Às vésperas de julgamento, famílias de vítimas de duplo feminicídio em Nova Friburgo fazem campanha por pena máxima


Pouco mais de dois anos depois do crime, a Justiça marcou, para o próximo dia 8 de fevereiro, o julgamento do engenheiro de produção Rodrigo Alves Marotti, de 33 anos. Ele é réu pelas mortes da ex-namorada, a artista plástica Alessandra Vaz, então com 47 anos, e da amiga dela, Daniela Mousinho, que tinha a mesma idade. Em outubro de 2019, as duas mulheres foram trancadas por Rodrigo no banheiro da casa em que Alessandra vivia, em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, e não resistiram aos ferimentos causados por um incêndio iniciado pelo engenheiro. Agora, as famílias das duas vítimas se uniram em uma campanha nas redes sociais que alerta sobre a violência de gênero e pede pena máxima para o assassino.

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A iniciativa partiu da cantora Andresa Vaz, de 45 anos, irmã de Alessandra. Um vídeo gravado e editado por ela, divulgado nas redes sociais, relembra detalhes do caso e traz imagens da artista plástica e de Daniela, em meio ao clamor por justiça. “Nós, das famílias de Alessandra e Dani, pedimos a todos que nos ajudem a tornar esse crime público, com repercussão nacional, para que sirva de exemplo de punição e para que crimes contra as mulheres acabem”, diz a gravação, que pede “pena máxima” para Rodrigo e continua: “Queremos justiça por elas e por todas as mulheres que sofrem diariamente com violência doméstica”.

— O que me motivou foi exatamente isso: trazer conscientização. São cinco mulheres assassinadas por dia do Brasil. Que esse crime tão cruel e brutal possa, pelo menos, gerar alguma coisa além de apenas nos causar dor — explica Andresa, que, além das lembranças dolorosas sobre a morte da irmã, também carrega na memória um encontro recente com o assassino: — Eu estive diante dele numa audiência do processo. E ele não demonstra arrependimento nenhum. Chegou a me encarar durante quase todo o tempo, impassível. E olha que ele frequentava a minha casa, tínhamos convivência. É muita frieza.

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Única filha de Daniela, a universitária Luiza Mousinho, de 21 anos, uniu-se a Andresa na divulgação da campanha. Quando a mãe morreu, ela havia se mudado há poucos meses de Friburgo para Recife, onde havia começado a cursar medicina veterinária — e onde ainda vive, seguindo adiante, aos trancos e barrancos, com os estudos. A distância, porém, não afastou as duas, que mantinham uma relação muito próxima.

Daniela Mousinho, amiga de Alessandra Vaz
Daniela Mousinho, amiga de Alessandra Vaz Foto: Reprodução / Redes sociais

— Ela foi mãe solteira a vida inteira, se separou do meu pai quando eu tinha apenas 2 anos. Embora tenha casado de novo anos depois, até esse momento éramos só eu e ela, mais ninguém. Então, não era uma relação só de mãe e filha, ela era muito íntima, de amizade mesmo. Quando recebi a notícia de que a pessoa mais importante da minha vida havia ido embora, eu desmoronei. Foi muito difícil voltar para o meu centro. E acho que nunca mais vou conseguir totalmente — conta a jovem, que também se espanta com a frieza de Rodrigo: — Ele sabia o quanto aquelas duas pessoas eram fundamentais para os outros, e mesmo assim se sentiu no direito de tirar essas vidas. Ele sabia que eu era filha única de uma mãe solteira, sabia da responsabilidade emocional que a Alessandra também tinha com a família dela, que também tinha filhos… E nada disso impediu. É desumano.

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Alessandra e Rodrigo namoraram por cerca de três anos até que, meses antes do crime, acabaram rompendo o relacionamento. Contudo, eles mantiveram a sociedade em uma marca de roupas que pertencia a Alessandra, que somava quatro lojas e uma fábrica. Daniela, amiga de longa data de Alessandra, também passou a trabalhar na empresa, e tinha uma convivência próxima com o engenheiro.

O ex-casal, porém, passou a se desentender sobre a gestão dos negócios. Alessandra sugeriu, então, comprar a parte de Rodrigo, que pediu um valor muito maior do que o oferecido para abrir mão da participação. Foi em meio a essas tratativas que ele passou a fazer ameaças contra a ex-companheira, inclusive sobre incendiar propriedades que pertenciam a ela. Ao ser preso em flagrante depois do crime, o engenheiro alegou para os policiais que Alessandra “não estaria cumprindo” com o acordo firmado após o fim da relação.

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— Era uma empresa pequena, mas que tinha um potencial muito grande. Minha irmã tinha resolvido levar a arte dela para as roupas, e estava expandindo rapidamente. Como os dois já estavam separados, ela decidiu romper a sociedade. Só que, em vez de dialogar, de negociar os termos, ele preferiu matá-la antes disso. Pra mim, a questão não era o dinheiro, mas sim o fato de que ele não queria vê-la fazendo sucesso sem que estivesse ao lado — afirma Andresa.

No dia 8 de outubro de 2019, Rodrigo foi até a casa da ex-namorada, no distrito de Mury, e invadiu o imóvel, trancando Alessandra e Daniela, que também estava no local, dentro de um banheiro. Em seguida, ele ateou fogo na construção. O assassino chegou a colocar um colchão em chamas diante da porta do cômodo para assegurar que as duas não pudessem escapar. Ele fugiu com o incêndio ainda em curso, no carro de uma das vítimas, mas acabou sofrendo um acidente.

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Vizinhos conseguiram retirar as mulheres ainda vivas da casa. Lúcidas apesar dos ferimentos, ambas apontaram Rodrigo como autor do crime. Com mais de 80% do corpo queimado, Daniela morreu no dia seguinte, no hospital. Dois dias depois, com lesões igualmente graves, Alessandra também não resistiu.

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— Estamos há dois anos aguardando esse julgamento, que até a pandemia atrasou. E seguimos intensamente revoltadas, precisamos de uma resposta dura. É claro que nada trará as pessoas que perdemos de volta, mas existe um senso de justiça de que o responsável por tirá-las das nossas vidas tem de ser devidamente punido — pede Luiza, a filha de Daniela.

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O julgamento está previsto para começar às 10h30 do dia 8 de fevereiro, no Fórum de Nova Friburgo, no Centro da cidade, e será conduzido pela juíza Simone Dalila Nacif Lopes, titular da 1ª Vara Criminal do município. Rodrigo vai ser submetido ao Tribunal de Júri, quando sete cidadãos comuns decidirão o seu destino.



Fonte: Fonte: Jornal Extra