O projeto para o novo marco fiscal do país já está pronto para começar a tramitar na Câmara dos Deputados, com a previsão de que possa ser votado no plenário na próxima semana.
O relator do texto na Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou na terça-feira (16) o seu substituto para o texto, com as alterações feitas sobre a proposta original apresentada pelo governo em abril. É esta versão que deve agora ser debatida e aprovada pelos parlamentares.
Entre as alterações, estão contrapartidas e gatilhos de contenção de gastos mais duros para o caso de descumprimento das regras anuais de resultado primário, além de tornar os cortes do orçamento obrigatórios novamente ao longo do ano caso o saldo nas contas do governo esteja se encaminhando para ficar pior do que a meta estipulada.
A nova versão do deputado para a proposta do governo, entretanto, manteve praticamente intacto um dos núcleos do projeto apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: justamente, os mecanismos que definirão o novo teto de gasto.
“É um arcabouço bem mais complexo”, diz o economista especializado em contas pública Murilo Viana.“Algo complexo demais dificulta a transparência e a fiscalização, mas não tinha muito como fugir, se não, também, fica muito simples e pode perder a aderência com a realidade, como acabou acontecendo com o teto de gastos”, acrescenta.
Para a diretora do Instituto Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, os mecanismos para a correção do teto, como ficaram na versão final, são um exemplo disso.“A regra original do Executivo já era complexa e, com os mecanismos que eles [deputados] colocaram, ficou ainda mais complexo”, disse. “Isso piora os instrumentos de monitoramento.”
Como fica a trava para os gastos
O novo marco fiscal foi apresentado pelo governo no mês passado e tem o objetivo de ser a nova legislação do país a controlar o crescimento das despesas e da dívida pública, no lugar do atual teto de gastos.
O teto de gasto atual, em vigor desde 2017 no país, permite o aumento das despesas do governo apenas pela inflação, o que, na prática, congela os gastos em termos reais.
Com a nova proposta, o governo continuará tendo um limite anual acima do qual não poderá gastar, seguindo o mesmo conceito introduzido em 2017 pelo teto de gastos.
O novo teto, entretanto, é menos rígido e um pouco mais complexo.
Ele passa a atrelar o tamanho do aumento dos gastos ao avanço das receitas, e não só permite, como obriga as despesas a terem sempre um crescimento mínimo acima da inflação. Por outro lado, estipula também um limite máximo para esse reajuste.
Pela proposta, o gasto previsto no Orçamento para um determinado ano será sempre reajustado pela inflação do ano anterior – como era o teto de gastos original – mais uma pequena variação, limitada a um piso e a um teto de reajuste.
Essa banda fica estipulada em um piso de crescimento de 0,6% e um máximo de 2,5%, já considerados as correções acima da inflação.
Dentro desta banda, a correção não poderá ser maior do que 70% do crescimento da arrecadação do governo no ano anterior, também considerado o quanto a receita cresceu acima da inflação.
Por exemplo:
- Se a arrecadação do governo crescer 3% além da inflação, os gastos de 2024 poderão crescer a inflação mais 70% desses 3%, ou seja, mais 2,1%.
- Se a arrecadação federal cair 1% nos 12 meses até junho de 2023, os gastos previstos para 2024 serão reajustados pela inflação mais o reajuste mínimo garantido de 0,6%.
- Se, por outro lado, a arrecadação crescer 5% mais que a inflação, os gastos poderiam, em teoria, ser aumentados em até 70% disso, ou seja, em 3,5% além da inflação. A regra, porém, limita esse crescimento real ao máximo de 2,5%.
Isso significa que o gasto de cada ano nunca será menor que o ano anterior, como chegou a acontecer depois do teto de gasto.
Mas significa, também, que, quase sempre, os gastos crescerão menos do que a receita. A exceção serão os anos em que a arrecadação caia ou cresça menos do que 0,6% além da inflação.
A inflação usada, já considerada a versão atualizada pelo relator, será a variação do IPCA, índice oficial de preços do país, em 12 meses até junho do ano anterior – exatamente como era feita a correção do teto de gastos original.
Isto porque o Orçamento para o ano seguinte deve ser sempre apresentado até agosto pelo governo.
Mas, em um novo ajuste adicionado ao texto pelo relator, o governo poderá, ao fim do ano, ampliar o teto previsto no orçamento para o ano seguinte caso a inflação até dezembro acabe maior do que aquela observada e aplicada até junho.
Este novo teto “inflado”, porém, não valerá para a correção do teto de gasto do ano seguinte.
Tanto a correção pela inflação quanto do adicional de aumento real, depois, serão aplicados sobre o valor menor do teto, calculado originalmente pela lei orçamentária apresentada em agosto, com a inflação de junho.
A ideia é corrigir uma distorção que foi comum nos anos de vigência do teto de gasto: o limite para as despesas do governo cresciam pela inflação de junho, mas o reajuste do salário mínimo, que é doutrinado pela Constituição, deve seguir a inflação do ano completo, em dezembro.
O salário mínimo, porém, é a base para alguns dos maiores gastos do governo, como aposentadorias, pensões, BPC, abono salarial e seguro desemprego.
Um aumento maior para ele significa que todas essas despesas crescerão mais do que o previsto no Orçamento, obrigando o governo a cortar em outras frentes para conseguir manter tudo sob o teto de gasto estipulado.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2020: a inflação até junho e a ampliação do teto de gastos para 2021 foi de apenas 2,1%, mas a inflação até dezembro, o salário mínimo e todos os benefícios sociais subiram 5,3%, o que “engoliu” a verba disponibilizada para outras frentes.
O descompasso levou a uma revisão na metodologia da conta pelo governo, no que foi o primeiro de uma série de remendos que vieram depois na lei do teto de gastos e que renderiam a sua morte lenta até aqui.
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