Gerações cresceram ouvindo o jargão “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.” Realmente, a depender do que estiver acontecendo, é preciso respeitar o espaço alheio e a forma como cada casal lida com os seus conflitos. Desentendimentos são naturais na vida a dois e podem ser superados com amor, compreensão e respeito mútuo. No entanto, há situações que não podem ser negligenciadas por quem está a volta, como nos casos de violência.
Muitas mulheres não têm o suporte necessário para darem o primeiro passo. Isoladas do convívio com os amigos e familiares, passam a ter o parceiro como única fonte de companhia. Isoladas do convício social, o outro passa a ser a sustentação de uma vida inteira, tanto afetiva como financeiramente. Além disso, existem inúmeros outros fatores, que devem ser analisados caso a caso.
Há as que se submetem a relacionamentos abusivos por não suportarem a dor de um término ou o desconforto de um recomeço. Entre a dor do desconhecido e a dor habitual, escolhem aquela à qual já se acostumaram. Somos seres humanos, com grande capacidade de adaptação, inclusive para aquilo que nos fere.
Há quem se cale por vergonha, culpa ou medo de julgamentos: decepcionar a família, parecerem fracas, julgamento religioso e moral. Muitas carregam a culpa por terem escolhido um parceiro assim. Outras se sacrificam pelo “bem” dos filhos.
Moldadas por séculos de cultura patriarcal, aprendem a tolerar o desrespeito. A “pisar em ovos” dentro de casa, para não gerar no parceiro uma situação que o engatilhe. A cuidar sem serem cuidadas. O mito do amor que tudo suporta, mas que aprisiona mulheres, transformando a aceitação ao desrespeito em prova de afeto.
Há aquelas que sentem temor da solidão amorosa. Ao enxergarem a felicidade apenas na presença de um parceiro, esquecem que grandes momentos da vida também podem ser vividos ao lado de amigos, projetos pessoais e nos pequenos acontecimentos do cotidiano. Aliás, isso não significa renunciar ao amor de um parceiro ou uma parceira, todavia compreender que, se não o encontrar, de maneira saudável e recíproca, a vida ainda poderá apresentar mais beleza e cores.
Em alguns casos, mulheres acreditam que conseguirão mudar o outro. Apesar do histórico de violência, optam por assumir uma postura materna de cuidado, com a fé de que, com ela, será diferente: “Agora, ele mudará.”
Todos nós, em sociedade, temos uma parcela de responsabilidade quando avalizamos crenças, tais quais “homem é assim mesmo” e que é preciso “aguentar pelo casamento”. E essa retórica é a base para um ciclo de sofrimento, culpa, numa situação conjugal insustentável sob o ponto de vista emocional. De outro lado, se a sociedade incentivasse as mulheres a saírem de ambiente que as adoecem, sem culpá-las, e buscarem relações mais saudáveis, teríamos pessoas menos adoentadas?
Não normalizar abusos já seria um grande passo para ajudar tanto seres humanos em situações de vulnerabilidade. O “meter a colher” é análogo a encontrar alguém que está em apuros, na estrada da vida, passar por esse ser humano, oferecer auxílio ou dar de ombros, porque esse alguém escolheu esse caminho.
Jornal da Região
 
								

