o país já registrou 159.411 focos desde o início do ano, em 2024. No mesmo período do ano passado, a quantidade era a metade: 79.315.

Das queimadas deste ano, 50% aconteceram na Amazônia e 32% no Cerrado. Assim, os dois biomas concentram quase a totalidade do fogo do Brasil. A proporção foi muito semelhante no ano passado, nesse mesmo período (à época, 52% dos focos ocorreram na Amazônia e 33% no Cerrado).

Além disso, os 159 mil focos registrados até esta segunda-feira, 9 de setembro, já estão próximos do total de queimadas em todo o ano de 2023: 189 mil.

Veja os números

  • Focos de calor em 2023 no Brasil: 189.901
  • Focos de calor até 9 de setembro de 2023: 79.315
  • Focos de calor até 9 de setembro de 2024: 159.411 (100% de aumento)

Os três estados com mais incêndios neste ano também são os mesmos que em 2023: Mato Grosso, Pará e Amazonas. Apenas a ordem foi alterada. Ano passado, Pará era o estado com mais focos, agora é o Mato Grosso, e Amazonas segue na terceira colocação. Se o mapeamento se repete, a dimensão do fogo aumentou exponencialmente.

Ano passado, a Amazônia já havia sido afetada por uma grave seca. No período chuvoso em seguida, não houve precipitações no nível suficiente para recuperação de rios e florestas. Consequentemente, a nova seca que acontece nesse ano, que está ainda mais severa na maioria dos estados brasileiros, está causando mais queimadas.

‘O governo deveria decretar estado de emergência climática’ diz pesquisadora

A pesquisadora do Inpe Luciana Gatti afirma que a seca não é a principal culpada pela alta de queimadas, mas sim a ação criminosa em campo. A especialista, que já publicou estudo sobre como o desmatamento na Amazônia impacta na falta de chuvas em todo o Brasil, afirmou que, apesar da redução recente nas taxas de supressão, o problema ainda acontece em patamares altíssimos, e criticou a demora do governo em tomar medidas mais drásticas.

— O governo deveria decretar estado de emergência climática no Brasil inteiro, proibir qualquer desmatamento e propor projetos enormes de reflorestamento. Um plano emergencial para sobrevivência da população — explica a pesquisadora, que diz que a situação só irá se reverter com um modelo econômico mais sustentável, sem a predação ambiental do agronegócio. — De 2019 a 2022 perdemos 50 mil quilômetros quadrados de floresta na Amazônia. Depois diminuímos 40% do desmatamento, mas não reflorestamos os 50 mil. Demora muitas décadas para a floresta voltar. Agora está cada vez mais seco, quente e o fogo cada vez mais incontrolável.

Nesta segunda, Gatti foi uma das palestrantes da conferência “A Ciência de Clima e a Comunicação Social da Emergência Climática”, organizada pela Ilum Escola de Ciência, faculdade do CNPEM, em Campinas (SP). Ela apresentou resultados de sua pesquisa, que mostra que a porção leste da Amazônia está num nível de degradação que afeta bastante o regime de chuvas do Brasil.

No arco do desmatamento que pega o norte do Pará, Amapá e a área amazônica do Maranhão, a área desmatada evoluiu de 37% para 44% desde 2018, em um território de 700 mil quilômetros quadrados. Já na fronteira agrícola que vem do Cerrado, no sudeste da Amazônia, começando do norte do Mato Grosso, a floresta já está 33% desmatada.

— Metade da chuva vem da própria evapotranspiração da floresta. Se diminui a floresta, diminui a contribuição para formação de chuva. Então há um cenário de calamidade público nessa região da Amazônia, pensando nos rios voadores (corredor de umidade que vai do norte ao sul do país). Não foi só o El Niño e a anomalidade de temperatura do Oceano Atlântico que causaram a seca, mas o desmatamento acumulado também, tornando a floresta mais inflamável. E os grileiros aproveitam.

