
STF fecha o cerco contra o ex-presidente Jair Bolsonaro
O Supremo Tribunal Federal intensificou a pressão sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A Corte marcou para 2 de setembro o julgamento que pode responsabilizar o ex-chefe do Executivo pela tentativa de golpe de Estado que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023. Paralelamente, o líder da direita política brasileira foi indiciado em mais um inquérito, ampliando a lista de processos que correm contra ele na Suprema Corte.
Apesar de estarem relacionados, o processo que teve julgamento marcado e o que levou ao indiciamento na última quarta-feira (20) são apurações diferentes. O primeiro está relacionado à Ação Penal 2668, que tem Bolsonaro e outros réus envolvidos, e apura a existência de uma organização criminosa que teria planejado um golpe de Estado. Já a outra trata sobre a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL) nos Estados Unidos. Com o julgamento, a ação penal entrou na etapa final do processo e pode levar Bolsonaro a uma condenação de prisão em regime fechado. Por outro lado, o processo que tem como alvo principal o deputado Eduardo Bolsonaro, está em sua fase inicial de apuração.
Investigação sobre tentativa de golpe
A apuração sobre a suposta trama golpista que teria levado aos ataques aos prédios dos Três Poderes, em janeiro de 2023, começou em dezembro desse mesmo ano. O processo foi iniciado a partir da petição 12100, apresentada pela Polícia Federal (PF) contra os envolvidos na articulação do golpe.
A investigação foi justificada pela petição 10405, protocolada em junho de 2022 para apurar suspeitas de falsificação do cartão de vacina de Bolsonaro. Nesse processo, o ex-presidente chegou a ser indiciado pela PF, acusado de inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em sistemas do Ministério da Saúde.
As apurações contaram com delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, que teria afirmado que agiu a mando do ex-presidente para inserir dados falsos de vacinação no nome de Jair Bolsonaro e da filha dele, menor de idade, para que pudessem estar aptos a viajar aos Estados Unidos. Esse processo foi arquivado em março deste ano, após o procurador-Geral da República, Paulo Gonet, justificar que não foram encontradas provas suficientes para corroborar o que foi dito na delação de Cid. Apesar disso, no curso da investigação e depois das eleições de 2022, a PF teria encontrado indícios da existência de uma suposta organização criminosa, ligada não só à fraude no cartão de vacina, mas a uma trama golpista para manter Bolsonaro no poder. Com isso, foi protocolada a Pet 12100, que também contou com a delação de Cid. Bolsonaro e os outros envolvidos foram indiciados pela PF e, a partir disso, a Procuradoria Geral da República (PGR), ofereceu denúncia ao STF contra os investigados. Em março deste ano, o STF decidiu, por unanimidade, tornar o ex-presidente réu, o que deu origem à Ação Penal (AP) 2668. Ao todo, 31 envolvidos tornaram-se réus. Eles são acusados de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado. Desde março, o STF se debruça sobre as fases desse processo. Foram realizados os interrogatórios dos réus, que compõem a fase de instrução processual e, após essa etapa, as defesas puderam apresentar suas alegações finais. Agora, a ação está na fase decisória, em que ocorre o julgamento e uma sentença deve ser proferida ao final.
Apuração de atos de 2020
Toda a apuração envolvendo a tentativa de golpe de Estado, que passou pela investigação relacionada ao cartão de vacina, começou em abril de 2020, com o inquérito 4828. Esse processo foi instaurado a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, com o objetivo de apurar condutas que, em tese, configurariam atentado ao Estado Democrático de Direito.
Aras pediu a abertura da investigação um dia depois dos protestos realizados em 19 de abril de 2020 em diversas cidades do país. Entre os manifestantes estavam grupos que defendiam o fechamento do Congresso e do STF, além da volta do AI-5, o ato institucional mais duro do regime militar. O então presidente Jair Bolsonaro chegou a discursar em um desses atos, em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, mas, naquele momento, ele não foi incluído entre os alvos definidos pela PGR. Por outro lado, parlamentares federais estavam entre os envolvidos, o que justificou a investigação ter ficado sob a competência do STF.Ao autorizar a abertura do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes destacou, à época, a necessidade de apurar a existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações antidemocráticas. Ele também apontou indícios de “divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano, bem como suas formas de gerenciamento, liderança, organização e propagação” .Em 16 de junho do mesmo ano, a Polícia Federal cumpriu 26 mandados de busca e apreensão em cinco estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estavam o publicitário Sérgio Lima e o empresário Luís Felipe Belmonte, ambos ligados ao Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tentou fundar. O deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL) também foi alvo da operação.No mesmo dia, Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários de dez deputados e um senador aliados de Bolsonaro. Um dia antes, em 15 de junho, como parte do mesmo inquérito, foi presa a militante Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, líder do grupo extremista 300 do Brasil, que apoiava abertamente Jair Bolsonaro. Em julho de 2021, entretanto, Moraes acolheu pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinou o arquivamento do inq 4828. Apesar disso, o ministro determinou a abertura de novo inquérito para o prosseguimento de investigações de outros eventos, diante da presença de indícios e provas da existência de organização criminosa com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito.
Milícias digitais
No dia seguinte ao arquivamento do processo sobre os atos antidemocráticos de 2020, o STF abriu o inquérito 4874, que ficou popularmente conhecido como inquérito das milícias digitais.
