Amigos e parentes se emocionam em adeus ao cineasta Cadu Barcellos, morto no Centro do Rio


A despedida ao cineasta Cadu Barcellos, de 34 anos, morto a facadas no Centro do Rio, no Crematório e Cemitério da Penitência, no Caju, nesta quinta-feira, foi marcada por tristeza e sentimento de perda. O crime ocorreu na madrugada de quarta-feira, quando ele deixou um carro de aplicativo após uma carona com uma amiga, ao saírem da Pedra do Sal, na Saúde. Para os parentes, há necessidade de unir forças em nome da criação do filho de Cadu, de apenas 2 anos.

— Participo da criação do Cadu desde que ele tinha 2 anos de idade, ao lado da mãe dele. Ele me considerava como um pai, e eu sinto que perdi um filho. Um grande homem que também se tornou pai e que batalhava pela família com sua esposa. Compraram casa, tinham sonhos, projetos. Agora, só resta buscar forças para exaltar e continuar o legado dele — disse William da Silva, padrasto da vítima.

O velório e o sepultamento foram reservados a família e amigos. Cadu desceu de um carro na esquina das avenidas Passos e Presidente Vargas por volta das 3h para seguir para casa, no bairro do Tanque, na Zona Oeste, quando foi abordado e esfaqueado no tórax. Ele chegou a correr até a esquina da Rua Uruguaiana, onde taxistas o socorreram e chamaram a polícia. PMs do 5º BPM (Praça da Harmonia) foram acionados, mas já o encontraram no chão sem vida.

Cacá Diegues: Cadu Barcellos, um grande cineasta

— É um grande mistério para mim como existe todo um lobby para incursão em favelas em nome da segurança, e um garoto bom, trabalhador e cheio de sonhos é morto em pleno Centro da cidade. Em uma dessas operações, meu filho foi alvejado e ficou paraplégico. Cadu esteve sempre ao lado dele. Hoje, para ele, o sentimento é de quem perdeu um irmão — desabafa Yrone Santiago.

O cineasta Cadu Barcellos, de 34 anos, foi morto após ser esfaqueado
O cineasta Cadu Barcellos, de 34 anos, foi morto após ser esfaqueado Foto: Redes sociais / Reprodução

Amigo do cineasta, o artista plástico Marcelo Augusto revela que teria um encontro marcado com o cineasta na manhã de ontem. Ele diz que não sabe qual será o futuro do projeto que fariam juntos.

— Era para ser um dia de encontro, de risos e muito afeto para discutir um projeto voltado às comunidades. E eu passei chorando a morte de um irmão que a vida me deu. É uma perda muito grande para a favela, para as causas justas e necessárias. Foi embora um exemplo de homem que batalhou para chegar aonde chegou, num país que tão pouco colabora com sua cultura, principalmente, negra — comenta Marcelo.

Campanha de arrecadação

Amigos e colegas de trabalho criaram, na tarde desta quarta-feira, uma campanha de arrecadação pela internet para dar apoio financeiro à família do jovem.

Uma das organizadoras da iniciativa é a diretora-geral do programa Greg News, no qual Cadu trabalhava há um ano, Alessandra Orofino. Ela explica que a ideia foi de arrecadar recursos para garantir os estudos do filho do cineasta. O recurso arrecadado será repassado integralmente à família, já com o pagamento dos impostos.

Ao longo do dia, amigos e coletivos sociais lamentaram a morte de Cadu Barcellos e falaram sobre a influência do cineasta nas artes e no dia a dia através de sua produção e seu engajamento.

Engajamento dentro e fora das artes

Carlos Eduardo Barcellos Sabino, de 34 anos, dedicou-se às artes para mostrar a vida real nas favelas cariocas. O cineasta Cadu Barcellos, como ficou conhecido, imprimia em seu trabalho as referências como morador do Complexo da Maré. Uma de suas obras de destaque é a participação no longa “Cinco vezes favela – Agora por nós mesmos”, de 2010, produzido por Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães, em que participou como diretor e argumentista no episódio “Deixa voar”.

Dançarino, produtor, roteirista e professor, Cadu Barcellos também voou por meio de suas produções engajadas. O longa foi escolhido para a Seleção Oficial do Festival de Cannes, em 2010, e premiado em festivais como o Biarritz, na França, e o de Paulínia.

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A vida em comunidades sempre fez parte de sua carreira. No currículo, produções como a da série “Mais x favela” (2011), do canal a cabo Multishow, na qual foi diretor e roteirista, e do documentário “5x Pacificação”, de 2012, em que assina direção e roteiro ao lado de Wagner Novais, Rodrigo Felha e Luciano Vidigal.

Por trás de suas obras nas telas, Cadu foi o criador do Maré Vive, um canal de mídia comunitária feito de forma colaborativa por moradores do Complexo da Maré. Desde os 17 anos, ele promovia cursos de internet e audiovisual em ONGs do Rio. Coordenou o projeto Jpeg, na ONG Promundo, em que liderava um grupo de jovens que promovia ações ligadas à saúde e à equidade de gênero.

Como dançarino, Cadu Barcellos participou do Corpo de Dança da Maré dirigido pelo coreógrafo Ivaldo Bertazzo, por 3 anos, com espetáculos que rodaram o país, no qual atuava e dançava.

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Ele era assistente de direção no Porta dos Fundos, no programa “Greg News”, na HBO. Em nota, a equipe do Porta dos Fundos ressaltou o talento do cineasta e disse que espera por justiça.

“Hoje nós do Porta dos Fundos acordamos profundamente tristes com a notícia do falecimento de Cadu Barcellos, um profissional amável, gentil, talentoso e dedicado, que trabalhou com a gente como assistente de direção na temporada de 2020 do programa “Greg News” (HBO). Aguardamos a apuração dessa tragédia e esperamos pela justiça, cientes de que nada pode reparar a perda da vida de uma pessoa tão jovem e querida.”

*estagiário sob a supervisão de Claudia Meneses



Fonte: Fonte: Jornal Extra