“O Emocional de um comércio”, por Amanda de Moraes


Comércios de bairro, para muitos, são como um ente familiar. A vendinha do seu Francisco, a quitanda da dona Maria, a padaria do seu Antônio alegram a vida de muita gente, ainda que não pensem muito nisso. É comum ao ser humano dar valor quando não se tem mais.

Esses pequenos estabelecimentos estão muito além do ganha-pão do seu dono e da satisfação do cliente pelo serviço prestado. Fazem parte do patrimônio da cidade, da identidade local e da rotina de muitas pessoas. Na alegria ou na dor, pedir um bom café coado tem o sentido do afeto.

Mais intimistas, as microempresas locais fazem com que muita gente se sinta pertencente ao meio. Naqueles dias solitários, a conversa fiada com o dono e o bom-dia aos atendentes traz o acolhimento. Ouvir “tudo bem com você?”, somado a nome e sobrenome, é uma noção fina de comunidade.

Se a semana foi apertada, dá até para comprar fiado: “Anota aí, que depois eu pago.” Aliás, o dono do comércio foi colega de escola do cliente; ambos quando voltavam às suas casas, depois das aulas,  paravam ali em frente à vendinha da família.

Nesses locais, o serviço tem imperfeições. Como autênticos seres humanos, todos se deixam levar, vez ou outra, por pitadas de mau humor. Ainda assim, ter do que reclamar já preencheu muitos dias monótonos por aí.

Porém, o mundo atual insiste em acelerar, robotizar, trocar o afeto por códigos de barras e mercadorias diversificadas. O bom-dia da dona Nair, da padaria da esquina, logo é trocado por um letreiro gigante de alguma filial. A farmácia do Seu Luiz, passada de geração a geração, logo é engolida por filiais de grandes corporações.

Os nomes dos fregueses, num piscar de olhos, se transformam em senhas: “Número 84, dirija-se ao balcão!” É o progresso, dizem por aí.

Nesse turbilhão, o atendente foi substituído por caixas automáticos. Sinal dos tempos: as confeitarias, em pleno 2025, podem ser feitas por robôs incansáveis, sem quaisquer direitos de um CLT. Não sobra nem para o pão de queijo, que pode ser hoje encontrado em alguma franquia descolada, com o mesmo sabor, no Rio, São Paulo ou alguma outra capital.

Os seres humanos sentem-se sozinhos, apesar de viverem em multidão. Para sanar a angústia da vida, consomem mais. Financia-se a mecanização da vida, em um círculo vicioso: impessoalidade, conforto, estilo e velocidade.

Exagero ou fato? Comércios de bairro são mais raros. Relacionamentos priorizam conversas via WhatsApp (não se atreva a sair do grupo da família); cartas de amor já são expostas em museu. Tudo é tão acelerado que um emoji é capaz de dizer: “Estou passando mal de um resfriado e preciso dormir.”

Na visão de muitos, progresso real é manter as relações humanas. É reivindicar uma vida com afeto. É prezar por conexão com a comunidade. É entender que o café coado e uma fatia de bolo não tão perfeitos esteticamente tem o seu valor. Comércios de bairro são muito mais do que comércios de bairro.

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de MoraesAmanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes



Jornal da Região