África do Sul criou precedente, em 2015, ao desafiar o TPI e receber o ditador do Sudão



País tentou se retirar da corte, mas foi impedido pelo Supremo Tribunal. Oito anos depois, recuou e desconvidou Putin para a reunião dos Brics. ‘Isso quem decide é a Justiça’, diz Lula sobre possível prisão de Putin em visita ao Brasil
O presidente Lula sinalizou com a revisão da adesão do Brasil ao Tribunal Internacional de Haia como uma alternativa para evitar uma possível prisão de seu homólogo russo, Vladimir Putin, caso ele aceite o convite para participar de uma reunião de cúpula do G-20 em 2024 no Rio de Janeiro.
Não é tão simples assim deixar a Corte Internacional: desde 2002, por um decreto assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil tornou-se um dos 123 signatários do TPI. A adesão ao Estatuto de Roma foi ratificada pelo Congresso Nacional e está descrita na Constituição brasileira.
Putin tem um mandado de prisão expedido em março passado pela Corte Internacional, com sede em Haia, na Holanda, sob a acusação de deportação forçada de centenas de crianças da Ucrânia para a Rússia.
Em 2016, ele retirou o país do Estatuto de Roma, alegando que não reconhecia a jurisdição do tribunal.
Desde que invadiu a Ucrânia, há 19 meses, o presidente russo tem evitado viajar. Faltou à reunião do Brics, na África do Sul, e à do G-20, no último fim de semana, na Índia.
A viagem de Putin a Johanesburgo foi mantida sob suspense até as vésperas do encontro de chefes de Estado, em agosto. O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, anunciou, finalmente, que Putin seria substituído pelo chanceler Serguei Lavrov.
Assim como Lula indica agora, Ramaphosa tentou alternativas para receber o presidente russo no país. Mas ficou sem margem para manobra depois que a Aliança Democrática, o principal partido de oposição, recorreu à Justiça para forçar o governo a cumprir um mandado de prisão caso o Putin pisasse em solo sul-africano.
“Prender Putin seria uma declaração de guerra à Rússia”, argumentou Ramaphosa ao informar sobre o cancelamento da viagem.
Em 2015, contudo, a África do Sul criou um precedente, desafiando claramente o TPI: sob o governo de Jacob Zuma, recebeu o então ditador do Sudão, Omar al-Bashir, que tinha dois mandados de captura expedidos por crimes contra a Humanidade em Darfur. Ele participou da reunião de cúpula da União Africana, mas o governo de Zuma permitiu que fugisse do país depois que um tribunal local decidiu sobre a sua prisão.
Dois anos depois, os juízes do TPI concluíram que a África do Sul errou em não prender Bashir e desconsideraram o argumento do governo de que o ditador tinha imunidade como chefe de Estado.
Embora o episódio não tenha sido levado ao Conselho de Segurança, como prevê o TPI em caso de violações de países signatários, Zuma decidiu que o país se retiraria da Corte Internacional.
Sua iniciativa, no entanto, foi frustrada pelo Supremo Tribunal sul-africano, que vetou a saída como inconstitucional e inválida por não ter sido aprovada pelo Parlamento.
A África do Sul se manteve na corte e respeitou seus princípios ao não receber Vladimir Putin, oito anos depois.
O episódio serve como exemplo para o presidente brasileiro.



G1 Mundo