Facilitadas pelas secas, as queimadas geradas por ações criminosas se espalham pelas florestas. Especialista em Conservação do WWF-Brasil, Daniel Silva lembra que o desmatamento na Amazônia vem sendo reduzido pela a atual gestão do governo federal. Ainda assim, o nível de devastação é muito grande.

— Por isso, o fortalecimento de medidas de comando e controle precisa continuar, os órgãos de fiscalização bem como os povos originários que preservam a floresta precisam ser valorizados e apoiados — afirmou.

Nesta segunda (9) termina o prazo dado pelo STF para que o governo brasileiro apresente um plano de ações de combate às queimadas.

Fumaça se espalha pelo paí

Além da perda de vegetação, a fumaça das queimadas tomou grande parte do país. Como mostrou O GLOBO, a poluição já chegou no Sul e Sudeste do país. Isso acontece porque um forte corredor de ar desce do Norte do país até o Sul, passando inclusive por Bolívia e Paraguai, na direção do Oceano Atlântico. Depois, ele é “empurrado” para o Sudeste, devido ao ar frio do polo sul. Essa dinâmica é normalmente chamada de “rios voadores”, pois traz a umidade da Amazônia e favorece as chuvas no Centro-Sul do país. Mas, com a seca e as queimadas, o corredor vem trazendo fumaça e calor.

Henrique Bernini, pesquisador de sensoriamento remoto, diz que a fumaça da Amazônia está se espalhando pelo Peru, Colômbia e Equador. Uma situação anormal:

— Tem muita ocorrência ao mesmo tempo queimando uma vegetação que está sob efeito de uma sequência de ondas de calor — explica Bernini. — Esse cenário é de guerra. Esse tanto de fumaça é suficiente para tornar a Amazônia um dos lugares que mais contribui para as mudanças climáticas, enquanto deveria ser o lugar com maior potencial de reverter a situação.

Ar poluído

Segundo monitoramento da IQAir, empresa suíça de tecnologia de qualidade do ar, Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP), em ordem, foram as três cidades com maiores níveis de poluição no mundo, no domingo (8).

De acordo com os dados da IQAir, Porto Velho está com índice de qualidade do ar 210, o que é considerado “muito insalubre”. A empresa utiliza uma métrica que considera os seis poluentes principais da atmosfera, como partículas finas e monóxido de carbono. Os valores são padronizados pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) e varia de 0 a 500.

De zero a 50, o ar é considerado de boa qualidade. Do índice 51 ao 100, é moderado. A partir do 101, o resultado indica riscos maiores de saúde, por insalubridade. A partir do número 201, o ar é “muito insalubre”. Assim, São Paulo atingiu o nível insalubre, enquanto Porto Velho e Rio Branco alcançaram o “muito insalubre”.

Meteorologista e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa destaca que o nível de poluição se associa à degradação ambiental na Amazônia.

— Não é nenhuma surpresa (os índices), porque quando se fala poluição basicamente é em função das queimadas. É o principal agente poluidor nesse momento. Mas muito mais grave que isso é a degradação. Quanto mais degradada a área, maior a chance de as queimadas aumentarem e de ter mais poluição. A área é mais poluída porque foi mais degradada e mais desmatada.

Lula e ministros vão a Manaus

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca no final da tarde desta segunda-feira para Manaus (AM) para tratar sobre a seca que atinge a região amazônica. Lula antecipou a ida, inicialmente prevista para terça, pelo desejo de adiantar as conversas sobre o assunto que preocupa o Palácio do Planalto. Um panorama da situação da região foi levado a Lula pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que na semana passada esteve em Manaus.

O presidente viajará acompanhado de ministros da Casa Civil, Rui Costa, Defesa, José Múcio Monteiro e do Meio Ambiente, Marina Silva. Na terça, Lula ficará a região de Tefé (AM) e em Manaus fará encontro com prefeitos de municípios afetados pela seca. Está previsto o anúncio de crédito extraordinário e medidas de combate a estiagem.