Universidades do Rio retomam aulas após megaoperação policial


Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ
Reprodução: commons – 31/05/2022

Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ

As universidades públicas do Rio de Janeiro retomaram as aulas e atividades presenciais nesta quinta-feira (30), dois dias após a megaoperação policial que paralisou a cidade e deixou 132 mortos, conforme divulgado pela Defensoria Pública.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) informou que as atividades acadêmicas e administrativas foram retomadas normalmente em todos os campi. Em nota, a instituição manifestou solidariedade às famílias das vítimas e reafirmou “compromisso com a defesa da paz, da democracia e da proteção de toda comunidade universitária”.

Já a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) anunciou a volta das aulas e disse seguir “atenta à situação da segurança pública no estado” (veja as notas mais abaixo).

Manifesto

Nesta quinta (29), a UFRJ publicou um manifesto, assinado por outras instituições, em repúdio à megaoperação do dia anterior. No documento, afirma que  “política de segurança pública se constrói com planejamento, não com a rotina brutalizante imposta às comunidades”, e que “a violência armada adoece nossa cidade, cancela o sonho de estudantes e rouba o sustento de quem trabalha”.

“O sofrimento incessante, os adoecimentos e óbitos desembocam em um problema de saúde pública. […] Ignorá-lo é irresponsabilidade administrativa, tratá-lo via necropolítica é alimentá-lo”, diz um trecho do documento (veja a íntegra do manifesto ao fim da matéria).

Operação mais letal da história

A ação das polícias Civil e Militar, realizada na terça-feira (28), deixou 132 mortos, segundo a Defensoria Pública da União (DPU). As forças de segurança contabilizam 121 mortos, sendo quatro agentes, além de 113 presos, 93 fuzis apreendidos e mais de meia tonelada de drogas.

O número de mortos já supera o massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 detentos foram assassinados em São Paulo. Com isso, pode ser considerada a operação a mais letal da história do país.

A ofensiva, que mirou o Comando Vermelho nas comunidades da Penha, do Alemão, transformou a Zona Norte em um cenário de guerra. Ao longo do dia, vias foram bloqueadas, transportes pararam e escolas e universidades suspenderam as aulas.

Na madrugada seguinte, os acessos foram liberados, e na quarta-feira (29) a cidade voltou ao estágio 1, o menor nível de atenção.

Nota da UFRJ

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) informa que as aulas e atividades administrativas presenciais serão retomadas nesta quinta-feira, 30 de outubro, em todos os campi.

A UFRJ manifesta solidariedade às vítimas e às famílias afetadas pela violência que atingiu o Rio de Janeiro nos últimos dias e expressa repúdio à barbárie que ameaça a vida e o direito de ir e vir.

A reitoria continuará acompanhando a situação da segurança pública e reafirma seu compromisso com a defesa da paz, da democracia e da proteção de toda comunidade universitária.

Nota da UFRRJ

A Administração Central da UFRRJ informa que as atividades de lecionação bem como as atividades administrativas retornam à normalidade nesta quinta-feira (30/10).

Reiteramos que a UFRRJ permanece atenta à situação da segurança pública no Rio de Janeiro e trará mais orientações, caso necessário.

Manifesto das instituições

Nós, abaixo assinados, repudiamos a operação policial conjunta realizada no Rio de Janeiro, e em partes de Niterói e São Gonçalo nesta terça, 28 de outubro, que evidenciou a insustentabilidade das políticas estaduais de segurança. Semana após semana, a invisibilidade administrativamente consentida das “zonas de exceção” e a falácia cruel do “confronto permanente” como prática de governo produziram como saldo assustador o extermínio sem julgamento, para tantos, e o caos social para todos.

Não nos enganemos. Os impactos da violência armada no Rio de Janeiro não são novidade e vão muito além das estatísticas de criminalidade. Agudizam uma crise de natureza socioeconômica que há muito corrói o cotidiano das pessoas, o refúgio de suas casas e mesmo seus momentos de lazer, subtraindo a integridade mental e física de comunidades inteiras. O sofrimento incessante, os adoecimentos e óbitos desembocam em um problema de saúde pública.

Enquanto escrevemos esta nota, os números de mortos aumentam e são contados por famílias dos Complexos do Alemão e da Penha. Cabe indagar: a quem interessa a manutenção e agravamento da ambiência de insegurança e medo decorrente da violência armada na capital e região metropolitana?

Não se trata de um conflito armado não internacional, mas de um fenômeno multidimensional que há muito adoece nossa cidade, cancela o sonho de estudantes, impede o tratamento de doentes, rouba a tranquilidade das famílias, tira o sustento de quem trabalha. Ignorá-lo é irresponsabilidade administrativa, tratá-lo via necropolítica é alimentá-lo.

Política de segurança pública se constrói com etapas planejadas e estruturantes para resultados socialmente justos e duradouros, não pela rotina brutalizante que sobrecarrega comunidades já castigadas pelo crime e pela precarização.

Exigimos:
-Preservação da vida e valorização de direitos
-Proteção e manutenção da rotina das pessoas,
-Respeito as instituições de Estado que garantem os direitos constitucionais;
-Articulação efetiva com o governo federal, Planejamento intersetorial e postura preventiva como política pública
-Formação cidadã das forças de segurança.
-Inteligência informada por evidências com foco em redes criminosas;
-Transparência e controle social para dimensionamento e gestão de riscos

A interrupção de atividades das instituições e equipamentos públicos não só prejudica seu funcionamento normal como representa uma violação de acesso a direitos e gera um ambiente de insegurança, medo e instabilidade. A lógica da ocupação e extermínio praticadas no Estado do Rio de Janeiro ignora as instituições garantidoras de direito e desrespeita mesmo o STF quando descumpre a ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, estabelecendo as regras contra a letalidade policial nos lugares favelizados).

Midiatizar a violência armada não é dar transparência às ações de segurança pública. É espetacularizar a vergonhosa falta de acesso a melhores condições de vida e a prática do extermínio como política – enfim, a privação de direitos que estão expostas nossas gerações do agora e do amanhã.

Hoje, sob a mais desastrosa e letal operação policial de sua história, o Rio de Janeiro despertou, ainda que tardiamente, para a realidade de que o caos nutrido pela desigualdade e pela violência rotineiras não gera espaços seguros para ninguém, nem civilidade possível, nem futuro em comum.

Rio de janeiro, 29 de outubro de 2025.



IG Último Segundo