“Como impedir que os conflitos e problemas fora do trabalho interfiram no seu desempenho”, por Jalme Pereira


Era uma segunda-feira como qualquer outra, mas dentro de mim tudo estava fora do lugar.No dia anterior, minha mãe havia ligado aflita, dizendo que meu pai precisava fazer um exame urgente. O clima em casa ficou tenso, e eu passei a noite pesquisando médicos e exames, tentando ajudar à distância. Dormi pouco e mal. Ao acordar, estava emocionalmente esgotado, mas fui trabalhar. Afinal, “vida que segue”, como dizem. 

Só que a vida seguiu sem mim. Na primeira reunião, eu me irritei com uma sugestão inocente de um colega. Fui ríspido, interrompi outro e não consegui concluir nenhuma das tarefas importantes do dia. Minha cabeça estava em casa, meu corpo estava na empresa, e meu desempenho ficou no meio do caminho.

Foi só depois de perceber esse padrão repetido — problemas pessoais transbordando no ambiente profissional — que entendi a importância de algo que pouca gente ensina: a arte de proteger seu desempenho emocional no trabalho, mesmo quando a vida pessoal está em crise.

Quando os conflitos de fora invadem o desempenho

Conflitos familiares, separações, problemas de saúde, dívidas, filhos doentes, pais em situações delicadas… A lista de desafios que enfrentamos fora do ambiente profissional é extensa. E, ao contrário do que muitos acreditam, não dá simplesmente para “deixar do lado de fora da porta” aquilo que nos afeta profundamente.

O que dá — e precisamos aprender — é a usar a inteligência emocional para impedir que esses problemas controlem as áreas da nossa vida. Estudos mostram que 84% dos trabalhadores, quando estão passando por dificuldades pessoais, têm sua produtividade impactada negativamente. Ainda assim, apenas 38% afirmam ter apoio ou estratégias para lidar com isso.

As consequências de não conseguir separar as esferas da vida

Quando não conseguimos separar vida pessoal e profissional, o desempenho começa a oscilar sem explicação aparente. Pequenos erros se tornam frequentes. Os colegas começam a evitar conversas, por medo de reações imprevisíveis. O ambiente profissional, antes um espaço de entrega, vira um palco para desabafos, distrações ou até conflitos desnecessários. Pessoas que não desenvolvem esse autocontrole emocional acabam vistas como “carregadas”, “intensas demais” ou “imprevisíveis”. Mesmo sendo competentes, perdem espaço, confiança e oportunidades. Aos poucos, sentem-se injustiçadas, desmotivadas e incompreendidas. Mas o problema, muitas vezes, não é o que elas vivem fora do trabalho — é o quanto deixam isso dominar seu comportamento dentro dele.

Por que isso acontece?

A verdade é que fomos ensinados a buscar resultados, mas não a lidar com emoções. Não aprendemos a construir barreiras saudáveis entre nossas dores e nossas obrigações. Além disso, existe uma falsa crença de que, se ignorarmos o que sentimos, isso “vai passar”. O problema é que emoção ignorada não desaparece — ela aparece, às vezes disfarçada de grosseria, distração, procrastinação ou ausência.

Inteligência emocional como bússola nos dias difíceis

Aplicar a inteligência emocional nesses momentos não é fingir que está tudo bem. É justamente reconhecer que não está, mas ainda assim conseguir agir de forma consciente, equilibrada e funcional. É como um piloto que, mesmo enfrentando turbulência, mantém as mãos firmes nos controles, com serenidade e clareza.

Passo a passo para impedir que os conflitos pessoais prejudiquem seu desempenho

  1. Dê nome ao que está sentindo: Pare por alguns minutos ao longo do e pergunte-se: “Que emoção está dominando meu coração agora?” Tristeza? Preocupação? Raiva? Dar nome à emoção ajuda a ganhar clareza e controle.
  2. A “caixa do lado de fora”: Imagine que você tem uma caixa invisível na porta da empresa (ou antes de entrar numa reunião, no computador ou na chamada de vídeo), ou mesmo, na porta de sua casa. Visualize-se deixando temporariamente os problemas pessoais ou profissionais lá. Eles não foram ignorados — apenas estão em pausa.
  3. Crie o hábito da pausa emocional: Antes de entrar numa reunião, atender um cliente ou iniciar uma tarefa crítica, respire profundamente. Pergunte a si mesmo: “O que é mais importante agora? O que posso controlar nesse momento?
  4. Use o “diálogo interno positivo”: Troque pensamentos como “Não consigo pensar em nada com isso na minha cabeça” por “Estou vivendo um momento difícil, mas sou capaz de focar no agora e resolver isso depois.”
  5. Crie rituais de transição: Coloque uma música no caminho para o trabalho, respire fundo, tome um café… Pequenos rituais ajudam o cérebro a “virar a chave”.
  6. Tenha uma válvula de escape saudável:  Escreva o que está sentindo em um caderno. Fale com alguém de confiança (de preferência fora do ambiente profissional). Pratique uma atividade física. Não guarde tudo para si.
  7. Cuide da sua rede de apoio: Não enfrente tudo sozinho. Ter com quem conversar —um amigo, terapeuta ou mentor — é fundamental para aliviar o peso emocional.
  8. Reflita ao fim do dia: Reserve 5 minutos para escrever o que você sentiu, o que conseguiu fazer bem e o que poderia melhorar. Isso treina seu cérebro a integrar razão e emoção de forma mais equilibrada.

E depois que você aprende a fazer isso?

As pessoas que desenvolvem essa habilidade não se tornam frias ou indiferentes — ao contrário, se tornam mais centradas, estáveis e confiantes. Passam a se conhecer melhor, a reagir com mais maturidade e a preservar tanto seus resultados quanto suas relações.

O respeito profissional aumenta, as oportunidades crescem e, internamente, vem a sensação de que é possível lidar com qualquer tempestade, sem perder o controle do próprio barco.
Elas não deixam de ter problemas — mas deixam que os problemas decidam quem elas serão durante o expediente. E isso muda tudo.

A vida vai testar sua paciência, seu coração e seu foco. Mas você pode escolher não carregar esse peso para dentro do trabalho. Desenvolver sua inteligência emocional é como afiar uma ferramenta que estará sempre com você — inclusive nos dias mais difíceis. Você está pronto para assumir o comando das suas emoções, em vez de ser comandado por elas?

Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)
Jalme Pereira é músico, palestrante, desenhista e trabalha na Universidade Veiga de Almeida (UVA)



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