A CLT prevê a possibilidade de dispensa por justa causa para empregados que pratiquem atos considerados graves
Em 2023, mais de 16 mil ações trabalhistas foram protocoladas na Justiça sob a alegação de discriminação no ambiente de trabalho, segundo dados do TST( Tribunal Superior do Trabalho).
Entre os casos, práticas de racismo e xenofobia têm motivado demissões por justa causa e acirrado o debate sobre os limites da convivência profissional e as consequências legais de comportamentos discriminatórios.
A CLT(Consolidação das Leis do Trabalho) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa para empregados que pratiquem atos considerados graves.
Entre as condutas listadas, as alíneas “a”, “b”, “e” e “k” têm sido utilizadas por empregadores e validadas por tribunais para justificar a rescisão de contrato de trabalhadores que adotam comportamentos racistas ou xenofóbicos.
Esses dispositivos incluem desde atos de improbidade até agressões verbais que atinjam a honra de colegas.
A lei que trata dos crimes de racismo também serve de base para decisões no âmbito trabalhista. A Constituição Federal determina que o racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.
No entendimento da Justiça, essas previsões reforçam o caráter inaceitável de atitudes discriminatórias no ambiente de trabalho.
Caso de demissão
Manigestação contra racismo em Brasília, 2020
Em Campinas (SP), um operador de produção foi demitido por justa causa após chamar colegas haitianos de “macacos” durante o intervalo. O caso foi levado à Justiça do Trabalho, e a 4ª Vara do Trabalho da cidade manteve a demissão.
O juiz responsável destacou que a prática de racismo, mesmo fora do horário de expediente, compromete a confiança necessária na relação de trabalho e caracteriza falta grave.
Outro caso recente foi julgado pelo TRT-15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), que analisou a conduta de uma gerente que, em reunião com a equipe, referiu-se ao sotaque de uma funcionária nordestina como “insuportável” e “preguiçoso”.
A vítima registrou boletim de ocorrência e procurou o sindicato da categoria. A empresa abriu sindicância interna e, após ouvir os envolvidos, decidiu pela dispensa da gerente por justa causa. A decisão foi mantida em segunda instância.
“Os tribunais têm adotado a perspectiva da vítima para avaliar essas ocorrências”, explica o advogado Marcos Antônio ao Portal iG.
Segundo ele, não é necessário que o agressor tenha tido intenção ofensiva. “A caracterização do ato discriminatório depende do impacto causado e não da justificativa de que era apenas uma ‘brincadeira’. Isso tem sido reconhecido em diversas decisões judiciais.”
Aumento em ações
Levantamento feito pelo próprio TRT-15 mostra que, entre 2022 e 2023, houve aumento de 47% nas ações relacionadas a demissões discriminatórias, totalizando mais de 1.200 processos somente no primeiro semestre de 2024. As alegações mais comuns incluem racismo, xenofobia, homofobia e capacitismo.
Para Vinicius Alves, que já trabalhou como auxiliar administrativo de uma empresa no setor de transportes, a denúncia de xenofobia não teve desfecho favorável. Ele relata ter sido ofendido em público por um superior hierárquico.
“Fui chamado de burro e disseram que meu erro era por ter pescoço curto de cearense. Falaram que meus pais passaram fome no sertão”, afirmou.
O relato foi levado à chefia da empresa, que realizou apenas uma conversa informal com o autor das ofensas. Dias depois, Vinicius foi desligado do quadro de funcionários.
Casos como o de Vinicius mostram que a aplicação da justa causa não é automática e depende da atuação do empregador.
De acordo com o MPT (Ministério Público do Trabalho), a empresa tem o dever de apurar os fatos de forma adequada, garantindo o direito de defesa ao acusado e acolhimento à vítima. Quando necessário, deve comunicar os órgãos competentes.
Em São Paulo, uma rede de supermercados foi condenada em 2023 a pagar R$ 180 mil por danos morais coletivos após a constatação de que gestores ofendiam funcionários estrangeiros com apelidos pejorativos.
As investigações apontaram que as práticas eram recorrentes e não foram interrompidas mesmo após denúncias internas. A ação foi ajuizada pelo MPT após inspeção conjunta com a Auditoria Fiscal do Trabalho.
Embora ainda não existam dados consolidados que indiquem o número exato de demissões por justa causa motivadas exclusivamente por racismo ou xenofobia, o cruzamento entre jurisprudência, estatísticas de ações por discriminação e relatos de vítimas sugere um padrão de crescimento na judicialização de comportamentos discriminatórios.
IG Último Segundo