MPF impulsiona recuperação ambiental e economia leiteira com apoio a projeto pioneiro em Minas Gerais – Notícias das Praias


Diante dos desafios impostos pelo desastre de Mariana, famílias buscam práticas regenerativas para retomar produção de forma sustentável

 

No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, operada pela Samarco Mineração no município de Mariana (MG), cedeu ao peso de quase 60 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro. A lama inundou duas comunidades e rapidamente atingiu o Rio Doce, deixando 19 mortos e um rastro de destruição ao longo de todo o caminho até o mar, no litoral do Espírito Santo.

Entre as vítimas deste que foi o maior desastre ambiental do Brasil e um dos mais impactantes do mundo, estão inúmeros pequenos e médios produtores que viviam da agricultura e pecuária familiar às margens do Rio Doce. Atingidas pela lama contaminada por materiais pesados, as propriedades nunca mais conseguiram voltar a produzir como antes, mas este problema vem sendo enfrentado com a expertise de pesquisadores e o apoio do Ministério Público Federal (MPF).

Em um esforço contínuo para superar os impactos ambientais da mineração e promover o desenvolvimento sustentável, o MPF fomenta um projeto que busca transformar a cadeia produtiva do leite na região devastada pelo rompimento da barragem de Fundão. Intitulado “Intensificação de Sistemas de Produção de Leite a Pasto para Melhorar o Balanço de Carbono em Regiões Impactadas por Rompimentos de Barragens de Mineração”, o projeto de extensão busca trabalhar pela recuperação das pastagens degradadas e colaborar para o controle da emissão dos gases de efeito estufa na pecuária leiteira.

A iniciativa figura entre 14 projetos de pesquisa contemplados pelo primeiro edital do programa Participa Minas, formatado a partir de uma parceria entre o MPF, a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Fundação Arthur Bernardes (Funarbe) para a produção de conhecimento científico dedicado ao desenvolvimento sustentável e à prevenção, mitigação e correção dos impactos da mineração em Minas Gerais.

“É uma satisfação para o Ministério Público Federal apoiar este projeto que diminui a emissão de gases que provocam as mudanças climáticas. É a demonstração de que atuar extrajudicialmente – com a mudança de comportamento e a indenização por condutas irregulares – e reverter os resultados para a população afetada pode mudar a vida dos atingidos e trazer ganhos para toda a sociedade”, afirma o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que atuou na concepção e hoje faz o acompanhamento do programa Participa Minas no MPF.

O programa, com execução prevista entre 2024 e 2026, foi viabilizado a partir de recursos de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2022 com a Samarco, em razão do descumprimento do prazo estabelecido pela Lei Estadual 23.291/2019 para a descaracterização (desativação) das barragens Germano e Cava do Germano.

Na ocasião, a Samarco assumiu uma obrigação de mais de R$ 116,27 milhões, dos quais 20% seriam destinados a projetos socioambientais e socioeconômicos indicados pelo MPF e pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A quantia de R$ 1,4 milhão, correspondente a 10% da parcela anual de 2023 sob indicação do MPF, foi direcionada ao Participa Minas.

MPF impulsiona recuperação ambiental e economia leiteira com apoio a projeto pioneiro em Minas Gerais – Notícias das Praias

O projeto “Intensificação de Sistemas de Produção de Leite a Pasto para Melhorar o Balanço de Carbono em Regiões Impactadas por Rompimentos de Barragens de Mineração” surge como uma resposta direta à devastação causada por desastres como o rompimento da barragem de Fundão. A iniciativa, coordenada pela professora doutora Polyana Pizzi Rotta, docente da UFV, foca na avaliação do impacto de práticas regenerativas no solo e nas pastagens sobre o balanço de carbono na produção de leite em 35 propriedades leiteiras diretamente afetadas pelo desastre de Mariana.

“Se o sistema de pastejo estiver degradado, você vê um pasto muito baixinho ou até mesmo o solo exposto. Essa falta de material verde e de raiz faz com que não haja a captação do carbono que está na atmosfera”, explica a professora Polyana. O projeto propõe reverter esse cenário, fomentando a melhoria dos pastos com adubação e manejo correto do gado, o que resulta no aumento da fixação de carbono no solo e nas raízes das plantas forrageiras.

