Sim, palavras conduzem à violência


O cantor inglês Bob Vylan: refrão pede a morte de soldados israelenses
Crédito: Facebook Bob Vylan

O cantor inglês Bob Vylan: refrão pede a morte de soldados israelenses

É chato eu ficar me repetindo, eu sei, mas preciso dizer novamente: nesse canto do mundo, não há monotonia. Nada de um dia após o outro, transcorrendo em períodos de 24 horas que, somados sete vezes, viram uma semana. Ah, não. Aqui é tudo instantâneo. Os eventos se empilham uns sobre os outros.

Tivemos há pouco um show de terror protagonizado por um rapper inglês de tranças enormes e corpo tatuado que adotou o nome artístico de Bob Vylan – do qual eu, e provavelmente você, nunca ouvimos falar antes, mas a partir de agora agora jamais esqueceremos seu nome. Sobre o palco do Festival Glastonbury em Somerset, na Inglaterra, em frente a milhares de pessoas, o energúmeno gritou eufórica e repetidas vezes a frase “Morte às FDI” (Forças de Defesa de Israel) para um público tão bruto quanto ele próprio.

Verdade seja dita, ele nem ao menos fez algo de novo: em abril, no Festival Coachella, na Califórnia, o grupo de rap irlandês Kneecap fez algo bem parecido, com uma variaçãozinha: “Fxxx Israel, Free Palestine” .

Terrorismo em festival musical

É triste notar que justamente neste tipo de festival musical, que via de regra reúne milhares de jovens com a mesma vibe livre e vibrante, aconteça esse tipo de chamamento racista. Afinal, milhares de israelenses dessa mesma “tribo” dançante  participavam do Festival Nova, no sul de Israel, quando se tornaram alvo do pior atentado terrorista já realizado em um evento cultural – justamente um evento de música nos mesmos moldes de Glastonbury e de Coachella. Depois de horas de perseguição, tortura, estupro e assassinatos brutais, mais de 350 pessoas foram mortas e milhares ficaram feridas. Foram cenas tão brutais que, acreditavam as pessoas de bem, nunca mais seriam esquecidas. Mas foram, e bem rapidamente.

Natalie Sanandaji, israelense sobrevivente do Nova, concedeu uma entrevista a um podcast chamado Leading British Conversation justamente sobre esse tema. Fiquei tocada com  o que ela contou – e acho que vale a pena reproduzir suas palavras aqui para que o leitor possa chegar à sua própria conclusão. A entrevistadora perguntou a Natalie o que ela sentiu após ouvir as notícias sobre o que aconteceu em Glastonbury. Essa foi sua resposta.

“Eu e outros participantes do Festival Nova já não nos sentimos mais seguros em festivais de música depois que o Hamas transformou a pista de dança em uma área de guerra. Estive em dois festivais depois do 7.10 [data da invasão do Hamas ao sul de Israel]. O primeiro foi na Hungria, e eu achei que seria uma experiência de cura. No entanto, dei de cara com grafites antissemitas nos banheiros e nas paredes.

“Depois viajei para o Festival AD na Holanda. Lá, vi uma festa que acontecia em um parque e, ao me aproximar, entendi que se tratava na verdade de um evento pró-palestina. Imediatamente pensei: se souberem que sou judia, irão me atacar? Tentei me convencer de que eu estava exagerando. Daí, três semanas depois, aconteceu o  pogrom em Amsterdã [após um evento esportivo com a presença de um time israelense, centenas de muçulmanos passaram a perseguir e atacar torcedores israelenses nas ruas, promovendo uma verdadeira caçada humana]. Meses depois, desmascararam um complô em Portugal para envenenar participantes israelenses. Palavras levam à violência. Hoje, toda vez que penso em ir a um festival de música, sinto que vou arriscar minha vida.”

 Serve de consolo saber que a incitação do tal Vylan levou os Estados Unidos a retirar o seu visto de entrada no país, resultando no cancelamento de uma sequência de shows agendados. Apresentações em alguns países europeus também foram canceladas. O que não resolve o problema, mas pelo menos consola e traz o tema à discussão.



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