Surto de doença rara intriga cientistas na França


ESQUERDA: KATHINKADALSEG , DIREITA: NINA FILIPPOVA
iNATURALIST

ESQUERDA: KATHINKADALSEG , DIREITA: NINA FILIPPOVA

Montchavin, uma vila nos  Alpes franceses conhecida por suas estações de esqui, tornou-se foco de um estudo médico após a identificação de um número inesperadamente alto de casos de Esclerose Lateral Amiotrófica(ELA).

A doença, que afeta cerca de duas a três pessoas a cada 100 mil anualmente, foi diagnosticada em pelo menos 14 moradores dessa pequena comunidade de poucas centenas de habitantes.

O fenômeno chamou a atenção da neurologista Emmeline Lagrange, do Hospital Universitário de Grenoble, que desde 2009 investiga possíveis fatores ambientais que poderiam estar associados ao problema.

Na área ao redor de Montchavin, falsos cogumelos morel aparecem na primavera.
HENK MONSTER / WIKIMEDIA COMMONS

Na área ao redor de Montchavin, falsos cogumelos morel aparecem na primavera.

A descoberta dos casos e a busca por padrões

O alerta inicial veio quando Lagrange diagnosticou uma instrutora de esqui polonesa com ELA.

Ao relatar o caso à médica local, descobriu que não era um episódio isolado: outras três pessoas da vila já haviam sido afetadas. A partir de então, novos casos surgiram nos anos seguintes, totalizando 16 diagnósticos confirmados.

O que intrigou ainda mais os pesquisadores foi o fato de que nenhum dos pacientes apresentava histórico familiar da doença ou predisposição genética.

Diante disso, Lagrange e sua equipe analisaram diferentes fatores ambientais, como a qualidade da água, a presença de substâncias tóxicas no solo e a exposição ao gás radônio.

Nenhum desses elementos, no entanto, apresentou uma correlação definitiva com os casos da doença.

Ligação com o consumo de cogumelos venenosos

Em 2017, a investigação ganhou um novo rumo quando os pesquisadores notaram que seis dos pacientes costumavam consumir cogumelos locais.

Isso os levou a comparar a situação de Montchavin com casos registrados na ilha de Guam, onde, no final da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma epidemia de doenças neurológicas associada à ingestão de sementes de cícadas, conhecidas por conter substâncias neurotóxicas.

Os pesquisadores identificaram que os pacientes de ELA na vila francesa consumiam morillas falsas ( Gyromitra esculenta ), um tipo de cogumelo silvestre altamente tóxico e cuja venda é proibida na França.

Muitos deles acreditavam que esses cogumelos tinham propriedades rejuvenescedoras.

A relação entre o consumo dessas morillas e a incidência da doença se tornou o foco principal das investigações.

Os problemas surgem quando o tratamento é inadequado e as toxinas permanecem na farinha.
PS SPENCER / THE CANADIAN JOURNAL OF NEUROLOGICAL SCIENCES 1987

Os problemas surgem quando o tratamento é inadequado e as toxinas permanecem na farinha.

Debate entre especialistas

A pesquisa foi publicada em 2021 no Journal of the Neurological Sciences, destacando que a ingestão repetida desses cogumelos pode ser o principal fator de risco para o desenvolvimento da ELA na região.

Contudo, a comunidade científica ainda debate a hipótese. Alguns especialistas, como o neurocientista Jeffrey D. Rothstein, da Universidade Johns Hopkins, acreditam que os casos podem ser uma coincidência estatística.

Já outros pesquisadores, como a epidemiologista Evelyn Talbott, da Universidade de Pittsburgh, consideram o estudo relevante e digno de mais aprofundamento.

Embora ainda não haja uma resposta definitiva, o caso de Montchavin levanta novas questões sobre a relação entre fatores ambientais e doenças neurodegenerativas.

Pesquisadores seguem analisando dados e buscando evidências que possam confirmar a conexão entre a ELA e o consumo de cogumelos tóxicos.



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