Rafael é analista de sistemas e, dentro da sua equipe, sempre foi reconhecido como alguém extremamente lógico e meticuloso. Quando havia problemas no projeto, ele rapidamente buscava argumentos técnicos para explicar — e muitas vezes tinha razão nos fatos.
O problema é que, enquanto usava da lógica imbatível, ele se esquecia de ouvir os colegas. Quando um deles dizia estar sobrecarregado, Rafael retrucava: — “Todos temos as mesmas horas no dia. Basta organizar melhor.” Quando alguém reclamava de prazos curtos, ele dizia:
— “Se tivermos foco e disciplina, é possível entregar.”
Racionalmente, parecia correto. Mas, emocionalmente, Rafael se tornava distante, frio e até insensível. Com o tempo, os colegas começaram a evitá-lo. Ele era competente, mas ninguém queria dividir frustrações ou pedir ajuda, porque sabiam que receberiam uma resposta lógica — e não apoio humano.
O choque veio quando sua chefe chamou para conversar: — “Rafael, sua lógica é brilhante, mas sua lógica exagerada está prejudicando o clima da equipe. Voc~e precisa aprender a ouvir e não só justificar ou explicar.” Foi nesse momento que ele percebeu que o hiper-racional o estava sabotando: ao tentar sempre ter razão, ele estava perdendo a chance de se conectar e ser valorizado como parceiro de time.
Quando a lógica vira armadilha
A lógica e a razão são grandes aliadas nas nossas vidas, mas quando se torna a única lente de interpretação do mundo e passam a dominar todas as decisões e interações, elas deixam de ser virtudes e se transformam em armadilhas. O chamado sabotador hiper-racional faz com que a pessoa negligencie emoções, sentimentos e até a intuição — tanto a própria quanto a dos outros. Faz a pessoa acreditar que tudo precisa de explicação, comprovação ou lógica imbatível. O resultado? Relações frias, dificuldade de conexão humana, incapacidade de lidar com incertezas e, muitas vezes, solidão. O excesso de razão cria uma barreira contra a conexão humana.
Como identificar o sabotador hiper-racional
Você já ouviu alguém dizer: “Eu só confio nos fatos” ou “Sentimentos não resolvem problemas”? Essa é a voz interna típica do hiper-racional que parece protetora, mas acabam limitando pessoas que:
- Precisam justificar cada escolha com argumentos racionais, mesmo as mais simples.
- Dificilmente falam sobre sentimentos, preferindo “explicações técnicas” até para questões pessoais.
- Em discussões, buscam vencer com lógica, e não se conectar com o outro.
- Costumam ser vistas como frias, distantes ou inacessíveis.
No dia a dia, esse sabotador aparece em situações como, por exemplo, num colega que não entende porque “as pessoas levam tudo para o lado pessoal” no trabalho, profissional que prepara relatórios perfeitos, mas não consegue se aproximar da equipe e como a pessoa que, em um relacionamento, responde com estatísticas em vez de carinho.
De onde vem esse comportamento?
O hiper-racional geralmente nasce como um mecanismo de defesa. Muitas vezes, a pessoa cresceu em ambientes onde sentir era visto como fraqueza. Em outros casos, é uma forma de se proteger de frustrações emocionais. Assim, a lógica passa a ser um escudo. O problema é que, com o tempo, o escudo se transforma em muro.
Passo a passo prático para calar o hiper-racional
O primeiro passo é perceber que emoções não são inimigas da lógica — pelo contrário, complementam-na. É preciso aprender a ouvir, sentir e validar tanto os próprios sentimentos quanto os dos outros. Algumas práticas que ajudam:
- Identificar os sinais de que o sabotador está no comando: Normalmente, isso acontece quando você sente a necessidade imediata de explicar tudo de forma lógica, dar justificativas ou buscar a resposta mais “correta”, mesmo em situações que pedem apenas presença. Quando perceber essa pressa em racionalizar, faça uma pausa e pergunte a si mesmo: “O que estou tentando evitar sentir?”
- Use o corpo como aliado: Em vez de responder de imediato, respire fundo, solte a tensão dos ombros e dê espaço para perceber não só o que você sente, mas também o que a outra pessoa pode estar sentindo. Essa simples pausa ajuda a calar a voz automática da lógica.
- Validar o outro antes de recorrer à lógica: Em vez de apresentar uma solução ou argumento, experimente reconhecer o que a pessoa está vivendo com frases simples, como: “Imagino que isso seja difícil” ou “Entendo a sua preocupação”. Esse gesto desarma o hiper-racional porque mostra que você não precisa ter a resposta perfeita sempre.
- Praticar pequenas doses de vulnerabilidade: Isso pode ser feito compartilhando algo pessoal, mesmo que seja um detalhe simples do seu dia ou uma sensação que geralmente você não diria. Ao fazer isso, você prova a si mesmo que não precisa estar sempre blindado pela lógica.
- Equilibrar razão e emoção de forma consciente: Reserve alguns minutos do dia para refletir não apenas sobre o que “faz sentido”, mas também sobre o que “faz você se sentir bem”. Esse exercício ajuda a criar um espaço interno onde emoção e lógica podem conviver.
- Treine o silêncio ativo: Isso significa ouvir sem rebater, sem ter a obrigação de dar uma resposta imediata ou uma explicação racional. Muitas vezes, apenas estar presente e atento já é o suficiente para fortalecer a conexão. Essa prática é um antídoto direto contra o impulso do hiper-racional, que sempre quer ter a última palavra.
Razão e emoção podem andar juntas
Quem aprende a calar o hiper-racional descobre uma nova forma de viver. As relações ficam mais leves e profundas, a comunicação melhora, e até as decisões profissionais se tornam mais completas, pois passam a considerar o fator humano. O hiper-racional acredita que sente menos, mas, quando se abre, percebe que sentir não enfraquece — fortalece.
Se você se reconheceu nesse sabotador, saiba que não precisa escolher entre razão e emoção. É possível ter ambos. A lógica é uma ferramenta poderosa, mas não pode ser sua única linguagem. Dê espaço para sentir, conectar e viver de forma mais completa. Calar o hiper-racional é abrir a porta para relacionamentos mais ricos, escolhas mais equilibradas e uma vida menos solitária.
Jornal da Região