Adolescente negro é baleado e morto no Rio; e família e amigos acusam PM e protestam


Parentes de um adolescente negro de 17 anos acusam policiais militares do 16º BPM (Olaria) de terem atirado e matado o jovem na noite desta segunda-feira (4), em Cordovil, na Zona Norte do Rio. Segundo a família de Cauã da Silva dos Santos, ele teria sido baleado no peito por um PM ao deixar um evento que recebia crianças na comunidade do Dourado. Eles contam que o jovem era lutador de jiu-jítsu e luta livre há três anos, integrava um projeto social na região e não tinha envolvimento com o tráfico de drogas. Nesta manhã, parentes e amigos fazem protesto pelas ruas de Brás de Pina e Vila da Penha. Antes da manifestação, três ônibus foram incendiados na Estrada do Quitungo.

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Os parentes dizem ainda que, depois de ser baleado, o corpo do jovem foi jogado em um canal que corta a comunidade. Eles também contaram que resgataram o jovem e o levaram para o Hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha. Entretanto, ele já chegou morto à unidade de saúde.

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A família do rapaz contou que, no momento em que ele foi alvejado, não havia operação nem troca de tiros. Segundo parentes, Cauã também trabalhava em um ferro-velho e tinha o sonho de se alistar nas Forças Armadas.

A assessoria da Polícia Militar informa que equipes faziam policiamento “pela Rua Antônio João, nas imediações da Comunidade da Tinta, em Cordovil, quando criminosos armados atacaram a tiros a guarnição. Houve confronto, e um suspeito foi atingido. Com o homem, que era evadido do sistema prisional, foram apreendidos um rádio comunicador, 60 papelotes de maconha, 15 papelotes de cocaína e R$ 39, em espécie. Em continuidade a ação, os policiais seguiram até um valão próximo, onde os demais criminosos pularam durante a fuga. No córrego, foram apreendidos uma pistola calibre 9mm e três carregadores com 31 munições. Posteriormente, as equipes foram informadas de que um homem atingido por disparo de arma de fogo deu entrada no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, onde não resistiu aos ferimentos”.

Em outra nota, a PM afirma que “a 1ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) já instaurou um Inquérito Policial Militar para apurar todas as circunstâncias do caso”.

Durante protesto, Caroline Camargo da Silva, irmã de Cauã, segura a blusa que o jovem usava no momento em que foi morto com um tiro
Durante protesto, Caroline Camargo da Silva, irmã de Cauã, segura a blusa que o jovem usava no momento em que foi morto com um tiro Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

A Delegada de Homicídios da Capital (DHC) vai ouvir nos próximos dias amigos e parentes do jovem. Além disso, os militares serão intimados a prestarem depoimento. A Civil quer saber se houve ou não tiroteios. Além disso, a DHC fará uma perícia nas armas dos PMs.

Os militares foram afastados das ruas.

Manifestação e ônibus queimados

Após a morte do jovem, moradores protestam pela rua da comunidade e chegaram a atear fogo em um ônibus que circula na Estrada do Quitungo, em Cordovil, em protesto. Na manhã desta terça-feira, os moradores voltaram a protestar e novamente queimaram um ônibus.

Cerca de 100 pessoas, com faixas e cartazes, andam pelas ruas de Brás de Pina e Vila da Penha, cobrando justiça pela morte de Cauã da Silva. Viaturas da PM acompanham a manifestação. Horas antes, três ônibus já haviam sido incendiados na Estrada do Quitungo. Por segurança, a CET-Rio interditou a via. O ato é comandado pela Frente Favela Brasil.

Entre parentes e amigos do jovem que participam da manifestação, Edineise Cristina Soares, avó de Cauã, caminhou segurando a faixa laranja do uniforme de jiu-jitsu do neto e um cartaz com pedido por justiça pelo assassinato.

