Justiça argentina acusa médica brasileira em caso de morte de modelo ao cair de prédio em Buenos Aires



A polícia argentina indiciou nesta semana uma médica brasileira no caso da morte de outra brasileira, a modelo Emmily Gomes, que caiu do sexto andar de um apartamento em Buenos Aires em 2023.
A médica Juliana Magalhães Mourão foi indiciada por ter abandonado a amiga em vez de socorrê-la, principalmente por ser médica, disse a polícia do país.
O empresário argentino Francisco Sáenz Valiente, dono do apartamento de onde Gomes caiu e suspeito de ser o responsável pela morte, também passou a ser acusado de abandono de pessoa pela polícia.
Nesta terça-feira (26), será realizada uma audiência para definir se a tornozeleira eletrônica do empresário será retirada. Para a parte reclamante, Francisco Sáenz Valiente e Juliana Mourão são autores do crime contra Emmily Rodrigues Santos Gomes.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Até agora a médica brasileira, Juliana Magalhães Mourão, era testemunha no episódio da morte da modelo brasileira, Emmily Gomes, de 26 anos, que caiu do sexto andar, numa altura de 21,5 metros, em 30 de março de 2023. Nesta segunda-feira (25), Juliana Magalhães Mourão foi indiciada por abandono de pessoa por não ter pedido socorro para a amiga quando podia.
“Durante todo o processo, a defesa evidenciou uma obsessão por manter Juliana como testemunha porque era a única defesa de Sáenz Valiente. Juliana tinha uma relação estável de amante do empresário que lhe oferecia mulheres. Era a única na qual ele confiava. O indiciamento rompe a estratégia da defesa e permite apontarmos para a nossa convicção de que a morte de Emmily foi um homicídio entre duas pessoas. Juliana não foi cúmplice nem encobriu. Foi coautora”, afirma à RFI a advogada Raquel Hermida, representante do pai de Emmily, Aristides da Silva Gomes.
Juliana será interrogada no dia 4 de dezembro. A Promotoria limita-se à acusação de abandono de pessoa, mas a parte reclamante pretende mais do que isso.
“O Caso de Juliana seria feminicídio e abuso sexual. Procuramos isso. Porém, mesmo se condenada por abandono de pessoa, uma médica pode perder o direito de exercer a profissão”, indica Raquel Hermida, considerada uma eminência em delitos com perspectiva de gênero e contra a integridade sexual.
Por outro lado, nesta terça-feira (26), o empresário Francisco Sáenz Valiente vai pedir que lhe retirem a tornozeleira eletrônica que usa desde junho de 2023. A decisão pode levar cinco dias úteis. A retirada da tornozeleira e o indiciamento de Juliana se cruzam na visão da reclamante.
“Se o juiz decidir retirar a tornozeleira e houver um indiciamento mais grave, corremos risco de uma fuga por parte do empresário Sáenz Valiente. Com o indiciamento de Juliana, ele vai-se sentir desprotegido. Existe risco de fuga e de obstrução da Justiça”, desconfia Hermida.
A acusação contra Juliana Mourão e Francisco Sáenz ValienteNesta segunda-feira (25), o empresário preferiu não responder à ampliação do interrogatório que lhe acrescenta a acusação por abandono de pessoa às figuras legais de homicídio culposo com fornecimento de drogas proibidas e facilitação de domicílio para consumo. O empresário também estava indiciado pelo porte ilegal de arma.
“O indiciado organizou um encontro no seu domicílio particular, em coordenação com Juliana Magalhães Mourão, que facilitou a presença de mulheres para que lhe fornecessem serviços sexuais em troca de dinheiro. Nesse contexto, Sáenz Valiente facilitou cocaína e cocaína rosa, distribuída em pratos ou livros para que se consumissem as quantidades que desejassem”, diz a ata da ampliação do interrogatório à qual a RFI teve acesso.
“Entre as 7h e as 9h18 (horário da queda), continuou com o fornecimento de drogas e de bebidas alcóolicas à Emmily, apesar do grau de ausência de autodeterminação que ela possuía. E não deu assistência nem procurou a assistência médica que a danificada requeria”, afirma o texto.