Foto: Comunicação/MPF/MGA equipe do projeto conta com sete docentes de quatro universidades federais do estado: UFV, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), além de 15 estudantes da graduação e da pós-graduação das instituições e dois técnicos.

Após a seleção das propriedades – que devem ter sido impactadas diretamente pelos rejeitos, usar predominantemente o sistema de produção a pasto, possuir pastagens degradadas e ter o compromisso do produtor em adotar os manejos propostos –, a equipe coletou amostras de solo para análise de carbono. As amostras foram analisadas no laboratório de solos da UFV e, a partir dos achados, as recomendações são feitas, levando em consideração as peculiaridades de cada propriedade.

“Essas recomendações vão desde uma calagem, que é jogar o calcário no piquete, até a adubação, a implementação de um pasto novo, porque às vezes o pasto que ele tem não serve, não vai crescer, está todo degradado”, conta a professora. A equipe realiza visitas técnicas às propriedades, auxiliando os produtores in loco. “A gente passa para ele qual é a semente da melhor gramínea para aquele solo, para aquele relevo, para aquela região, a gente explica para ele como é esse procedimento de plantio”, relata Polyana.

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O projeto não se limita a fornecer assistência técnica; ele também realiza o inventário das emissões e remoções de gases de efeito estufa (GEE) da atividade leiteira, considerando o consumo de energia, uso de fertilizantes, combustível e dados do rebanho para calcular o metano de fermentação entérica e o manejo de dejetos. O objetivo é aumentar as remoções de carbono e, por consequência, reduzir o balanço de carbono da atividade pecuária.

A voz dos produtores: desafios e esperança

A realidade dos produtores rurais em regiões afetadas pela lama é complexa e desafiadora, marcada por perdas incalculáveis e uma luta diária para reaver suas vidas e a produtividade de suas propriedades. Para eles, o projeto vai além da redução da pegada ecológica da produção leiteira: ele traz consigo a esperança de um futuro melhor.

Rafael Arcanjo, do sítio Ocidente, em Gesteira, Barra Longa, relembra o cenário desolador: “Ficamos ilhados por 9 dias, 5 dias sem luz, e o lugar onde a lama passou, a terra não corresponde, não produz igual antes”. Para Miguelito Teixeira, produtor rural do município de Conselheiro Pena, as consequências do rompimento de Fundão também repercutem até hoje, quase uma década após o desastre.

“A gente tem enfrentado grande dificuldade de voltar a produzir nessa área que foi afetada pela lama da barragem. A perda de pastagem e os altos índices de contaminação com ferro e metais pesados impedem que a planta se desenvolva e isso afeta diretamente a nossa produção. A gente tem uma despesa maior com outros insumos, com ração, com fubá, com sal mineral, para que o gado continue a produzir”.
Miguelito Teixeira, produtor rural

O testemunho de Maria Célia Albino de Andrade, da Fazenda da Pedreira, também em Conselheiro Pena, é particularmente tocante. Sua propriedade, outrora referência na região e parte do programa Balde Cheio, foi completamente devastada. “A nossa terra era uma terra muito boa. Eu sentia muito orgulho de falar isso, porque o Vale do Rio Doce era a segunda melhor terra do mundo”, conta.

Após a lama, o fósforo no solo, que antes estava em níveis ideais (33), hoje fica entre 2 ou 3, enquanto os níveis de ferro e alumínio dispararam.

“Eu não aguentei, tive depressão, só chorava, tomando remédio contra ansiedade. Uma propriedade que era referência aqui na nossa região, que eu tinha orgulho de mostrar para todo mundo e hoje eu sinto até vergonha. A primeira coisa que fiz foi tirar a placa de unidade demonstrativa”, relata Maria Célia.

Cumprindo medida judicial, hoje a Samarco oferece silagem de milho para complementar a alimentação dos rebanhos de propriedades afetadas, mas isso tem data para acabar: 2026 – o que aumenta a urgência da recuperação das pastagens.

