Jovens deportados da Ucrânia são levados para centros de reeducação e treinamento militar e, em alguns casos, até torturados, mostram relatórios oficiais. Crianças de um orfanato na região de Donetsk fazem uma refeição em um acampamento em Zolotaya Kosa, o assentamento no Mar de Azov, região de Rostov, sudoeste da Rússia, sexta-feira, 8 de julho de 2022
AP
Horas antes do presidente da Ucrânia discursar na Assembleia Geral da ONU na terça-feira (20), a agência de notícias estatal de Belarus anunciou a chegada de 48 crianças ucranianas ao país. Vindos de regiões ocupadas pela Rússia, os jovens são alguns dos milhares de menores que, sem a autorização dos responsáveis, foram deportados para o território russo ou para Belarus.
“Estamos tentando trazer as crianças de volta para casa, mas o tempo passa. O que vai acontecer com elas?”, questionou Volodymyr Zelensky durante seu discurso em Nova York. “Essas crianças na Rússia são ensinadas a odiar a Ucrânia e todos os laços com as suas famílias são rompidos. Isso é claramente um genocídio.”
A nível internacional, o rapto de crianças ucranianas pela Rússia ainda não foi reconhecido como genocídio. No entanto, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio nomeia explicitamente a transferência forçada de menores como um marcador de limpeza étnica.
Além disso, a deportação de crianças é reconhecida como crime de guerra pela Convenção de Genebra. Por isso, em março, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão para o presidente russo, Vladimir Putin, e outra funcionária, acusando-os de raptar crianças na Ucrânia.
“O Sr. Vladimir Vladimirovich Putin, nascido em 7 de outubro de 1952, Presidente da Federação Russa, é alegadamente responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de população (crianças) e de transferência ilegal de população (crianças) de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa”, diz o documento.
A Rússia, que não reconhece o TPI, tem outra versão da história (leia mais abaixo), mas o assunto não foi abordado pelo ministro das Relações Exteriores do país, Sergey Lavrov, durante seu discurso à ONU no sábado (22). Putin não foi aos Estados Unidos para o encontro — e, se fosse, poderia ser preso por conta das acusações.
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Quantas crianças foram retiradas da Ucrânia?
É difícil dizer quantas crianças foram deportadas.
Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, as autoridades da Ucrânia conseguiram verificar o desaparecimento de quase 20 mil menores, segundo as autoridades ucranianas. O governo da Rússia, por sua vez, afirma que mais de 700 mil jovens ucranianos tenham se deslocado para seu território desde o início do conflito.
“A Rússia não fornece à Ucrânia listas das tais crianças e famílias ‘evacuadas’, como deveria ter feito de acordo com o direito internacional”, disse Olha Yerokhina, porta-voz da ONG Save Ukraine, ao “The Kyiv Independent”.
Quem são essas crianças?
Os jovens deportados são majoritariamente os que moram ou estudam nos territórios ocupados pelas forças russas, no leste ucraniano, diz o governo local.
Entre eles estão aqueles com pais ou tutela familiar clara, russos considerados órfãos, os que estavam sob os cuidados de instituições estatais da Ucrânia antes da invasão, e aqueles cuja custódia não era clara ou incerta devido à guerra.
Como os jovens são deportados?
Em entrevista para a Radio Free Europe/Radio Liberty, a conselheira presidencial para os direitos da criança da Ucrânia, Daria Herasymchuk, explicou que as deportações acontecem em cinco cenários diferentes.
São eles:
O assassinato dos pais ou responsáveis pelas forças russas.
A aplicação de leis que privam ou removem os direitos parentais e permitem o transporte das crianças pelas autoridades russas.
A detenção (temporária ou não) dos familiares pelos militares.
O encaminhamento forçado dos jovens para supostos acampamentos recreativos ou para clínicas médicas.
A extração direta das crianças que estão em instituições de acolhimento institucional ou orfanatos.
