Com o posto de primeiro assentamento português reconhecido no país, cidade do Litoral paulista inspirou a democracia norte-americana e atraiu colonizadores pela riqueza hidrográfica
Em 22 de abril de 1500, os portugueses chegaram ao território que um dia seria o Brasil. Embora o município de Porto Seguro, na Bahia, seja tradicionalmente conhecido como o ponto de chegada dos colonizadores, a cidade de São Vicente, no Litoral paulista, ocupa o posto de primeiro assentamento português oficialmente reconhecido e estruturado no país.
Fundada pelo administrador colonial Martim Afonso de Sousa, São Vicente foi a primeira vila com governo próprio e eleições regulares, o que a torna um marco na implantação da estrutura administrativa europeia no Brasil. “São Vicente foi a primeira vila até porque, naquela oportunidade, não existia o termo cidade. Todas eram vilas”, explica Paulo Eduardo Costa, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Vicente.
Segundo ele, a organização da vila chegou a influenciar o modelo de democracia americano. “Em 1532, houve a primeira eleição das Américas, quando se instalou de maneira definitiva a democracia no território, não só na América do Sul”, afirma.
Durante o período colonial, as vilas funcionavam como núcleos administrativos e jurídicos. Diferente das cidades, elas reuniam instituições de poder local e organizavam a vida dos habitantes sob as normas da Coroa portuguesa.
Navegação
A escolha do local para fundar a primeira vila não foi por acaso. A região de São Vicente oferecia uma geografia favorável à navegação, com águas calmas e uma abundância de rios e nascentes, que facilitavam o abastecimento das embarcações e o desenvolvimento agrícola.
“Nos idos de 1500, a água era um bem preciosíssimo. Com ela, você conseguia fazer não só o abastecimento das naus [espécie de embarcação portuguesa] que eram usadas nas explorações da América do Sul, mas também possibilitava a produção de alimentos”, relata Costa. O local também abrigava o Porto das Naus, considerado o primeiro trapiche alfandegário do país, atualmente localizado próximo a popular Ponte Pênsil.
Povos originários
Antes da chegada dos portugueses, a região era habitada por diversas etnias indígenas, como tupis, tupinambás e guaianás. Esses povos viviam da pesca, caça e do manejo sustentável dos recursos naturais.
“Na chegada dos portugueses, tínhamos cerca de 6 milhões de indígenas que, basicamente, eram a população do Brasil naquela época. Quase todos foram dizimados. Hoje, mais de 500 anos depois, restam cerca de 1,6 milhão. Se não houvesse essa violência, eles seriam entre 60 e 80 milhões”, lamenta o presidente do Instituto. Ele também destaca que o contato com os europeus foi marcado ainda por apropriação de terras e destruição cultural.
Apesar de a maioria das comunidades originárias da época ter desaparecido, ainda existe uma aldeia indígena na região. Localizada na praia de Paranapuã, dentro da reserva ecológica do Parque Estadual Xixová-Japuí. A Aldeia Paranapuã é habitada por indígenas guarani mbya. “Eles mantêm tradições, moram em taperas [tipo de construção tradicionalmente indígena], dormem em redes e não têm nenhum contato estrito com a modernidade”, cita Costa.
Capital
Por três dias em 2000, a sede da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo funcionou em São Vicente. Exatamente nos dias 21, 22 e 23 de janeiro daquele ano, a sede do Parlamento Paulista foi transferida para a cidade em comemoração aos 500 anos do descobrimento do Brasil.
Além da Alesp, os poderes Executivo e Judiciário também aderiram à mudança temporária. Durante esse período, os três Poderes realizaram suas atividades de rotina no Litoral e a Assembleia realizou uma Sessão Ordinária na Câmara Municipal. Nesses três dias, São Vicente se tornou oficialmente a Capital do Estado.
Como parte das comemorações, o primeiro Ato da Mesa do ano de 2000, no dia 21 de janeiro, foi denominar como “V Centenário” o Espaço Cultural localizado no andar Monumental da Alesp. A iniciativa fez parte das comemorações do Descobrimento do Brasil e, hoje, é neste espaço que são realizadas diversas exposições culturais na Casa.
O Instituto
Fundado em 1838 por Dom Pedro II, o Instituto Histórico e Geográfico de São Vicente conquistou autonomia em 5 de fevereiro de 1959, graças aos historiadores Francisco Martins dos Santos e Odete Veiga Martins dos Santos. Ele é considerado uma confraria sem fins lucrativos e de utilidade pública, com o dever de preservar a memória histórica e estimular a cultura na região.
“O instituto, que é considerado um dos mais importantes do país, tem centenas de cursos e grupos de estudo. Temos a maior biblioteca do Litoral de São Paulo, com 57 mil volumes, e um museu histórico da cidade e Capitania de São Vicente, com 26 mil itens”, aponta Costa, que está à frente da instituição há 8 anos. Ele ainda menciona a realização de atividades culturais que buscam reunir pessoas de diferentes grupos sociais, como lançamento de livros e recitais de música.
IV Centenário
Construído em 1900, o Monumento do IV Centenário – situado na Praça 22 de Janeiro -, celebra o marco histórico de 400 anos da colonização do Brasil e convida à reflexão sobre os processos que moldaram a formação do país, incluindo as perdas e os apagamentos culturais impostos às populações originárias.
A escultura projetada por Benedito Calixto e Florimond Colpaert e construída por Augusto Kauschus carrega a inscrição em latim que pode ser traduzida como: “À sombra da cruz foi feita a aliança das armas, a união das gentes, e, sob tais auspícios, cresceu unido o povo brasileiro”.
Para Costa, é preciso valorizar a nossa história com senso crítico, reconhecendo a importância de São Vicente como berço da organização política no Brasil, mas também respeitando e dando voz aos povos que habitavam o país muito antes dos portugueses.
*Texto produzido pela Alesp/Descobrimento do Brasil | Giullia Chiara – Fotos: Arquivo IHGSV/ Prefeitura de São Vicente/ Acervo Histórico Alesp
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