Foto: Comunicação/MPF/MG

A chegada dos pesquisadores às propriedades foi recebida com expectativas de mudanças para os produtores. Adenilcio Santana Guerra, da fazenda Rio Doce, em Governador Valadares, que teve 56 hectares de sua propriedade diretamente impactados, expressa o desejo de retomar a atividade: “Eu tenho muita vontade de voltar a mexer com leite. Esse novo projeto, com o pessoal que está agora nos atendendo aqui, é muito importante. Fizeram análise no solo, viram que o solo está fraco, precisa de calcário, precisa de gesso, uma adubação no plantio, uma adubação de cobertura. Então realmente eles sabem o que fazer”, conta.

Maria Célia também expressa grande esperança com o apoio do projeto. “Minha expectativa maior é ver a minha terra produzir, o meu gado produzir e eu conseguir trazer meu filho – porque nossa agricultura é familiar, eu trabalhava com meus filhos e marido aqui – e falar com ele, ‘olha, está entregue aqui da forma que eu recebi para trabalhar e vamos continuar trabalhando que agora ela produz. Você vai viver disso aqui também’”.

Inovação e replicabilidade

O projeto tem uma visão de futuro, buscando desenvolver um modelo replicável de produção de leite a pasto com menor balanço de carbono. Essa abordagem é crucial, pois, como a professora observa, “para isso se replicar, o produtor precisa ver vantagem econômica. E a vantagem econômica se dá no pagamento do preço do leite”. Atualmente, os produtores não são bonificados por produzir leite com menor pegada de carbono, mas a tendência do mercado global aponta para um futuro onde a sustentabilidade será um critério de pagamento.

Pesquisas recentes, como o primeiro Inventário do Ciclo de Vida (ICV) do leite bovino in natura produzido no Brasil, realizado pela Embrapa e pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), mostram que já é possível produzir leite com baixa pegada de carbono em condições brasileiras.

Enquanto a média mundial de emissão é de 2,14 kg de CO2e por quilo de leite, algumas fazendas brasileiras já atingem cerca de 0,85 kg de CO2e/kg de leite. Isso demonstra que as práticas que o projeto busca implementar em Minas Gerais estão alinhadas com as tendências e metas globais de sustentabilidade, incluindo os objetivos pactuados pelo Brasil na COP26.

A agenda ESG (Environmental, Social and Governance) pressiona as empresas a adotarem modelos de gestão íntegra e sustentável, e os consumidores exigem produtos que garantam bem-estar animal e ambiental. Dessa maneira, o projeto está preparando os produtores para essa realidade, treinando-os e capacitando-os a produzir um leite com menor impacto ambiental.

Além disso, o envolvimento dos estudantes de graduação e pós-graduação, muitos deles voluntários, garante a formação de uma nova geração de profissionais com cultura ambiental, aptos a atender às demandas de sustentabilidade do mercado.

Selo de Sustentabilidade

Um dos resultados inovadores e estratégicos pretendidos pelo projeto é a criação de um selo de sustentabilidade para produtores com menor balanço de carbono. A ideia é formar uma associação entre os 35 produtores participantes e, após a comprovação da baixa emissão de carbono por litro de leite produzido – seguindo as recomendações técnicas do projeto –, emitir um laudo e conceder o selo a quem produzir menos carbono do que a média nacional.

Esse reconhecimento visa ser um diferencial de marketing e um instrumento para o setor lácteo reconhecer e bonificar financeiramente os produtores que adotam práticas mais sustentáveis. Embora a concretização do selo e da bonificação dependam de desdobramentos futuros e do engajamento do mercado, o projeto já lança as bases para que os produtores mineiros estejam preparados para as exigências de sustentabilidade que se consolidam no cenário global.

Contagem regressiva –  Até o dia 9 de novembro, véspera do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará, serão publicadas 50 matérias sobre a atuação do Ministério Público Federal na proteção do meio ambiente, das populações mais vulneráveis e dos direitos humanos. Acompanhe a contagem regressiva diariamente, no nosso site!

 

*Reportagem: Comunicação/MPF/MG



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