— Dá força para todos nós porque nós precisamos de força. Porque o que eles fizeram foi uma covardia com o meu neto. Tiraram a vida do meu neto e jogaram num rio. São covardes — disse Edineise, enquanto caminhava.

“Presente, Cauã” gritava o grupo enquanto andava pelas ruas segurando cartazes.

Caroline Camargo da Silva caminhava segurando a blusa do projeto social ao qual o jovem fazia parte e usava no momento em que foi baleado. Chorando, ela gritava:

— Mataram o meu irmão.

Um dos três ônibus incendiados na manhã desta terça-feira durante protesto pela morte de Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos
Um dos três ônibus incendiados na manhã desta terça-feira durante protesto pela morte de Cauã da Silva dos Santos, de 17 anos Foto: Divulgação

‘Jogaram o meu neto no rio’

Muito nervosa, já na porta do Hospital estadual Getúlio Vargas, Edineize Soares, avó de Cauã, desabafou à TV Globo.

— Jogaram o meu neto dentro do rio. Mas isso não vai ficar impune, pois nós não vamos deixar mais uma morte cair nas estatísticas, que são muitas. Quantas mães, quantas avós estão chorando nesse momento como eu, como a minha mãe, como a mãe dele, o meu filho, que é pai dele? — questionou.

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Nesta terça, Caroline Silva dos Santos, irmã de Cauã, disse que a PM tirou “o sonho de meu irmão” e “acabou com a minha família”, desabafou.

De acordo com a plataforma de dados Fogo Cruzado, 16 adolescentes foram baleados este ano na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dos quais cinco morreram.

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Vitórias como lutador

Um dos tios de Cauã conta que no próximo final de semana o jovem participaria de um evento mundial de luta livre. No último mês o rapaz já havia participado do Campeonato Brasileiro de Luta Livre e estava muito feliz com os treinos. Thiago Velasco diz que o sobrinho foi encurralado e alvejado por dois tiros.

— Era um evento comemorativo, com mais de 100 crianças, porque eles iriam participar de um evento de luta livre no próximo sábado e os padrinhos estavam lá pra presentear as crianças com essa festa. Tinha pula-pula na rua, cachorro-quente, doces e comidas para as crianças dentro do galpão. Não tinha problemas na rua — conta Nolasco, que completa: — O Cauã era sonhador e estava muito animado com tudo que estava acontecendo.

Ele diz que o sobrinho estava com outros jovens, voltando para casa, quando foi baleado.

— Ele estava na rua. Era um galpão, as crianças treinam e aconteceu o que aconteceu. Eles entraram atirando. Ele estava saindo do galpão para levar as crianças para casa, ele estava na viela atiraram e e jogaram o corpo dele no valão. Foram dois tiros. Alguns meninos conseguiram correr e se abrigaram dentro da casa de moradores e ele não conseguiu — conta.

Confira a nota da PM na íntegra:

“A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, na noite desta segunda-feira (4/4), de acordo com policiais do 16° BPM (Olaria), equipes da unidade realizavam policiamento pela Rua Antônio João, nas imediações da Comunidade da Tinta, em Cordovil, quando criminosos armados atacaram a tiros a guarnição. Houve confronto e um suspeito foi atingido. Com o homem, que era evadido do sistema prisional, foram apreendidos um rádio comunicador, 60 papelotes de maconha, 15 papelotes de cocaína e R$ 39,00 em espécie.

Em continuidade a ação, os policiais seguiram até um valão próximo, onde os demais criminosos pularam durante a fuga. No córrego, foram apreendidos uma pistola calibre 9mm e três carregadores com 31 munições.

Posteriormente, as equipes foram informadas de que um homem atingido por disparo de arma de fogo deu entrada no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, onde não resistiu aos ferimentos.

Como em todas as ocorrências que resultam em óbito, um procedimento apuratório foi instaurado para apurar todas as circunstâncias da ação.”



Fonte: Fonte: Jornal Extra