No dia 24 de abril o Hospital de Cantagalo completou 150 anos de fundação. É uma história de um século e meio de lutas, sofrimentos, batalhas e vitórias, sendo o hospital mais antigo da nossa região e, talvez, do estado do Rio de Janeiro.
Sua história é belíssima. Em 1872 Cantagalo era o maior produtor de café da província fluminense, com uma extensão territorial de 7.000 Km², dez vezes maior que sua atual configuração geográfica. Os nobres ficavam cada vez mais ricos graças ao trabalho dos infelizes escravos arrancados da África, transportados nos porões dos navios negreiros e vendidos como mercadoria nos portos do Brasil; levados para os piores serviços nas lavouras e nas minas de ouro. Crime do qual jamais seremos absolvidos.
Esses escravos quando envelheciam, adoeciam ou ficavam inválidos eram abandonados na periferia de Cantagalo ou das vilas de nosso município por alguns senhores desumanos, onde passavam a sobreviver graças a caridade popular, morrendo a maior parte delese sendo sepultados como indigentes pelo poder público.
Nessa época duas lojas maçônicas existiam em Cantagalo, Ceres e Confraternidade Beneficente. Seus membros preocupados com situação tão degradante e tão desumana resolveram criar uma instituição que acolhesse esses infelizes seres humanos abandonados; todavia surgia um grande obstáculo, a falta de recursos financeiros para a empreitada, mas não desanimaram.
Criaram várias listas de doações financeiras que foram distribuídas pelo enorme município de Cantagalo. Conseguido o numerário compraram a propriedade denominada Chácara Queimada, de Felippe Clair, em uma das saídas da cidade, onde se encontra, atualmente, o Hospital de Cantagalo. Área com 27.509,91 m² e um casarão, que foi a primeira sede da Casa de Caridade de Cantagalo. Na realidade tudo começou como uma casa de acolhimento; todavia, na maçonaria havia um médico, Dr. Herculano José de Oliveira Mafra (Dr. Mafra), que passou, voluntariamente, a cuidar das pessoas ali recolhidas. Diziam os mais antigos que esse esculápio era tão desapegado do dinheiro no exercício da medicina que ficou conhecido como “Médico dos Pobres”, existindo na Praça João XXIII um busto de bronze para perpetuar o reconhecimento dos cantagalenses ao seu trabalho humanitário.
Durante muitos anos a Casa de Caridade de Cantagalo permaneceu desse modo, mas na década de trinta, sob a administração do Sr. Diavolasse de Oliveira Reis, que atuou como Provedor cerca de trinta anos, a parte anterior do prédio foi demolida e construída a atual, pelo construtor David da Costa Lage. Passando o hospital a possuir 16 leitos para adultos (metade para cada sexo), 04 leitos para pediatria e 04 leitos para obstetrícia, posto de enfermagem, pré-parto, sala de parto, sala de cirurgia e sala de esterilização. Permanecendo a farmácia e os serviços de apoio na parte antiga e posterior do prédio.
No período em que o Sr. Antônio Rocha e Silva Junior, culto farmacêutico de Cantagalo, ocupou a provedoria do HC, foi construído um prédio que abrigava o Laboratório Rodolfo Albino, iniciativa pioneira do Dr. Osmar de Souza Vieira; bem como o pequeno aparelho de RX, doado pelo então governador do estado do Rio de Janeiro, o cantagalense Marechal Paulo Torres.
Durante a gestão do Sr. Nelson Marcelino de Paula o HC adquiriu um potente aparelho de RX, ficando o serviço técnico sob a administração do Dr. Humberto Schwartz, oficial-médico da Marinha de Guerra do Brasil, que durante vários anos vinha a Cantagalo duas vezes na semana para realizar os exames mais complexos, e sempre que necessário. A mesma administração dotou o HC. de uma cozinha comercial e de uma lavanderia mecânica, com três máquinas.
No dia 20 de janeiro de 1974, o Conselho Deliberativo do HC, formado por probos e respeitáveis membros, teve a coragem de eleger uma diretoria formada por três elementos com menos de 40 anos de idade. Era uma momento em que a indústria de cimento começava a ser instalada em Cantagalo, sendo necessário ampliar e modernizar o HC. A nova diretoria partiu para o Rio de Janeiro, assessorada pelo Sr. Geraldo de Vasconcellos, contratando com a Proplanus, firma de planejamento hospitalar, dirigida pelo médico Dr. Flávio Heleno Poppe de Figueiredo, um projeto para o novo HC. com 2.400 m² e 80 leitos.
