Guerra civil já dura 13 anos, mas teve novo impulso nos últimos dias com ofensiva surpresa de rebeldes que tentam derrubar ditador Bashar al-Assad. Entenda o que está acontecendo na Síria, que tem avanço de grupo rebelde
Forças rebeldes lideradas por extremistas islâmicos tentam derrubar o ditador Bashar al-Assad na Síria. O conflito não é novo: começou em 2011, mas teve novo impulso nos últimos dias depois que os insurgentes lançaram uma ofensiva de surpresa no fim de novembro.
Desde então, já tomaram Aleppo e Homs, segunda e terceira maiores cidades do país, e seguem marchando rumo à capital Damasco, onde estão concentradas as Forças Armadas do país.
Informações publicadas pelas agências internacionais de notícias indicam que militares sírios estão sendo facilmente subjugados.
O governo sírio afirma que montou um “cordão de segurança” para proteger Damasco.
O líder dos rebeldes, Abu Mohammed al-Golani, disse ao jornal americano “The New York Times” que o objetivo do movimento é libertar a Síria do “regime opressivo” de Assad, no poder há 24 anos.
O movimento extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), ou Organização para a Libertação do Levante, que comanda a ofensiva, surgiu como uma filial da Al Qaeda, grupo terrorista por trás dos atentados do 11 de Setembro.
Por que Assad parece ter perdido força?
A explicação está em outros conflitos internacionais. Os maiores aliados do ditador sírio são a Rússia e o Irã. Com o apoio desses dois países, mais a milícia libanesa Hezbollah, Assad conseguiu derrotar a primeira investida dos rebeldes e manteve o controle da maior parte do país. Em 13 anos de conflito, cerca de 500 mil pessoas morreram, sendo 200 mil civis.
No entanto, agora a Rússia está em guerra com a Ucrânia, e o Irã vive um conflito com Israel. O Hezbollah, por sua vez, perdeu seus principais comandantes neste ano, mortos em ataques israelenses.
Para os analistas, essa situação faz com que nem Putin nem o regime iraniano estejam dispostos a entrar de cabeça em mais uma guerra.
O cientista político Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas, diz que não é uma coincidência a ofensiva ter sido lançada agora.
“Aqueles que eram os três principais aliados do governo Assad, Hezbollah, Irã e Rússia, estão meio que fora desse envolvimento direto com o conflito, o que abriu uma oportunidade para que os rebeldes tentassem retomar certas posições estratégicas dentro do país.”
Em uma reunião no Catar neste sábado (7), representantes de Rússia, Turquia e Irã pediram diálogo entre o governo sírio e as forças opositoras. No entanto, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que a negociação não deve incluir os extremistas do HTS. “É inaceitável permitir que um grupo terrorista assuma o controle de territórios”, afirmou o ministro de Putin, segundo a agência de notícias russa Tass.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que toma posse em janeiro, disse que a guerra da Síria não é um problema dos americanos e que seu governo não vai se envolver.
Assad e o presidente russo, Vladimir Putin, em foto de 2017
Mikhail Klimentyev/Sputnik via Reuters
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Qual é o principal grupo insurgente?
As forças rebeldes são lideradas pelo HTS. Os Estados Unidos e a ONU há muito tempo designaram esse grupo como uma organização terrorista.
Seu principal líder, Abu Mohammed al-Golani, surgiu como chefe do braço sírio da Al-Qaeda em 2011, nos primeiros meses da guerra da Síria. A entrada do grupo terrorista marcou um ponto de virada no conflito, que havia se iniciado com protestos pacíficos da Primavera Árabe, reprimidos brutalmente pelo regime de Assad.
Nos últimos anos, o HTS buscou se reerguer, com foco em promover um governo civil no território que ficou sob seu controle. O grupo rompeu laços com a Al-Qaeda em 2016.
Quem são os rebeldes que assumiram controle de Aleppo em meio a bombardeios russos
Golani reprimiu alguns grupos extremistas em seu território e cada vez mais tenta se mostrar como um protetor de outras religiões. Isso inclui, no ano passado, permitir a primeira missa cristã na cidade de Idlib em anos.
