“Como o vitimismo mina sua energia e sabota suas conquistas”, por Jalme Pereira


Ela é divertida, sorridente e adora estar com os colegas no final do expediente. Mas, por trás do bom humor, esconde episódios de ansiedade, escassez financeira e relacionamentos frustrados. 

Conta que está fazendo terapia e sendo acompanhada por um psiquiatra, mas, no fundo, não consegue manter os cuidados. Ama o filho profundamente e faz questão de dar o melhor para ele, mesmo que, muitas vezes, fique sem ter o que comer. Já recebeu ofertas práticas de ajuda — como a de uma amiga que se dispôs a ajudá-la a organizar as finanças e a alimentação mensal —, mas nunca levou adiante (talvez por medo, vergonha ou simplesmente por uma sensação constante de que algo vai dar errado). Durante as férias, costuma visitar a família. Numa delas, perdeu a conexão do voo — segundo ela, porque se distraiu com o celular — e acabou gastando o dinheiro reservado para a viagem inteira com hotel em um lugar onde, segundo suas próprias palavras, “não tinha nada para fazer”. No seu dia a dia, surgem justificativas confusas e amigos cansados de cobrir suas falhas. “Minha vida é um drama”, costuma dizer com um meio sorriso no rosto.

Essa história é um espelho do que muitas pessoas vivem. Por trás desse padrão aparentemente “azarado”, dramático ou confuso, pode estar um sabotador poderoso e invisível: o sabotador vítima. Pode ser que você conheça alguém assim. Pode ser que essa pessoa seja você.

O que está por trás do vitimismo?

Nada nunca é culpa dela. A vida é difícil, os outros não colaboram, o chefe exige demais, a família não entende e o mundo está sempre contra ela. O problema de viver nessa lente de vitimismo é que ela paralisa. A pessoa se torna espectadora da própria vida, terceirizando responsabilidades e esperando que os outros mudem, em vez de assumir o controle. 

Como saber se esse sabotador está no comando

Histórico de sentimento de rejeição na infância, busca constante por acolhimento emocional, por validação externa, drama como narrativa pessoal, dificuldade de aceitar ajuda real, ansiedade, carência de limites, desorganização e responsabilização externa.

  • Usa o sofrimento como forma de chamar atenção ou de se conectar com os outros.
  • Tem dificuldade de assumir responsabilidades e prefere se manter no papel de “quem foi prejudicado”.
  • Repete padrões de relacionamentos abusivos ou frustrantes.
  • Vive situações de escassez ou abandono como se fossem inevitáveis.
  • Se sabota emocional ou financeiramente, mesmo quando há chance de melhorar.
  • Costuma desvalorizar ajudas práticas e prefere ser “salvo” de forma emocional.

A pessoa se pega dizendo com frequência frases como: “ninguém me entende”, “as pessoas não reconhecem tudo que faço”, “comigo é sempre mais difícil”, “minha vida é um drama”, “nada dá certo pra mim”. Esse sabotador se manifesta no trabalho, quando a pessoa acha que está se esforçando muito, mas ninguém valoriza. Aparece nas relações familiares, quando sente que dá demais e recebe de menos. E, se infiltra até mesmo no autocuidado, quando a pessoa pensa: “Nem adianta tentar, comigo nunca funciona.” Ele atrapalha porque tira a força pessoal, rouba o poder de ação e deixa a pessoa à mercê das circunstâncias.

Como a dor emocional se transforma em sabotagem

Nasce, normalmente, de feridas emocionais não curadas. Pode ter origem, em ambientes onde a pessoa se sentia invisível, rejeitada ou desamparada e que, para receber atenção, aprendeu a expressar sofrimento para ser notada, ou que não adiantava lutar, porque ninguém a ouvia. Com o tempo, esse padrão se cristalizou — e o cérebro aprendeu a funcionar assim. A vitimização se tornou um “atalho” emocional: uma forma inconsciente de se proteger, pedir ajuda ou evitar responsabilidades.

As consequências de viver sempre esperando ser salvo

  • Dificuldade de construir relacionamentos saudáveis.
  • Baixa autoestima sustentada por validação externa.
  • Estagnação profissional ou acadêmica.
  • Perda de credibilidade com amigos, colegas ou chefes.
  • Sensação constante de que a vida “não anda”.
  • Exaustão emocional das pessoas próximas.

Como quebrar o ciclo e silenciar o sabotador vítima

A primeira etapa é reconhecer esse comportamento em você — sem julgamentos, apenas com consciência. A mudança acontece quando a pessoa assume a responsabilidade sobre sua vida e entende que, embora não controle tudo o que acontece, pode escolher como reagir.

  1. Identifique os gatilhos: Quais situações fazem você se sentir injustiçado ou incompreendido? Nomeie essas situações.
  2. Reconheça padrões: observe como suas atitudes repetem sempre a mesma história.
  3. Mude o foco da pergunta: Substitua “por que isso sempre acontece comigo?” por “o que posso aprender com isso?” ou “como posso reagir de forma mais construtiva?”
  4. Pratique a autorresponsabilidade: Liste os fatores que estão sob seu controle. Tome decisões com base neles. O que acontece com você pode não ser sua culpa, mas o que você faz com isso é sua responsabilidade.
  5. Busque apoio positivo, não validação para o drama: Converse com pessoas que te impulsionam, não que alimentam sua dor. Busque ajuda terapêutica.
  6. Cultive o hábito da gratidão e da ação: Diariamente, escreva 3 coisas pelas quais você é grato e 1 atitude prática que você tomará para melhorar alguma situação.

Escolha ser protagonista da sua história

Pessoas que superam o sabotador Vítima se tornam mais leves, mais confiantes e mais donas da própria história. Elas passam a ser protagonistas — agem ao invés de esperar, constroem em vez de reclamar. Seus relacionamentos melhoram, sua saúde mental se fortalece, e sua vida começa a fluir com mais clareza. Essas pessoas descobrem que a liberdade emocional não está em ter controle sobre tudo, mas em não ser refém do drama.

Você pode escolher continuar alimentando o sabotador Vítima Ou pode escolher crescer. Assumir o controle da sua vida, transformar dor em aprendizado, parar de pedir permissão para viver o que merece. Comece agora. Escolha um hábito novo para praticar hoje. Seja protagonista da sua vida. O palco é seu.

Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)
Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)



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