técnica maia permite cultivo em solo marciano


Tomates-cereja cultivados com técnica inspirada em saberes maias e adaptada ao solo marciano simulado
Acervo pessoal

Tomates-cereja cultivados com técnica inspirada em saberes maias e adaptada ao solo marciano simulado

A astrobióloga brasileira Rebeca Gonçalves demonstrou, pela primeira vez no mundo, o cultivo bem-sucedido de tomates, ervilhas e cenouras em solo que simula as condições de Marte, utilizando a técnica milenar dos povos maias. A pesquisa e sua trajetória foram temas de entrevista ao vivo ao quadro “iG Foi Pro Espaço” do Portal iG, nesta quarta-feira (25).

O método que visa otimizar recursos escassos como água e nutrientes em futuras bases espaciais teve base na técnica de policultura herdada do povo ancestral.

Rebeca contou que seu fascínio pelo espaço e pela biologia começou na infância, influenciada por um tio astrônomo.

Inicialmente formada em biologia, descobriu a astrobiologia aos 28 anos durante uma crise existencial quando refletiu sobre ” o que eu realmente gosto de fazer? “.  Relembrando o gosto pelo espaço tentou conectar a área com a biologia .  Assim, no dia seguinte, deparou-se com a palavra “ astrobiologia ” na internet: “ Nunca tinha ouvido falar “, comenta.

A transição para o mestrado em astrobiologia na Holanda ocorreu após pesquisa e iniciativa própria: ” muitas vezes um e-mail que você manda faz as coisas acontecerem”Ao encontrar um professor referência na área e entrar em contato, recebeu uma resposta positiva: “ acabou de liberar uma vaga no meu laboratório, se você quiser, pode vir “.

Episódio do
Portal IG

Episódio do “iG Foi Pro Espaço” com a astrobióloga brasileira, Rebeca Gonçalves, foi ao ar nesta quarta-feira (25), às 18h

Ela destacou a diversidade de carreiras no setor espacial, que não se restringem às engenharias, abrangendo áreas como direito, design, administração, recursos humanos, entre outras.

Sobre a possibilidade de ser astronauta, comentou: ” São milhares de possibilidades. Você não precisa ser piloto para ser astronauta. Você pode ser um biólogo que sobe com os experimentos “, citando também oportunidades em agências privadas como a SpaceX: ” Tem milhares de caminhos que eu não fazia ideia “.

Além de sua pesquisa inovadora, Rebeca Gonçalves tem passagens pela Universidade de Bristol (Inglaterra), Universidade de Wageningen (Holanda) e pela Agência Espacial Europeia (ESA). Atualmente, integra a Rede Space Farming Brasil e é co-host do podcast Ciência Sem Fim.

Policultura e o solo de Marte

O mestrado foi realizado em uma universidade alemã com estrutura de ponta, incluindo estufas capazes de simular as condições marcianas.

Rebeca Gonçalves em laboratório da ESA (Agência Espacial Europeia) durante os testes com solo simulando as condições de Marte
Acervo pessoal

Rebeca Gonçalves em laboratório da ESA (Agência Espacial Europeia) durante os testes com solo simulando as condições de Marte

O solo utilizado, chamado regolito, tem 97% de semelhança com o de Marte, desenvolvido a partir de dados coletados pelas missões Rover e manipulado a partir de uma terra vulcânica do Havaí.

Rebeca focou sua pesquisa em preencher uma lacuna identificada na literatura científica: a otimização de recursos em bases marciais e lunares. Encontrou na policultura, técnica usada por maias e chineses que combina espécies de plantas com qualidades complementares, a solução. ” Você basicamente planta espécies com qualidades complementares umas às outras para que elas possam crescer mais usando menos recursos, menos nutrientes, água, etc. “. Ela foi a pioneira em aplicar essa técnica à agricultura espacial.

Os resultados mostraram claramente o benefício: os tomates cultivados em policultura com cenouras e ervilhas, que fixam nitrogênio no solo, cresceram melhor do que os plantados isoladamente.

Rebeca ressaltou, porém, que todos os legumes no solo marciano simulado foram menores e menos nutritivos que os plantados em solo terrestre. ” Isso é porque a terra de marte, esse regolito, é muito pouco nutritiva. Ela é basicamente uma terra estéril… A policultura ajuda a fazer esse solo ser mais fértil “.

À esquerda, tomates plantados usando a técnica de policultura, juntamente com ervilhas e cenouras e, à direita, tomate separado de demais espécies
Instagram/Rebeca Gonçalves

À esquerda, tomates plantados usando a técnica de policultura, juntamente com ervilhas e cenouras e, à direita, tomate separado de demais espécies

Benefícios que voltam para a Terra

Questionada se a técnica poderia ajudar terrenos pouco nutritivos na Terra, Rebeca confirmou entusiasmada e aproveitou para destacar o real foco da pesquisa espacial.

“É  muito legal você ter trazido isso porque isso é uma coisa que não chega muito no ouvido do público. O que chega no ouvido do público do setor espacial é o Jeff Bezos indo para o espaço. São os milionários fazendo turismo espacial e isso é 0,01% do que acontece no setor espacial “, comenta.

Ela enfatizou que o setor é voltado à ciência, citando a Estação Espacial Internacional (ISS) como um laboratório orbital e exemplos concretos de benefícios terrestres.

Por exemplo, hoje é feito muito medicamento no espaço porque ali as proteínas se cristalizam de uma forma diferente. Assim, medicamentos mais eficazes para Alzheimer, para o câncer já foram desenvolvidos no espaço “.

Rebeca concluiu que ” toda pesquisa voltada ao espaço deve também ter objetivo de que essa pesquisa retorne para a Terra, ou seja, que traga benefícios para o planeta também. Isso está no coração de todo cientista espacial “.

Divulgação científica acessível

A entrevista com Rebeca Gonçalves fez parte do quadro ” iG Foi Pro Espaço “, dedicado a traduzir temas complexos do universo e do setor aeroespacial de forma acessível e com bom humor.

O programa vai ao ar toda quarta-feira, às 18h, no YouTube do Portal iG.



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