Aprovado o projeto pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, foi solicitado à Caixa Econômica Federal, através o F.A.S. (Fundo de Assistência Social), um empréstimo para execução da obra; já iniciada com saldo deixado pelo Sr. Nelson Marcelino de Paula. Como os recursos do F.A.S. se esgotaram, tivemos que esperar três anos. Reabastecido financeiramente o mesmo, foi conseguido o empréstimo de Cr$. 51.000 milhões de cruzeiros, graças a ação e o empenho do Dr. Flávio Heleno e do Deputado Federal Léo Simões.
A obra foi realizada em cerca de dois terços, todavia três anos depois, concluído o período de carência, em virtude da hiperinflação, o débito já atingia a quantia de 120 milhões de cruzeiros. Nessa ocasião era provedor do HC o Sr. Manoel Francisco de Paula Bom, funcionário aposentado do Banco do Brasil. Cidadão dotado de grande poder de diálogo, verdadeiro diplomata, conseguiu que a Prefeitura Municipal de Cantagalo, no governo do Sr. Nilo Guzzo, quitasse todo o débito do HC junto à CEF. Foi um dia de grande alegria para os cantagalenses!
Além desse feito importantíssimo, conseguindo quitar o débito com o F.A.S., Manoel Francisco concluiu o bloco de sete apartamentos, interligando a parte antiga com a parte nova do HC, obra em que todo material pesado da construção foi doado pelo empresário Sr. Gildo Camino.
Na administração do Dr. Elicê Vollu, coronel veterinário do Exército Nacional, foi construído o bloco D do HC, obedecendo o projeto da Proplanus, com 400 m², com verba do governo federal; abrigando os serviços domésticos: cozinha, copa, refeitório e lavanderia.
Depois desse provedor, o HC passou por um período de crises de diversos tipos, algumas reais outras fabricadas artificialmente, com renúncia de diretoria e diretor médico, sendo superadas pelo abnegado Dr. Esdras Gil, Presidente do Conselho Deliberativo, Químico-Farmacêutico que assumiu, interinamente a Provedoria, solucionando o problema criado por elementos nocivos ao HC.
Após esse curto período tudo voltou à normalidade com a eleição do contador Sr. Carlos Teixeira Camacho (Dinda); homem equilibrado e muito bem relacionado na cidade, que soube manter o HC com ordem e tranquilidade até o momento do seu falecimento. Durante sua gestão contratou pessoas devidamente credenciadas para administração hospitalar e para o setor jurídico.
Atualmente, quando o HC completa 150 anos de existência, encontra-se na provedoria o Sr. Nirley de Mello Ferreira, que mantem a instituição em bom ritmo de trabalho e progresso.
No momento o HC possui 100 leitos, excelente centro cirúrgico, serviço de pronto socorro; U.T.I. (terceirizada) com 10 leitos, prestando assistência médica a pacientes de todo estado do Rio de Janeiro. Funciona (também terceirizado) o serviço de imagens, com USG, Rx e Tomografia. Existe, também, moderno laboratório de análises, no bloco A, capacitado para realizar múltiplos tipos de exames.
No setor de cirurgia estão em atividade a pleno vapor: Cirurgia Geral, Ginecológica, Ortopédica, Oftalmológica e Urológica. No momento, o HC além de atender a população de Cantagalo, através contratualização com a Prefeitura, mantem convênio com os municípios de Macuco e de Trajano; sendo credenciado pelas prefeituras de Duas Barras e Sumidouro. Estando com suas portas abertas para atender as urgências de qualquer origem.
Como dizia meu saudoso e querido pai, na década de 60: “Um dia o Hospital de Cantagalo será Hospital Regional”. Parece que a profecia está se transformando em realidade!
Na solenidades de 150 anos observou-se total congraçamento entre Deputados Federais, Estaduais, Prefeita e Secretários de Cantagalo; Vereadores de Cantagalo, Cordeiro, Duas Barras e Trajano de Moraes, Diretoria e funcionários do HC, com total apoio popular, todos irmanados nas festividades daquele que acredito ser o hospital mais antigo de nossa região.
Nessa ocasião o Dep. Federal Áureo Ribeiro, em belíssimo discurso anunciou uma emenda federal no valor de R$. 500.000,00 como presente pelos 160 anos do HC.
Só me resta solicitar que nosso Deus proteja todos que lutaram, lutam e lutarão pelo crescimento incessante dessa santa instituição que a 150 anos luta pela vida humana.
Júlio Carvalho.
Jornal da Região