Quem são os outros atores na guerra civil
Presidente da Síria Bashar al-Assad, que governa o país desde a morte de seu pai, em 2000.
JOSEPH EID / AFP
Bashar al-Assad: ditador sírio desde 2000, quando sucedeu seu pai, Hafez a-Assad, após a morte deste. Sua família é alauíta, grupo muçulmano xiita. Ele governa de forma laica com o apoio da ditadura teocrática do Irã e é aliado do grupo extremista libanês Hezbollah, também xiita. Seu principal aliado internacional é a Rússia, cuja Força Aérea realizou diversos ataques a posições rebeldes durante o auge da guerra civil, até 2015.
Hezbollah: milícia xiita libanesa, aliada do Irã que luta principalmente contra Israel. Na guerra civil síria, porém, o grupo extremista engajou seu braço militar nos combates ao lado do regime de Assad. Agora, novamente, um destacamento foi para Homs lutar contra os rebeldes do HTS.
Estado Islâmico: o grupo terrorista declarou em 2014 um califado que tomou partes da Síria e do Iraque. O ramo da Síria e do Iraque do Estado Islâmico não controla mais nenhum território e não é conhecido por desempenhar um papel na luta atual.
EUA e Israel: tanto os EUA quanto Israel conduzem ataques ocasionais na Síria contra forças do governo e milícias aliadas ao Irã. Os EUA têm cerca de 900 militares no nordeste da Síria, longe de Aleppo, para se proteger contra um ressurgimento do Estado Islâmico.
Turquia: a Turquia também tem forças na Síria e tem influência nas forças rebeldes.
Curdos: por meio das Forças Democráticas Sírias (FDS), o grupo étnico controla territórios no nordeste da Síria, na fronteira com a Turquia e o Iraque. Embora aliadas aos EUA, eles têm laços com o grupo do Curdistão turco PKK, considerado uma organização terrorista pelo Ocidente. Recentemente, reivindicaram a tomada da cidade de Deir al-Zor, no leste da Síria.
Controle do território da Síria em 6 de dezembro de 2024
Editoria de Arte/g1
Por que o conflito recomeçou
Para o diplomata Robert Ford, que foi último embaixador dos EUA na Síria antes de os dois países cortarem relações, três fatores deram aos rebeldes a possibilidade de avançar no conflito sírio:
Os ataques que Israel vêm fazendo há meses contra alvos do Hezbollah na Síria — o grupo extremista, apesar de ser do Líbano, também atua em conflitos do Oriente Médio ao lado de aliados, como, neste caso, Bashar al-Asad;
O cessar-fogo firmado por Israel e o Hezbollah no Líbano na semana passada;
A Rússia, principal apoiadora internacional de Assad, também está preocupada com sua guerra na Ucrânia.
Por que a tomada de Aleppo foi tão importante
Na encruzilhada de rotas comerciais e impérios por milhares de anos, Aleppo é um dos centros de comércio e cultura do Oriente Médio.
A cidade era o lar de 2,3 milhões de pessoas antes da guerra. Rebeldes tomaram em 2012 o lado leste de Aleppo, que se tornou um símbolo do avanço das facções armadas da oposição.
Em 2016, forças governamentais apoiadas por ataques aéreos russos sitiaram a cidade. Projéteis russos, mísseis e bombas de barril cruas — latas de combustível ou outros contêineres carregados com explosivos e metal — arrasaram diversos bairros.
Famintos e sitiados, os rebeldes renderam Aleppo naquele ano.
A entrada dos militares russos foi o ponto de virada na guerra, permitindo que Assad permanecesse no território que ele controlava.
Neste ano, ataques aéreos israelenses em Aleppo atingiram depósitos de armas do Hezbollah e forças sírias, entre outros alvos, de acordo com um grupo de monitoramento independente. Israel raramente reconhece ataques em Aleppo e outras áreas controladas pelo governo na Síria.
G1 Mundo