No caso de detenção e deportação, os cidadãos ucranianos são levados aos chamados “campos de filtragem”, que são áreas de recepção inicial. Lá, as pessoas são fotografadas, forçadas a entregar seus pertences, incluindo documentos, interrogadas e, por vezes, torturadas, segundo um relatório do Departamento de Estado dos EUA.
Uma investigação de maio de 2022 da Human Rights Watch (HRW) revelou que as tropas russas mantiveram 70 crianças (cinco das quais eram bebês) durante 28 dias no porão de uma escola na aldeia de Yahidne. Os menores, não tinham acesso a ar fresco ou espaço para se deitarem e eram forçados a usar baldes para se aliviarem, o que levou muitos a adoecerem, segundo testemunhas.
O que acontece com essas crianças?
O que acontece com essas crianças também é incerto, já que todo contato com os pais e responsáveis ucranianos é cortado.
Contudo, uma análise da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, divulgada em fevereiro e corroborada por investigações jornalísticas e governamentais lançou luz à questão.
O estudo revelou que:
Algumas das crianças foram adotadas por famílias russas, ou enviadas para um orfanato na Rússia.
Grande parte dos jovens foram encaminhados para campos de reeducação onde estudam de acordo com a visão do governo russo sobre a cultura nacional, história e sociedade.
Em alguns casos, jovens de até 14 anos estavam recebendo treinamento militar. Não há evidências de que eles tenham sido enviados para combate.
Em um relato à ONG Save Ukraine, a jovem ucraniana Nina, de 16 anos, contou sobre os mais de dois meses que passou em um campo de reeducação na região da Crimeia.
“[Nina] foi forçada a vestir um uniforme russo e passar por treinamento militar: atirar, jogar granadas e vencer obstáculos”, postou a ONG nas redes sociais. “A jovem não podia recusar [o treinamento] e estava constantemente com medo de que, depois de um tempo, os russos pudessem enviá-la com armas para a frente de batalha.”
Há crianças que foram resgatadas?
Até agora, a Ucrânia conseguiu resgatar pouco menos de 400 crianças, todas graças a iniciativas privadas, como ONGs, ou aos próprios responsáveis, mostram dados disponibilizados pelas autoridades ucranianas.
O governo russo corta o contato e não divulga informações sobre os jovens para os responsáveis, o que torna descobrir o paradeiro de cada um muito difícil. As operações de resgate geralmente são arriscadas e precisam ser bancadas pelos pais das crianças.
Qual a versão da Rússia?
O governo da Rússia tem outra versão dos fatos.
A deportação das crianças, de acordo com as autoridades do país, acontece para garantir a segurança desses menores. Por isso, afirmar o governo, em maio, Putin assinou um decreto que facilita a conceção de cidadania russa a crianças ucranianas órfãs ou sem situação legal definida.
Maria Lvova-Belova, comissária do governo russo para os direitos das crianças, defende que os jovens precisam da ajuda da Rússia para superar o trauma que as deixou dormindo mal, chorando à noite e morando em porões e abrigos antiaéreos.
Em uma entrevista concedida em março ela reconheceu que, a princípio, um grupo de 30 crianças trazidas para a Rússia dos porões de Mariupol cantou desafiadoramente o hino nacional ucraniano e gritou: “Glória à Ucrânia!” quando os russos chegaram. Meses depois, afirmou a comissária, as críticas foram “transformadas em um amor pela Rússia”.
A própria Lvova-Belova adotou um jovem russo. “Hoje ele recebeu o passaporte de cidadão da Federação Russa e não o larga!”, postou ela nas redes sociais junto com uma foto do menino. “(Ele) estava esperando por este dia em nossa família mais do que qualquer outra pessoa.”
Maria Lvova-Belova também é acusada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por ter “responsabilidade criminal individual” pela “deportação e transferência ilegal de crianças”.
G1 Mundo
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