Esse processo apura a atuação de uma suposta organização criminosa com forte presença no ambiente digital. Segundo as investigações, o grupo estaria dividido em diferentes núcleos — político, de produção, de publicação e de financiamento —, articulados com o objetivo de atentar contra a democracia e o Estado de Direito no país.
Entre os pontos investigados no chamado inquérito das “milícias digitais” estão o repasse de valores do exterior ao site Terça Livre, mantido pelo blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, além de indícios de possível lavagem de dinheiro.Na decisão que autorizou a abertura da apuração, Moraes destacou a gravidade das evidências. Para ele, existem “fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político”.O inquérito ainda está aberto, com diligências em curso, mas sem grandes movimentações, já que o foco está na conclusão da ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado. A expectativa é que esse processo seja prorrogado para 2026, o que pode colocar Bolsonaro no centro de outra apuração no STF.
Inquérito contra Eduardo Bolsonaro
O inquérito 4995, contra o deputado Eduardo Bolsonaro, é o mais recente envolvendo, também, o ex-presidente Jair Bolsonaro. O processo foi instaurado a pedido da PGR, em maio deste ano, para apurar as articulações feitas pelo parlamentar junto a pessoas ligadas à Casa Branca, com a finalidade de impor sanções contra autoridades brasileiras.
De acordo com a PGR, Eduardo Bolsonaro teria declarado publicamente que está empenhado em conseguir dos Estados Unidos sanções contra o STF, em especial o ministro Alexandre de Moraes, e outras instâncias responsáveis por conduzir as investigações relacionadas ao 8 de janeiro. Além disso, o deputado teria alegado que quanto mais a Primeira Turma avançasse no julgamento, mais ele trabalharia para obter essas medidas para coibir o que ele considera ser uma perseguição política contra Bolsonaro, seu pai.
O pedido da PGR foi originado a partir de uma representação criminal protocolada pelo deputado Lindbergh Farias (PT/RJ), líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados. Após Eduardo Bolsonaro defender, em suas redes sociais, sanções contra o ministro Alexandre de Moraes por sua atuação à frente da Ação Penal que julga os envolvidos nos atos antidemocráticos, o parlamentar enviou uma solicitação para que o STF apure essas declarações, que ele considerou um “atentado à soberania nacional”.De acordo com o requerimento enviado ao STF, Eduardo Bolsonaro estaria atuando nos EUA para “motivar, concatenar, desenvolver e aprovar em diversas instâncias” medidas punitivas pelo governo norte-americano contra as autoridades brasileiras. Essas sanções envolveriam a cassação de visto de entrada estadunidense, bloqueio de bens e valores que estejam no país e a proibição de estabelecer relações comerciais com qualquer pessoa física ou jurídica de nacionalidade americana. O pedido ainda ressalta que o intuito de Eduardo Bolsonaro em aplicar as punições é para atrapalhar o andamento do julgamento dos atos antidemocráticos no STF e de “perturbar os trabalhos técnicos” do inquérito que apura os ataques virtuais à Suprema Corte, por meio de notícias falsas e ameaças. Diante disso, a PGR pediu que Eduardo Bolsonaro fosse investigado por coação no curso do processo, embaraço à investigação de infração penal que envolva organização criminosa, e cita a pertinência relacionada ao crime previsto no art. 359-L do Código Penal, que trata da abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Após o presidente dos EUA, Donald Trump, aplicar uma taxação de 50% sobre produtos brasileiros e usar o processo contra Bolsonaro como justificativa para imposição das taxas, o STF subiu o tom. A tensão diplomática entre o Brasil e o país norte-americano é atribuída à atuação de Eduardo Bolsonaro junto à Casa Branca e, por isso, Moraes determinou uma série de medidas cautelares contra o ex-presidente, incluindo o monitoramento por tornozeleira eletrônica. Após Bolsonaro violar, no entendimento do STF, as medidas cautelares estabelecidas, Moraes determinou então a prisão domiciliar do ex-presidente e autorizou uma busca e apreensão na residência do ex-Chefe do Executivo. Na ocasião, o celular do ex-mandatário foi apreendido e, após a PF realizar diligências no aparelho, descobriu-se a existência de uma minuta de pedido de asilo político que seria enviado ao presidente da Argentina, Javier Milei. Esse esboço de documento poderia configurar uma tentativa de burlar as medidas cautelares. Por isso, Moraes determinou que a defesa de Bolsonaro explique sobre a possibilidade de fuga do ex-presidente. Apesar de ter levado à prisão domiciliar de Bolsonaro e de poder levar à prisão preventiva, caso Moraes entenda que existem chances reais o ex-presidente fugir do Brasil para escapar do julgamento no STF, o inquérito em questão está na fase inicial e, caso seja apresentada uma denúncia formal pela PGR e a Suprema Corte torne o ex-mandatário e o deputado Eduardo Bolsonaro réus, começará a etapa de interrogatórios. Depois das oitivas, seria aberto um prazo para as alegações finais e, então, um novo julgamento poderia ser marcado. Por ora, a atenção está em torno das sessões agendadas para 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro, relacionadas à suposta tentativa de golpe de Estado.
IG Último Segundo