No dia 30 de março de 2023, a modelo brasileira Emmily Gomes caiu do sexto andar no pátio interno do apartamento do empresário Francisco Sáenz Valiente.
O exame toxicológico indicou consumo de drogas como álcool, maconha, MDMA, cetamina e cocaína.
O empresário foi inicialmente acusado de feminicídio, ficando preventivamente preso por três semanas, em abril de 2023. Em junho, a Promotoria preferiu a acusação de homicídio culposo com fornecimento de estupefacientes e facilitação de local para consumo.
Agora, ele é também acusado de abandono de pessoa porque as drogas fornecidas durante longas horas levaram a um quadro cujo desenlace poderia ter sido evitado se tivesse chamado socorro. Passaram-se mais de duas horas entre os sintomas e a morte de Emmily.
Cenário sexualizadoEssas acusações da Promotoria estão baseadas nos testemunhos dos presentes no apartamento. Além de Francisco e Juliana, outras duas mulheres que se retiraram antes da queda de Emmily, Lía Figueroa Alves e Dafne Gutiérrez.
“A danificada teve uma descompensação psiquiátrica que durou, pelo menos, duas horas, período durante o qual foi abandonada por Francisco Sáenz Valiente e por Juliana Mourão. Esta situação de perigo concreto na saúde da vítima, que atingiu um estado de excitação psicomotora criada pelo fornecimento de estupefacientes por parte do indiciado, determinou que Emmily caísse pela janela do sexto andar”, entende a acusação.
“Durante o lapso de tempo no qual Emmily manteve esse estado de alteração psíquica, arriscado para si e para terceiros, tanto Sáenz Valiente quanto Magalhães Mourão decidiram continuar com a reunião sem pedir assistência médica necessária”, continua a acusação.
“Tudo isso transcorreu num contexto sexualizado no qual Emmily estava seminua no quarto de Sáenz Valiente, onde havia também preservativos usados, brinquedos sexuais, uma cama para massagens, entre outros elementos de conotação sexual. Saénz Valiente estava de cueca ou de calção com o tronco nu, enquanto escutavam música e consumiam drogas e álcool”, descreve a Promotoria.
Pedido de socorro só veio quando os vizinhos perceberam“Juliana Magalhães Mourão e Francisco Sáenz Valiente mantiveram o domínio do que acontecia no apartamento e continuaram com o encontro, em vez de atenderem a saúde da vítima. Somente meia hora mais tarde, às 9h09 e às 9h13, os indiciados se viram forçados a pedirem assistência quando o surto que Emmily padecia, agravado pela privação de atendimento, era advertido pelos vizinhos. Quase ao mesmo tempo das chamadas de Sáenz Valiente, vários vizinhos escutaram os gritos de Emmily e telefonaram ao 911 (Emergências). Emmily já estava num estado de desespero eufórico, de terror e de pranto, pedindo socorro aos gritos”, detalha o escrito.
“As ações de auxílio concretas por parte de Francisco Sáenz Valiente e de Juliana Magalhães Mourão, ao serem tardias, privaram Emmily de uma assistência médica que poderia ter salvo a sua vida”, conclui a acusação.
No texto, o Ministério Público esclarece que “a parte reclamante possui outra hipótese para o caso que difere desta da Promotoria”.
Em diálogo com a RFI, a parte reclamante descreveu a sua hipótese: “Foi um crime para se desfazerem de Emmily depois de um abuso sexual. Emmily não foi até o apartamento para ter relações sexuais. Francis Sáenz Valiente tinha uma obsessão por ela. Ele a seguia sem sucesso. Ela não quis ter sexo e isso a colocou numa situação na qual lhe injetam droga. Esses furos de injeção foram encontrados. Ela grita que foi furada. Ela grita quando lhe injetam droga e pede ajuda. Eles a colocaram num estado de alteração psiquiátrica. Ela não estava drogada quando chega ao apartamento e cai inconsciente”, interpreta Raquel Hermida.
“Se Emmily tivesse dado o consentimento, estaria viva”, conclui a advogada.



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